O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) denuncia que a dificuldade no acesso a consultas nos centros de saúde é “o resultado prático e visível da política seguida pelo Ministério da Saúde nos últimos anos de ignorar a enorme sobrecarga dos médicos de família”. Uma tendência que, diz o SIM, foi agora “enormemente aumentada” com a atribuição de inúmeras novas tarefas no contexto da pandemia de Covid-19. O alerta do SIM surge depois de notícias que há vários meses que, um pouco por todo o país, os utentes se queixam de não conseguirem marcar consultas ou renovar receitas porque os centros de saúde não atendem telefones e demoram na resposta aos emails.
“Repetidamente os sindicatos médicos alertaram que a atribuição de 1.900 utentes a cada médico de família é incomportável, resultando inevitavelmente em uma de duas situações: utentes sem consulta em tempo útil ou trabalho extraordinário invisível, não remunerado, por parte dos médicos de família para tentarem dar resposta a todos os pedidos de consulta”, defende o SIM, dando conta de que a “brutal sobrecarga” dos médicos de família, persistentemente acima da sua capacidade de agenda em situações normais, resultou agora na “evidente e inevitável incapacidade” de responder rapidamente a todos os pedidos, em consequência das inúmeras novas tarefas que lhes foram atribuídas no contexto da pandemia de Covid-19.
O Jornal de Notícias noticiou neste domingo, 27 de setembro, que as 2.000 centrais telefónicas, os 30 mil telefones e outros tantos telemóveis para melhorar o atendimento à distância tardam a chegar aos centros de saúde, lançando milhares de utentes no desespero. Desde o início do ano até 18 de setembro deram entrada na Entidade Reguladora da Saúde 1.237 reclamações sobre os constrangimentos no atendimento telefónico e na confirmação prévia dos agendamentos.
De acordo com o SIM, a título de exemplo, durante o mês de julho de 2020, os médicos de família portugueses fizerem quase um milhão de consultas não presenciais a mais do que em igual período do ano passado.
“Só durante esse mês os médicos de família fizeram mais de um milhão e 700 mil consultas não presenciais, tipologia esta de consulta de acordo com o estabelecido pelo Despacho n.º 5314/2020, de 7 de maio de 2020”, diz o sindicato, realçando que os médicos de família estão neste momento em “sobrecarga ainda maior do que a dos anos anteriores, muito próximos do limite da exaustão”.
Uma situação, explica o SIM, de estes profissionais estarem confrontados com a necessidade de realizarem as consultas habituais aos seus doentes, as consultas em atraso do período de confinamento e ainda as consultas a doentes de outros médicos de família que estão deslocados para áreas dedicadas à Covid-19. Segundo o SIM, foram ainda realizadas consultas a mais de um milhão de doentes sem médico de família, tendo também aqueles profissionais seguido os doentes com Covid-19, bem como os doentes suspeitos do novo coronavírus.
A sobrecarga dos médicos de família, acrescenta o sindicato, deve-se ainda ao fato de estes responderem a contactos telefónicos de doentes que não conseguem consulta presencial em tempo útil em consequência das outras tarefas, tendo também de responder a emails de doentes que passaram a optar por esta via de contacto.
“A agenda dos médicos de família não tem espaço para todas estas tarefas. A manta não estica por mais que o Ministério da Saúde faça por ignorá-lo”, conclui o SIM, considerando que “o Ministério da Saúde persiste em não assumir a sua responsabilidade nas consequências da atribuição de mais tarefas aos médicos de família, que inevitavelmente limitam o tempo dedicado às consultas presenciais”.
O SIM assegura que os médicos de família estão hoje a responder a centenas de telefonemas, emails e outros contactos não presenciais por semana, a fazer telefonemas a utentes com Covid-19 e a fazer dezenas ou centenas de telefonemas a utentes suspeitos de Covid-19, ao mesmo tempo que recuperam a atividade de consultas presenciais.
“A resposta do Ministério da Saúde é a prova máxima da incompetência: promete 30 mil telemóveis para os Centros de Saúde. Sim, é verdade que os profissionais dos Centros de Saúde têm de utilizar os seus telemóveis pessoais para contactar os seus doentes. No entanto, a sobrecarga atualmente existente manter-se-á absolutamente inalterada com mais ou menos telemóveis”, frisa o SIM, sinalizando que “é devastador para os médicos de família a incompetência e incapacidade do Ministério da Saúde de perceber e resolver os problemas que estão na origem das dificuldades de acesso dos doentes à consulta”.
Para o SIM, o Ministério da Saúde terá de atribuir menos tarefas a cada médico de família ou contratar mais médicos de família, libertando assim tempo para a realização de mais consultas presenciais.
“Desde logo, as centenas de contactos telefónicos a utentes suspeitos de Covid-19 ou utentes com Covid-19 sem critérios de gravidade deviam ser asseguradas por equipas de profissionais de saúde contratados para o efeito. Exigir este trabalho aos médicos de família ao mesmo tempo que se lhes exige as consultas presenciais habituais, não é razoável”, acrescenta o sindicato.
O SIM sugere que as áreas dedicadas à Covid-19 (ADC) devem ter um quadro de médicos próprio. “O Ministério da Saúde teve meses para fazer essa contratação. O cenário atual de deslocar médicos de família dos centros de saúde para as ADC ao mesmo tempo que se exige que os doentes desses médicos de família tenham consulta nos centros de saúde, não é razoável”, realça.
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