O tema que tem recentemente ocupado os meios de comunicação social tem sido a falta de médicos e o encerramento de urgências no Serviço Nacional de Saúde. O argumento dado para este estado de coisas tem sido ligado, às deficientes condições de trabalho, às fracas remunerações, que não refletem os aumentos de produtividade, às dificuldades de progressão na carreira e à maior atratividade exercida pelo setor privado sobre os profissionais da saúde, em particular sobre os médicos, mas também sobre os enfermeiros.
Hoje trago outro setor, o ensino superior público, que partilha de circunstâncias semelhantes e de que se fala pouco.
Dados da Pordata permitem constatar um setor envelhecido. O índice de envelhecimento dos docentes do ensino superior, (docentes com mais de 50 anos/docentes com idade inferior a 39 anos)X100, tem vindo sempre a aumentar, tendo passado de 47,7% em 2001 para um rácio de 216,6% em 2020. A situação é mais grave no ensino superior público, onde, para os mesmos anos, se atingiram os valores 60,7% e 250,5%, respetivamente, embora se observe, desde 2018, uma descida ligeira deste indicador, fruto de alguma abertura à contratação de jovens docentes universitários.
A mesma base de dados, refere ainda que o total de docentes do ensino superior cresceu de 35.740 em 2001, para 36.473 em 2020 (+2,1%), com o ensino superior público responsável por esta taxa de crescimento positiva, ao crescer cerca de 17,8%, mais do que compensando o decréscimo no número de docentes do ensino superior privado, que se reduziu de 11.444 em 2001 para 7.859 em 2020 (-31,3%).
O número de alunos matriculados no ensino superior subiu, em linha com esta tendência, de 387.703 em 2001 para 396 909, em 2020 (+2,4%), sendo esta evolução, atribuída ao aumento de alunos ensino superior público de 273.530 para 323.754 (+18,4%), que contrasta, também aqui, com a queda observada no número de alunos no ensino superior privado, que passou de 114.173 em 2001 para 73.155 em 2020 (-35,9%).
A produtividade nos docentes do ensino superior público cresceu de forma significativa, não só pelo crescimento mais que proporcional dos alunos em relação aos docentes, mas também porque: (i) subiu o output do ensino, medido pelo acréscimo de diplomados nas licenciaturas, mestrados e doutoramentos (ii) aumentou o número de disciplinas lecionadas por docente, (iii) aumentaram o número das orientações de mestrados e doutoramentos, (iv) aumentou de forma consistente a investigação, medida pelo número de artigos científicos produzidos e subiu a qualidade dos mesmos, aferida pelos rankings internacionais; (v) e aumentou o trabalho administrativo ligado a esta evolução.
As remunerações e progressões na carreira não têm acompanhado esta tendência. À semelhança da restante função publica, os salários estão estagnados há mais de uma década, a progressão na carreira é muito difícil e a avaliação de desempenho, da forma como se encontra estruturada, não permite que os docentes alcancem o topo das tabelas remuneratórias, nem sejam premiados pelo seu desempenho, criando desincentivos nesta área da administração pública, juntando-se assim aos profissionais da área da saúde.
A área da saúde é especial, trata-se da vida das pessoas, e deve ser tratada tendo em conta as suas especificidades, mas o ensino de qualidade lecionado nas universidades portuguesas, importante fator de mobilidade social e decisivo para o progresso e desenvolvimento económico do país, deve ter, também, por parte dos decisores públicos, a atenção que merece.