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Capital injetado no Novo Banco após a resolução supera os 10 mil milhões, diz Finanças. TdC diz que não há evidência

O Tribunal de Contas, no seu relatório de auditoria à resolução bancária, questionou o Ministério das Finanças pelas declarações de Centeno, na COF, quando disse que “a resolução do BES foi a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa”. Mas depois de ver a resposta concluiu que o ex-ministro não tinha “evidência” sustentada “em prova documental”.
Rafael Marchante/Reuters
31 Julho 2020, 17h57

O Tribunal de Contas, no seu Relatório de Auditoria – Prevenção da Resolução Bancária em Portugal, questionou o Ministério das Finanças, que à data era liderado por Mário Centeno, atual Governador do Banco de Portugal, pelas suas declarações na audição da Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, de 13 de maio deste ano.

À questão do TdC “a resolução do Banco Espírito Santo “foi a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa” por terem os ativos incluídos no balanço do Novo Banco sido mal avaliados e mal contabilizados?” o Ministério das Finanças respondeu com um número: “Até ao momento, o capital injetado no Novo Banco após a resolução ascende a mais de 10.000 milhões de euros, um valor muito superior ao considerado necessário no momento da resolução em 2014”.

O Tribunal de Contas na apreciação da resposta do Ministério considerou que há falta de prova documental na afirmação que Mário Centeno proferiu na COF.

“A frase citada na questão formulada consta da intervenção inicial do Ministro de Estado e das Finanças na audição referida. Tratando-se de declarações proferidas na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, pretendeu-se que a resposta antes reportada fosse justificada com a respetiva prova documental (evidência) na posse do Ministério das Finanças”.

“Como só foi remetida esta resposta constata-se que o Ministério não dispõe de outra evidência”, diz o TdC.

O Minitério das Finanças, detalhou ao TdC, que “a frase em causa foi proferida na intervenção do Senhor Ministro de Estado e das Finanças na audição da Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, de 13 de maio” e que como tal “tratam-se de declarações feitas em contexto de debate parlamentar”.

“Não obstante, sempre se pode referir que o BES foi o maior banco objeto de uma resolução bancária, tendo em conta o seu peso no sistema. Em 2014, aquando da resolução do BES e da criação do Novo Banco foi injetado capital no valor de 4.900 milhões de euros pelo Fundo de Resolução. À data, foi referido pelos responsáveis políticos que a venda permitiria recuperar esse valor eventualmente com retorno para o Estado”.

O Ministério lembra ainda que “em dezembro de 2015, na sequência de uma primeira tentativa de venda (interrompida em setembro de 2015), a Autoridade de Resolução decidiu retransmitir cerca de 2.000 milhões de obrigações seniores do Novo Banco para o BES em liquidação, aumentando em 2.000 milhões o capital do Novo Banco, o que permitiu assegurar o cumprimento dos rácios regulatórios”.

O Ministério reconhece que “esta retransmissão de obrigações teve um impacto severo nas condições de financiamento da República em 2016”.

“No segundo processo de venda do Novo Banco, em 2017, o comprador (Lone Star) injetou mais 1.000 milhões de euros de capital, adquirindo 75% do capital do banco”, lê-se na resposta do Ministério das Finanças que consta do relatório do TdC. No processo de venda foi definido um perímetro de ativos depreciados que permaneciam no Novo Banco com um valor de 7.838 milhões de euros e que ficaram cobertos pelo Mecanismo de Capital Contingente, cabendo ao Fundo de Resolução a injeção de capital para cobertura de perdas desses ativos que pusessem em causa determinados rácios de capital até ao limite de 3.890 milhões.

Até ao momento foram utilizados 2.976 milhões de euros, um valor inferior às perdas e os custos registados nos ativos desse perímetro, tendo a diferença sido absorvida pelo capital gerado na atividade corrente do Novo Banco.

“Nestes termos, parece evidente que a resolução realizada, em 2014, não procedeu a uma segregação adequada de ativos depreciados, na medida em que manteve no balanço do Novo Banco os ativos englobados no mecanismo de capital contingente e cujas perdas são de montante elevado”, constata o Ministério das Finanças sobre a resolução do BES que criou o Novo Banco a 3 de agosto de 2014.

O Ministério que era liderado pelo atual Governador do Banco de Portugal, refere ainda que “a origem da insuficiente segregação de ativos depreciados indicia que a resolução foi feita sem conhecimento de toda a informação contabilística sobre o efetivo valor dos ativos”.

Concluindo depois que “até ao momento, o capital injetado no Novo Banco após a resolução ascende a mais de 10.000 milhões, um valor muito superior ao considerado necessário no momento da resolução em 2014”.

O Tribunal de Contas perguntou também ao Ministério das Finanças se “os ativos incluídos no balanço do Novo Banco foram objeto de auditoria ou de outro processo de validação?”

No momento da aplicação da medida de resolução, o Banco de Portugal determinou a realização de uma avaliação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, nos termos legais vigentes à data, admite por outro lado o Ministério das Finanças.

Essa avaliação independente foi efetuada pela PwC (concluída após a resolução). “Os seus resultados e ajustamentos foram incorporados no balanço do Novo Banco”.

O Ministério das Finanças lembra que “o Novo Banco está sujeito a revisão legal de contas e as suas contas anuais são objeto de auditoria pelo respetivo revisor oficial de contas, que emite a Certificação Legal de Contas, anexa às Demonstrações Financeiras dos exercícios de 2017, 2018 e 2019”.

Em acréscimo, no âmbito da execução dos acordos associados à venda do Novo Banco, foi instituído um mecanismo de acompanhamento e verificação da execução do acordo de capital contingente, que prevê a monitorização pela comissão de acompanhamento e pelo agente de verificação, que tem sido a Oliver Wyman, que emitem pareceres e relatórios que suportam as decisões do Fundo de Resolução (parte no contrato) nessa função de acompanhamento da execução do contrato.

As Finanças lembram o TdC que “a comissão de acompanhamento monitoriza e dá parecer sobre um conjunto alargado de operações no quadro da execução do referido contrato”. E que “o agente de verificação avalia e confirma, designadamente, o perímetro e valorização (adequação das perdas) dos ativos integrados e abrangidos pelo referido contrato”.

Por fim, “em cumprimento do disposto na Lei n.º 15/2019, de 12 de fevereiro, está em curso a auditoria especial determinada na sequência da disponibilização de fundos públicos ao abrigo do Acordo Quadro, referente a 2019 (cujos resultados ainda se aguardam), tendo-se igualmente dado início ao procedimento respeitante à disponibilização de meios financeiros ocorrida em 2020”, referindo-se a auditoria da Deloitte.

Os comentários do Tribunal de Contas a esta resposta, dizem que o Ministério das Finanças não entregou “toda a evidência necessária e pretendida para justificar resposta positiva a esta questão”.

“Constata-se que o Ministério das Finanças não dispõe de evidência sobre a validação do limite máximo de 3.890 milhões de euros de perdas nesses ativos que o Mecanismo de Capital Contingente, contratualizado em 2017, obriga o Fundo de Resolução a cobrir”, conclui por isso o TdC, que por seu turno defende também que o Ministério “não dispõe de evidência sobre o processo de auditoria às contas do Novo Banco nem sobre os processos de verificação do acordo de capitalização contingente, que são acompanhados pelo Fundo de Resolução, visto também não ter remetido essa evidência”.

“Apenas foi remetido o comunicado do Banco de Portugal (divulgado no seu portal em 3 de dezembro de 2014) sobre a avaliação independente referida na resposta”, diz o TdC. Esse comunicado reporta que a avaliação foi realizada pela PricewaterhouseCoopers & Associados – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda (PwC), entre os meses de agosto e de novembro de 2014, tendo por referência a data da aplicação da medida de resolução ao BES, e que dela resultaram necessidades de ajustamento de 4.937 milhões de euros, em base consolidada, e de 4.920 milhões de euros, em base individual, face ao valor, mensurado pelo BES à data de referência, do património transferido para o Novo Banco.

Desse comunicado consta que os ajustamentos globais apurados pela PwC foram integralmente refletidos nos balanços de abertura do Novo Banco, em base consolidada e em base individual, aprovados em 3 de dezembro de 2014 pelo respetivo Conselho de Administração, como verificado pela PwC. E que, visando o trabalho da PwC a mensuração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão no momento da respetiva transferência para o Novo Banco, os ajustamentos apurados se tinham registado a montante daquela transferência e os valores inscritos no balanço de abertura do Novo Banco correspondiam ao valor líquido daqueles ajustamentos, pelo que, no início da atividade do Novo Banco, o respetivo balanço se encontrava “limpo” desses efeitos.

Consta ainda que, aquando da aplicação da medida de resolução ao BES, o apuramento das necessidades de capital do Novo Banco (4.900 milhões de euros) já tinha por referência a valorização conservadora do património transferido, o que explicava os ajustamentos entretanto apurados pela PwC terem sido integralmente acomodáveis pelo Novo Banco.

O Tribunal de Contas também abordou o tema dos recursos do FdR que assentam em contribuições periódicas adicionais (às entregues ao Fundo Único de Resolução) recebidas das suas instituições participantes. Como os empréstimos concedidos pelo Estado para financiar as resoluções do BES e do Banif podem ser pagos pelo FdR até 2046, “foi dívida pública contraída pelo Estado que, na prática, financiou 72% do recurso ao mecanismo de capital contingente”.

Assim, conclui o TdC, “outro risco é de pressão adicional sobre a dívida pública nacional, que advém de terem sido comprometidos recursos do FdR até 2046 (prazo já justificado com a necessidade de salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro nacional) para pagar empréstimos contraídos antes de 2018 quando, desde então, o Estado já emprestou mais 2.130 milhões de euros ao FdR”.

Prevenir este risco, alerta o Tribunal de Contas, “exige minimizar a margem de erro no planeamento de resolução bancária, não só das IMS [instituições menos significativas]  cuja competência é da ANR [Autoridade de Resolução Nacional], como das instituições cuja competência é do CUR [Conselho Único de Resolução], mas nas quais a intervenção da ANR tem sido determinante”.

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