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Centeno, um crítico das políticas seguidas na Europa durante os anos de crise

Ministro português tem vindo a contestar a forma como se determina a correção das contas públicas na Zona Euro e a falta de estímulos à procura agregada a nível europeu. Durante o programa de ajustamento, foi contra os cortes salariais e a estratégia de desvalorização interna seguida pela troika e pelo Governo PSD-CDS.
3 Dezembro 2017, 12h00

A votação para a presidência do Eurogrupo – o grupo informal de ministros das Finanças da Zona Euro – decorre esta segunda-feira, com o ministro das Finanças português a apresentar-se como o mais bem posicionado para suceder ao holandês Jeroen Dijsselbloem. A provável eleição de Mário Centeno marcará uma mudança de posicionamento quanto às políticas económicas e orçamentais levadas a cabo na Zona Euro, nos últimos anos.

Embora Dijsselbloem fosse também do Partido Socialista Europeu, gerou contestação dentro da sua própria família política, ao tornar-se um dos rostos mais visíveis das medidas de austeridade nos países sob intervenção externa, nos últimos anos.

Mário Centeno, por seu turno, tem um percurso ligado a críticas de algumas das principais opções orçamentais e económicas da Zona Euro e ao apontar de falhas na arquitectura institucional da moeda única.

Cartas a contestar défice estrutural

Pouco depois de ter entrado em funções como ministro, Centeno entrou em choque com a Comissão Europeia. Depois de um Orçamento do Estado de 2016 marcado por intensas discussões com a Comissão Europeia sobre o esforço de ajustamento orçamental necessário em Portugal, Mário Centeno fez parte de um grupo de oito ministros das Finanças europeus que escreveram uma carta à Comissão Europeia a contestar a fórmula de cálculo do défice estrutural, que serve de base à definição do esforço orçamental que os países têm de fazer todos os anos, para cumprir os tratados europeus.

Os governantes apontavam a “incoerência” no atual  sistema, argumentando é que o défice estrutural é calculado em função do PIB potencial – um indicador “desconhecido” e que portanto gera estimativas com “um elevado grau de incerteza”.

Apesar de os embates com Bruxelas terem diminuído de intensidade por com os orçamentos de 2017 e 2018, Centeno manteve o tom crítico. Em maio deste ano, desta vez em conjunto com três outros ministros das Finanças, assinou uma nova carta conjunta enviada ao vice-presidente da Comissão e ao comissário para os Assuntos Económicos, Valdis Dombrovskis e Pierre Moscovici, respetivamente, Mário Centeno junta-se a Luis Guindos, Michel Sapin e Pier Carlo Padoan.

Os governantes contestaram mais uma vez a utilização de cálculos baseados no crescimento potencial como forma de estabelecer o esforço orçamental que cada estado membro tem de fazer. “Em alguns países, as consequências negativas de um período extenso de inflação extraordinariamente baixa, baixo crescimento, alto desemprego e os consequentes efeitos retardadores, ampliadas por significativas  incertezas políticas a nível global”, realçam os riscos de um maior protecionismo e um efeito prejudicial de longo prazo sobre o crescimento potencial”, argumentam.

Para este grupo de ministros, a definição das metas orçamentais por Bruxelas baseiam-se assim num indicador pouco fiável, devido aos efeitos da crise económica. “A incerteza sobre as estimativas para o PIB potencial devem ser atribuídas à longa e persistente crise económica e financeira”, que torna os modelos de interpretação económica “frágeis e potencialmente enganadores”.

Falta de estímulos económicos à escala europeia

O diferendo sobre o produto potencial e o ajustamento estrutural não é o único ponto onde Centeno veio a público defender um caminho alternativo ao que tem sido seguido na Europa. Numa entrevista ao El Pais, Centeno defendeu que a Europa  deveria optar por uma politica de estímulos económicos para relançar o crescimento. “Aprovámos orçamentos com restrições mas não estigmatizámos as políticas de procura. Seria preferível que fossem políticas de estímulo a nível europeu, porque os limites de países como Portugal são evidentes”, disse.

Mesmo antes de iniciar funções, esta perspectiva crítica estava presente. O estudo macroeconómico do PS que serviu de base ao programa eleitoral, coordenado por Mário Centeno, apontava várias falhas na arquitectura do euro, admitindo, contudo, que “a situação que atualmente se vive no contexto europeu não é uma fatalidade”. “É necessário contribuir para uma solução política que, integrando as instituições europeias, reavalie a governação económica evitando políticas pró-cíclicas sincronizadas, avance com a implementação plena da União Bancária e crie mecanismos de estabilização financeira na zona Euro, envolvendo o BCE e o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Só com aprofundamento e requalificação dos mecanismos de partilha de custos e de responsabilidades, será possível continuar a construir uma identidade europeia que permita à Europa reassumir o seu lugar no Mundo”, referia o estudo coordenado por Centeno.

Críticas ao programa de ajustamento português

Mas o período em que a posição crítica do economista começou a mostrar-se mais vincada ocorreu em pleno programa da de ajustamento português.  Com a vinda da da troika e a ascensão de Vítor Gaspar e Passos Coelho ao Governo, começa a ganhar forma um conceito económico: a desvalorização interna. Na falta de uma moeda própria para ganhar competitividade externa, Portugal deveria reduzir os preços e os custos salariais para atingir esse fim. A redução da Taxa Social Única e de salários passou a ser encarada como o instrumento primordial para conduzir essa política.

Centeno, um académico conceituado e quadro do Banco de Portugal, toma uma opção pouco comum num técnico do banco central: o economista criticou nos jornais as opções do programa de ajustamento. Numa entrevista ao Jornal de Negócios, mostrava uma forte apreensão face aos cortes de vencimentos: “Se continuarmos a insistir em resolver o problema via desvalorização interna salarial, não há salários que cheguem para pagar isso”.

 

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