Tendo dito que a União Europeia (UE) é um “gigante económico e um anão político”, como é que pode ganhar peso entre os Estados Unidos e a China?
A UE tem aqui uma enorme oportunidade de ganhar peso se conseguir uma dupla linha de ação. Por um lado unir-se. Se a Europa não conseguir projetar uma visão de unidade dificilmente pode ambicionar ter um papel de mediadora. Afirmar-se como a potência multilateral, que defende a necessidade, que aceita a diferença de uma forma democrática e que é aliada das Nações Unidas e da paz. O segundo passo é um pouco mais utópico, mas o sonho comanda a vida. A Europa tem também de tentar inspirar os povos, para demonstrar que o nosso modelo democrático, social, baseado na cooperação e no respeito pelos cidadãos é um modelo inspirador para a própria globalização, e para isso é necessário haver menos egoísmos pessoais e mais grandeza política. A alternativa a este modelo é um fechamento das potências para si próprias com o incremento dos nacionalismos e os líderes providenciais. A verdade é que a história mostra que sempre que estes movimentos se deram à escala global criaram um contexto que favoreceu as grandes guerras e catástrofes. A UE tem de evitar isso, primeiro, internamente e depois dar um bom contributo à escala global.
Como viu o aparecimento de um partido de extrema-direita em Portugal?
Não fico satisfeito mas era relativamente previsível que esse nicho de mercado fosse explorado. Uma das mudanças interessantes na política nos últimos tempos, com os novos meios de comunicação e com a facilidade com que se chega às pessoas. Enquanto antigamente tínhamos partidos com um ideário (ideário social-democrata, comunista, liberal, democrata-cristão) e proponham às pessoas se não queriam comprar o nosso ideário, hoje funciona de um pouco ao contrário. Identificam nichos de descontentamento e oferecem um produto para esse nicho. Vieram esse descontentamento e ofereceram um nicho para esse descontentamento. Não sou a favor de que se procure minimizar o mensageiro. Se ofereceu o produto é porque havia nicho. Os partidos e as pessoas como eu, que gostariam que não houvesse uma força forte populista, nacionalista, xenófoba, devem tentar reduzir muito do descontentamento onde é possível esses partidos crescerem.
Esse combate ao populismo e nacionalismo exige uma maior coordenação entre a União Europeia?
Uma Europa mais próxima dos cidadãos certamente ajudará. Mas hoje, com a comunicação que temos, não podemos dispensar ninguém.
A Europa tem de tentar inspirar os povos, para demonstrar que o nosso modelo democrático, social, baseado na cooperação e no respeito pelos cidadãos é um modelo inspirador para a própria globalização, e para isso é necessário haver menos egoísmos pessoais e mais grandeza política
É a favor de uma União Europeia federalista?
À partida, sempre entendi que iria ser essa ideia de podermos ter uma UE como uns “Estados Unidos da Europa” era muito interessante e mobilizadora. De qualquer forma, há tanta coisa para fazer, tanta articulação que precisa de ser posta em prática, que julgo que é preferível avançar através de outro processo: o de cooperações reforçadas. Em cada circunstância, um conjunto de países dentro da UE e, nalguns casos, todos decidem avançar com uma determinada política e para essa política trabalham em conjunto. Imaginemos na política do euro ou da segurança e defesa. É preferível e mais eficaz para as populações que se vão criando redes e laços de confiança ao nível das políticas concretas que dão resultados concretos. Se um dia, se decidir que o melhor é nos federarmos, que seja como conclusão; como ponto de partida percebemos que não une os europeus e que não tem hipótese.
Mas há hoje uma maior cooperação entre os Estados-membros da UE?
Do ponto de vista de integração económica, política e tecnológica, a Europa está mais integrada do que nunca. Os cidadãos vão perceber a dificuldade prática que vai ser desconetar o Reino Unido da UE. Agora, do ponto de vista político, a Europa já esteve num patamar de maior integração e chegou a haver uma convenção para aprovar um tratado constitucional, que acabou por ser rejeitado pelos povos. A partir do tratado de Lisboa avançámos para uma linha mais intergovernamental. A questão fundamental é que devemos perceber, tal como eu percebi ao longo da minha vida, que a ideia de uns “Estados Unidos da Europa” que se achava que se podiam criar e a partir dela declinar todas as políticas europeias, hoje acredito no contrário. Sou muito mais pragmático. Acho que podemos ir criando redes mundiais, ligando as pessoas e as instituições. A melhor solução que temos contra fraturas, guerras e outro tipo de incompreensões entre os povos. Vamos tão longe quanto podermos.
Nunca vou deixar de ser político (…) Se deixar de ter a atividade política como atividade principal, continuarei a tê-la como uma atividade transversal na minha vida
O Partido Socialista (PS) vai a votos em maio para eleger o secretário-geral. Além de António Costa, quem é que pode vir a chegar-se à frente?
Como disse António Costa no Congresso ainda não pediu os cálculos para a reforma, por isso acho que não é uma questão que se coloca. Por outro lado, o PS é um partido que ganha muito com a pluralidade, por isso espero que haja muita gente a chegar-se à frente. Fiz parte de uma geração que deixou algumas marcas e espero que continue a deixar porque também ainda não pôs os papéis para a reforma. Fiz parte da geração de António Costa, Francisco Assis, António José Seguro, uma geração que veio a seguir à geração de Guterres, que veio a seguir à de Soares. Isso é muito gratificante para alguém que não tendo sido apenas político, sou um académico que tem exercido várias funções na política, é muito gratificante perceber que a geração que vem a seguir a nós no nosso partido é também uma geração forte, com ambição e ideias claras. Espero que se cheguem muitos à frente.
Pondera regressar à política nacional?
Nunca vou deixar de ser político. Fui político muito antes de pensar que receberia dinheiro por exercer uma função política. Fui presidente (na altura chamava-se secretário-coordenador) da minha federação distrital, enquanto professor, fui líder estudantil e participei em muitas coisas da política, pensando que nunca teria uma atividade política como atividade principal e não sei até quando terei a atividade política como atividade principal. Sou professor catedrático, continuo muito ligado às questões académicas e, se deixar de ter a atividade política como atividade principal, continuarei a tê-la como uma atividade transversal na minha vida, porque nasci político e assim farei todos os meus dias.
Mantém, tal como disse após as eleições europeias, que António Costa é “claramente” o seu candidato, apesar de ter sido um conhecido apoiante de António José Seguro?
São contextos diferentes. Uma das coisas que é muito importantes nos partidos políticos é a capacidade de distinguir o que é o debate interno, a formação de opinião e as escolhas para as lideranças internas e depois as obrigações que os partidos políticos têm para pôr em prática o programa que aprovaram para dar resposta aos cidadãos. Nunca hesitei politicamente em apoiar o meu secretário-geral fosse ele qual fosse e não tenho nenhuma razão para não apoiar António Costa. Em todos os momentos em que houve congressos, diretas ou primárias e houve mais candidatos, fiz a minha escolha. Depois disso, respeito quem ganhou e quem perdeu e sou do PS e tenho obrigação perante as pessoas que me elegem de cumprir o programa do PS.
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