A segunda metade do século XX foi marcada pelo confronto entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União Soviética, com a Europa, e a jovem Comunidade Económica Europeia, debaixo do guarda-chuva da Organização do Tratado do Atlântico Norte e sob proteção dos EUA: a chamada “Pax Americana”. Esta ordem global foi construída também com a ajuda da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Depois da queda do muro de Berlim, a economia russa colapsou e os EUA passaram a ser a única grande potência global. Nos últimos 20/25 anos, com a ascensão e desenvolvimento económico da República Popular da China (juntou-se à OMC em 2001), é clara a ambição chinesa de substituir os EUA e de se tornar a maior potência global do século XXI.

De forma mais pronunciada desde a tomada de posse do presidente Donald Trump, a política internacional americana tornou-se mais isolacionista e protecionista, materializada por retiradas militares de teatros de guerra como a Síria, o Iraque ou o Afeganistão, rejeição de imigrantes, bem como através da criação de guerras comerciais com a imposição de tarifas aduaneiras, tendo até Trump ameaçado acabar de vez com a OMC.

Esta mudança não é inesperada, dado que hoje em dia os EUA já são totalmente independentes em termos energéticos, e estão perto de ser autossuficientes em termos industriais e na produção de alimentos, pelo que um crescente isolacionismo dos americanos é o caminho mais provável nos próximos anos.

No caminho oposto encontra-se a China, que nos últimos anos tem procurado aumentar a sua influência global. A China tem o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) depois dos EUA, pelo que um aumento do “soft power” diplomático chinês era esperado. O que mudou em relação ao período 1990-2010 (durante o qual os chineses estiveram maioritariamente focados em África e na América Latina) é o maior foco na Europa, e em particular na UE, onde significativos investimentos chineses têm tido lugar em várias áreas.

Para frustração de Bruxelas, os chineses evitam lidar direta e unicamente com as instituições europeias (o que diminuiria o peso chinês porque a UE em conjunto corresponde ao terceiro maior PIB mundial), mas procuram antes acordos bilaterais. Esta estratégia tem gerado desconfianças e a posição da Comissão Europeia é a de que, apesar de cada país ser livre para estabelecer os seus objetivos de investimento, existem preocupações importantes com efeitos socioeconómicos e financeiros dos investimentos chineses que têm de ser tidas em consideração.

A iniciativa China 2025 Rota da Seda” assume um papel central na estratégia chinesa. Esta pretende abrir a China ao mundo através da construção de uma rede ferroviária intercontinental, aeroportos, portos, centrais elétricas e zonas de comércio livre. Em dezembro de 2018, durante uma vista do presidente chinês a Lisboa, Portugal juntou-se a esta iniciativa ao assinar um total de 19 instrumentos legais em áreas que vão da cultura à ciência e da agroindústria ao comércio. Em particular, este acordo inclui investimentos chineses significativos no Porto de Sines. Para além de Portugal, outros 12 países que são membros da UE assinaram tratados bilaterais com a China e são igualmente parte desta iniciativa.

Procurando responder à estratégia chinesa de dividir para reinar”, em março o presidente chinês Xi Jinping foi recebido em Paris pelo presidente francês Emmanuel Macro, a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker. A mensagem aqui foi clara: a China deverá estar preparada para lidar com uma Europa unida, e o multilateralismo deverá ter uma nova oportunidade. Não obstante o simbolismo da reunião conjunta dos quatro líderes, a cimeira terminou meramente com uma declaração conjunta bilateral da França e da China, com sete páginas de referências aosdois países e sem mencionar a Alemanha ou a Comissão Europeia!

No seguimento da reunião de Paris, a 21a Cimeira UE-China teve lugar este mês sob o título Reequilibrando a parceria estratégica. Este é imediatamente revelador da intenção da UE de reafirmar a intenção de estabelecer relações económicas mais equilibradas com a China, reformar a OMC para trazer algum equilíbrio comercial necessário e demonstrar um maior empenhamento em questões globais e multilaterais.

Não obstante as ambições explícitas da UE, o mero facto de o representante chinês nesta cimeira ter sido o primeiro-ministro Li Keqiang, e não o presidente chinês, demonstra a menor importância dada pelos chineses à UE em comparação com os seus diversos Estados-membros.

Finalmente, importa ainda mencionar a Rússia de Vladimir Putin. Apesar de, em termos económicos, a Rússia ser bastante menos importante do que os EUA, a China ou a UE – se não considerarmos produtos petrolíferos o PIB russo é menor do que o PIB da Holanda – em termos geopolíticos é clara a intenção de Putin de reconstruir o “império soviético”, e certamente utilizará todos os meios à sua disposição para atingir este fim.

Olhando para o atual confronto comercial entre os EUA e a China, e com a Rússia a procurar exercer a sua influência de forma mais ou menos encoberta (como bem documentado no caso das eleições americanas de 2016), não é claro qual será o papel da UE nos próximos anos. Em particular, se a UE continuar consumida internamente pelo Brexit, ou por outras crises inesperadas, não haverá muita vontade e motivação para tomadas de posição conjuntas que serão cruciais para reformar a OMC, evitar guerras comerciais penalizadoras para a economia europeia e diminuir uma eventual influência excessiva chinesa na economia europeia.