A inflação e o aumento da frequência com que as pessoas utilizam os seguros, nomeadamente na área da saúde e automóvel, ditou um aumento dos custos para as seguradoras em 2023. Encargos que acabaram por “engordar” a fatura que os clientes pagam todos os meses para ter estas proteções. Em entrevista ao Jornal Económico, o presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), José Galamba de Oliveira, afirma que alguns destes custos podem continuar a verificar-se este ano, num período que ainda será marcado pela incerteza geopolítica, governativa e económica.
“As más notícias de 2023 vieram do lado dos custos. Não esperávamos o aumento de custos que tivemos. Por um lado, devido à inflação. Os custos subiram em toda a rede de prestadores com quem o sector trabalha”, sejam os prestadores médicos, a rede de oficinas, mas também na área da construção civil, um fornecedor relevante nos seguros multirriscos, afirma o presidente da APS.
De acordo com José Galamba de Oliveira, a “componente de custos subiu em toda a linha, em todos os prestadores, muito decorrente da inflação. Foi muito difícil no primeiro semestre e depois começou a abrandar um bocadinho, mas a verdade é que ainda é muito presente em algumas áreas. Surpreendeu o sector pela sua magnitude”.
Além da inflação, há ainda uma outra vertente que justificou o aumento dos custos para as seguradoras: a frequência dos sinistros. “São as duas variáveis mais importantes: por um lado os custos dos sinistros mas também a frequência. No sector da saúde tivemos um aumento brutal da frequência”, num período marcado por muitos constrangimentos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“As pessoas estão a utilizar muito mais vezes do que utilizaram no ano passado. Seja porque vão a mais consultas ou fazem mais exames médicos. Provavelmente também se pode dever às dificuldades que existem hoje em dia no acesso ao SNS. As pessoas começaram a ir quase exclusivamente ao privado”, refere José Galamba de Oliveira, detalhando que, no ano passado, devem ter entrado no sistema cerca de 300 mil novos beneficiários, havendo, atualmente, perto de 3,6 milhões de portugueses com seguro de saúde.
Mas este aumento da frequência de utilização não se verificou apenas na área da saúde, mas também nos seguros automóvel, pois, diz, “para além do aumento de custos da reparação, temos acidentes mais frequentes”. “O aumento da frequência surpreendeu-nos na área da saúde e também na área automóvel”, acrescenta.
“O tema dos custos é um tema de preocupação pelo crescimento que teve em 2023 e como pode evoluir em 2024. A verdade é que as dificuldades do SNS continuam e o tráfego automóvel está em níveis recorde”, salienta, notando que “em 2024 alguns destes aumentos vão continuar”.
Esta subida dos custos está a ser passada para os clientes. “Não há forma de ultrapassar isto. Uma parte destes custos estão a ser refletidos nos prémios dos seguros de uma forma generalizada. Claro que depois depende da abordagem comercial da companhia, do tipo de carteira. Tudo isto tem problemáticas que não se pode dizer se vai aumentar 10% ou 20%. São realidades que dependem muito da situação específica de cada companhia”, afirma o presidente da APS.
Segundo José Galamba de Oliveira, “o nível de aumento é diferente entre segmentos porque a sinistralidade é diferente. Mas infelizmente esta inflação ainda não está debelada. Mostra sinais de algum abrandamento nos últimos meses e é normal que algum deste aumento de custos, mantendo-se a frequência com que estes sinistros vão acontecendo, acabem por se refletir nos prémios”. O Instituto Nacional de Estatística (INE) calcula que a taxa de inflação tenha sido de 4,3% em 2023.
O tema dos custos dominou um ano marcado por um crescimento acentuado (10%) no segmento não vida, com destaque para a saúde – a área que mais terá crescido no sector. “O seguro de saúde é o que tem o maior crescimento, superior a 15%”, estima o presidente da APS. Na base desta evolução pode estar a inflação – quem já tinha seguro passou a pagar mais nas renovações – mas também a entrada de novos beneficiários.
Em sentido contrário está o segmento dos seguros automóvel, aquele que menos cresceu. “Pode ter a ver com uma queda na venda de automóveis novos, pela subida das taxas de juro, pela diminuição do rendimento disponível das famílias ao longo do ano”, avança o responsável, calculando um crescimento de 8% que, se se descontar a inflação, é ainda mais baixo.
Já no segmento vida, o desempenho foi muito diferente. “Temos uma realidade menos interessante na área vida. Recordo que na área vida temos dois segmentos principais. Temos os seguros de vida risco que estão tipicamente associados ao crédito à habitação e que tiveram um crescimento nominal à volta de 1%. É marginal e se se descontar a inflação quer dizer que, na prática, praticamente não cresceram e até decresceram um bocadinho”, diz José Galamba de Oliveira, justificando esta evolução com a subida dos juros e o menor número de pedidos e de concessão de créditos à habitação.
“Mas pior do que isso foi o outro ramo da área vida que são os seguros financeiros. Estou a falar dos PPR, dos fundos de capitalização, que registaram uma quebra grande ao longo do ano e a expectativa é terminar o ano com uma queda à volta de 20% comparado com o ano anterior”, diz o presidente da APS, acreditando que a grande queda registada nos últimos 18 meses já ficou para trás. Apesar disso, 2024 traz vários pontos de interrogação na vertente económica, geopolítica e governativa.
“Este ano é de muita incerteza” perante as guerras na Ucrânia e na Palestina, e “não se sabe muito bem como é que as economias europeias se vão comportar”. A isto soma-se agora a queda do Governo de António Costa. Neste cenário, a perspetiva, conclui, é que a área não vida pode “ter um ano idêntico ao que tivemos em 2023, que é um ano interessante”, mas “é uma expectativa incerta. São muitas as situações que podem impactar o crescimento da economia portuguesa”.
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