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Carlos Costa admite necessidade de programas estatais de compra de ativos improdutivos dos bancos para responder à crise

O ainda governador do Banco de Portugal defende, num artigo de opinião enviado à Reuters, que será necessário um programa estatal de compra de ativos tóxicos nos bancos para vencer a crise.
8 Julho 2020, 12h13

O ainda Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, no último dia do seu mandato, defendeu, num artigo de opinião publicado na “Reuters”, a compra de ativos tóxicos nos bancos para vencer a crise, através de um Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Troubled Asset Relief Program – TARP) – que é um programa que foi introduzido pelo Governo dos Estados Unidos, em 2008, de compra de ativos e ações tóxicas de instituições financeiras para fortalecer o seu setor financeiro.

Para Carlos Costa, a proposta da Comissão Europeia de 750 mil milhões de euros para o fundo de recuperação é “oportuna” e caminha na direção correta, mas levanta desafios importantes à qualidade dos ativos das empresas e, em particular, dos bancos. Porquê? “Visa reorientar a economia, mas falha no suporte atempado às fases de reparação e recuperação: não poderemos reorientar os modelos de negócio se, entretanto, as empresas falirem”, alerta.

Isto porque aborda o impacto das políticas adotadas na resposta à crise da Covid-19 e faz uma distinção clara entre quatro estágios das políticas: alívio (moratória de pagamento),  reparação (recapitalização de empresas viáveis), recuperação (lançamento da procura doméstica e investimento produtivo) e reorientação (em direção ao desenvolvimento sustentável e digital).

Carlos Costa está preocupado com o impacto da crise pandémica nos bancos portugueses e europeus e refere que há o risco de o impacto económico deixar cicatrizes profundas se não houver coordenação na resposta. No mesmo artigo, sublinha que o foco deve estar em impedir a crise de liquidez nas empresas, antes que evolua para a insolvência.

“A crise da pandemia terá um impacto profundo na economia mundial. A sua duração e dimensão ainda estão cercados por uma grande incerteza. Embora temporário, esse choque corre o risco de deixar cicatrizes duradoiras se os formuladores de políticas e as autoridades não coordenarem suas respostas”, escreve Carlos Costa no texto publicado pela agência noticiosa.

No setor bancário, o impacto repercutirá a dinâmica da qualidade dos ativos, com o aumento dos rácios de crédito em incumprimento, adverte, defendendo que “soluções sistémicas no estilo TARP serão necessárias a nível europeu, mesmo se implementadas em nível nacional”. Isso exigirá flexibilidade adicional no que se refere à interação entre auxílio estatal e a Diretiva Recuperação e Resolução da Banca, compatível com o desafio em questão”, clarifica.

“Questões morais relacionadas com o comportamento de assunção de risco pré-pandémico [pelos bancos] surgirão e precisarão ser tratadas politicamente como uma forma de ganhar confiança para revigorar o projeto da União Bancária. A menos que os Estados-membros atuem com urgência, corremos o risco de repetir as discussões após a crise da dívida soberana, com as inevitáveis consequências para a recuperação económica e para a confiança nas instituições europeias, já enfatizadas pela resposta à crise da pandemia”, diz ainda o governador do Banco de Portugal.

Não obstante as melhorias observadas no sistema bancário europeu após a crise financeira global, a situação é desigual entre os países. À medida que a qualidade e a rentabilidade se deteriora, o excesso de capacidade conduzirá a um impulso renovado de procura por soluções digitais, dinamizada pelo período de lockdown económico.

Carlos Costa lembra que “para um choque exógeno comum a todas as economias, as autoridades responderam inicialmente sem coordenação”. E, à medida que o vírus se espalhou e as consequências económicas da pandemia se tornaram claras, “foram envidados esforços para coordenar a resposta política, mas até agora o ónus recai principalmente sobre nações individuais”.

A flexibilização da política monetária  amorteceu significativamente o impacto do choque, fornecendo ampla liquidez. Foram implementadas políticas de mercado de trabalho (lay-offs), concedidas moratórias de pagamento dos créditos, dadas garantias governamentais de empréstimos a empresas, entre outras, em vários países.  Os reguladores e supervisores adotaram medidas complementares que exploram a flexibilidade da estrutura regulatória existente para mitigar o impacto imediato nos balanços dos bancos. Mas, avisa Carlos Costa, “o impacto das políticas adotadas será em função das características estruturais dos setores produtivos das economias, das posições de liquidez e solvência dos agentes económicos, da margem fiscal disponível e da clarividência dos prazos e dos formuladores de políticas (vinculados à identificação oportuna dos problemas, qualidade das políticas e suficiência de resposta)”.

O governador considera “essencial” evitar a “zombificação das empresas e do mercado de trabalho” e remete para a ideia do Fundo Monetário Internacional de que é preciso explorar opções políticas para impedir que a crise de liquidez evolua para uma crise de insolvência. “À medida que as economias emergirem da pandemia, as vulnerabilidades financeiras preexistentes serão compostas por dívida pública e dívida privada adicionais, fruto da atuação política”, antevê o governador do banco central.

“Os encargos das dívidas das empresas e das famílias correm o risco de se tornar incontroláveis em caso de severa contração económica, pondo em risco a sua solvência. As autoridades e os legisladores devem utilizar o balão de oxigénio criado pelas moratórias e pela flexibilidade dos reguladores para implementar soluções que reduzam os riscos de insolvência”, sugere.

Antes que os formuladores de políticas relaxem as medidas adotadas no auge da crise, é necessário implementar soluções para permitir a capitalização das empresas e evitar os efeitos do precipício, defende.

Foram apresentadas propostas que compreendem a possibilidade de “converter crédito garantido pelo governo em capital ou quase-capital na forma de ações preferenciais ou, para empresas de capital fechado, maiores impostos sobre lucros no futuro”.

Carlos Costa defende ainda que “as opções de identificação e triagem de empresas inviáveis ​​merecem avaliação cuidadosa, de forma a atenuar os riscos para o mercado de trabalho e a coesão social”. O governador volta a invocar a necessidade de melhorar o sistema da justiça para tornar mais rápido o processo de insolvência. “Para empresas inviáveis, procedimentos de insolvência acelerados devem ser implementados para preservar valor. A nível europeu, essas soluções precisam ser coordenadas sob os auspícios do desenvolvimento da União dos Mercados de Capitais, a fim de evitar soluções nacionais que protegem as empresas locais e os setores económicos que arriscariam a singularidade do mercado da UE”, refere.

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