Carlos Santos Ferreira foi presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) entre 2005 e 2008, um dos períodos onde recaem alguns dos créditos mais problemáticos na vida do banco público, segundo a EY.
Na comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD, na sequência do relatório da auditora EY, o ex-banqueiro explicou a criação da Wolfpart. Uma SGPS que foi constituída por decisão do Conselho de Administração do banco público para a CGD desenvolver parcerias com clientes em negócios das áreas do turismo ou imobiliários.
Recorde-se que Caixa Geral de Depósitos era, através da Wolfpart, detentora de uma participação de 25% do capital da Vale do Lobo – Resort Turístico de Luxo desde 2006 adquirida por compra dessa participação no complexo algarvio Vale do Lobo ao empresário holandês Sander van Gelder. Fê-lo no âmbito de uma parceria com um grupo de investidores, alguns dos quais terá, em parte, financiado. O parceiro da CGD neste negócio, com 75% do capital, foi a Turpart, empresa detida por Rui Horta e Costa, Diogo Gaspar Ferreira, Luís Horta e Costa, Hélder Bataglia e Pedro Ferreira Neto, os últimos três ligados à Escom. Diogo Gaspar Ferreira, ex-diretor-geral do Sporting, tornou-se desde logo presidente de Vale do Lobo.
Carlos Santos Ferreira tentou provar que a criação da Wolfpart não está indexada ao crédito ao empreendimento de Vale do Lobo, que apelidou de uma “má operação com maus resultados”, segundo palavras do ex-presidente da CGD.
A Wolfpart nasceu de uma decisão do Conselho de Administração da CGD, cuja ata data de 13 de dezembro, “quase contemporâneo” do pedido de crédito para o empreendimento de Vale do Lobo, que data de 25 de outubro desse ano. Santos Ferreira explicou que a sociedade tinha ainda como ativos duas torres do Centro Comercial Colombo, compradas à Sonae Sierra e ao ING, em parceria com a Iberdrola, e que nesse investimento da CGD, o banco teve mais-valias. Isto porque a Wolfpart e a Iberdrola pagaram, as duas, 12 milhões (seis milhões cada uma) para ficar com 50% das torres (25% cada) e depois cada uma das torres foi vendida por 80 milhões de euros. A CGD ganhou 40 milhões de euros com esta operação.
Essa sociedade era liderada por Armando Vara por delegação do Conselho da CGD.
O projeto de Vale do Lobo passou assim de um financiamento a um veículo especializado a uma parceria com a criação da sociedade Wolfpart.
Mariana Mortágua questionou Santos Ferreira sobre como tomou conhecimento da operação. Se foi através de Armando Vara?
Santos Ferreira disse que “geralmente, um presidente tem conhecimento das operações de crédito nas vésperas de irem ao conselho de crédito”, disse. Terá sido esse o caso de Vale do Lobo.
“Não conheço as pessoas de Vale do Lobo, conheço uma, Rui Horta e Costa do tempo em que era administrador da EDP. Mas nunca fui a Vale do Lobo, não por eventuais dúvidas sobre a operação, mas porque sou anti-social”, acrescentou.
Depois a deputa Cecília Meireles do CDS confrontou o ex-presidente da CGD com o facto de Wolfpart ter a designação lobo em inglês no nome [Parte do Lobo] e se isso não era um sinal de que foi uma sociedade criada para acomodar o investimento do banco em Vale do Lobo. Mas Carlos Santos Ferreira ironizou.
Do relatório da EY conclui-se que foi durante a sua presidência que foram decididas as operações mais ruinosas, desde Vale do Lobo até à aventura do banco público na Artlant dos catalães da La Seda.
Outro tema abordado foi a guerra acionista no BCP, pois Carlos Santos Ferreira era o presidente da CGD durante a guerra geracional na sucessão da liderança do BCP e foi depois o presidente do banco escolhido por consenso pelos acionistas sob a égide da EDP, e com o conforto do Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio.
Os financiamentos da CGD a empresários como Manuel Fino e Joe Berardo para a aquisição de ações do BCP estão no centro da comissão parlamentar à gestão da Caixa. Carlos Santos Ferreira disse que quando financiou Manuel Fino e Joe Berardo, esse financiamento contemplava uma lista de ações europeias, entre as quais o BCP.
Na questão do BCP Santos Ferreira admitiu ter “consciência da ideia do desígnio”. “Esse desígnio passava por financiar os dois investidores na guerra acionista para o controlo do BCP”, adiantou.
Santos Ferreira lembrou ainda que o financiamento para compra de ações do BCP não foi feito apenas pela CGD. “O financiamento das duas entidades para aquisição de participações financeiras foi feito por quatro bancos, que eu me lembre: Caixa, BCP, BES e Santander”, referiu.
O crédito à Metalgest, de Joe Berardo, consta da lista dos créditos mais ruinosos para a CGD, por isso Carlos Santos Ferreira foi confrontando com este crédito.
Recorde-se que segundo a auditoria da EY à gestão da Caixa, na listas das 25 maiores operações que geraram perdas para o banco aparecem empresas ligadas a Berardo: a auditoria identificou um crédito aprovado de 350 milhões de euros concedido ao empresário e um outro de 50 milhões à Metalgest. Em 2015, o dinheiro emprestado pela Caixa a Berardo era 268 milhões de euros, mais os 53 milhões para a Metalgest.
Os deputados quiseram saber porque é que a Caixa aceitou conceder o crédito à Metalgest para comprar ações do BCP sem o conforto da direção de risco e tendo como garantia as próprias ações.
Carlos Santos Ferreira explicou que “o crédito para a aquisição de participações sociais é legal e foi concedido por quase todos os bancos, e que a ideia que o financiamento tinha como colateral apenas as ações/participações sociais não é rigorosamente assim, pois respondem pelo crédito as ações e o património da entidade que pede o crédito”.
No caso da Metalgest, Santos Ferreira disse que essa empresa de Berardo “tinha 216 milhões de euros de situação líquida e que a holding consolidava integralmente algumas empresas como a Companhia de Moagem; consolidava 85,6% da Quinta da Bacalhoa; 44,18% da Quinta do Carmo; consolidava ainda parcialmente a cadeia de cinco hotéis Savoy; a Empresa Madeirense de Tabaco e tinha ativos disponíveis para venda, nomeadamente empresas de cabo (Bragatel). “Logo a Metalgest não estava dependente dos dividendos dos títulos para pagar os juros e o crédito”, concluiu.
A dívida de Berardo à CGD foi abatida em 20 milhões, com a venda da Bragatel.
Mais tarde, confrontado por Mariana Mortágua, Carlos Santos Ferreira disse que não conhecia as contas de cada uma daquelas empresas, porque essas contas não estavam no parecer da direção de risco.
Sobre a taxa de cobertura inferior a 120%, Carlos Santos Ferreira lembrou que quando chegou à CGD havia créditos cobertos a menos de 120%, a mais de 120% e a 120%.
Carlos Santos Ferreira já tinha respondido antes que, descontando as imparidades com os maus créditos que concedeu, o seu mandato registou um lucro de 900 milhões de euros. Foram “lucros prodigiosos”, sublinhou.
O ex-banqueiro lembrou que “nos casos em que o parecer de risco era favorável tivemos mais perdas em que o parecer de risco era desfavorável. Não deixa de ser uma ironia quando se quer ligar o parecer do risco com o resultado”.
“O risco não previu o que não era previsível. E o imprevisível é aquilo que as pessoas não gostam de falar: uma crise financeira transversal. Não soa bem dizer que isto correu mal por causa da crise. Mas o risco não podia prever o imprevisível”, referiu.
“Não gostava de dizer isto foi só a crise. Não foi só isso. também houve erros”, admitiu.
Houve um período de euforia e de um momento para o outro esse mundo desapareceu. Podíamos ter sido mais prudentes? Podíamos”, admitiu sobre os financiamentos a Manuel Fino.
(em atualização)
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