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Cidades Inventadas, de Ferreira Gullar

Até hoje ninguém entendeu por que Adilimandro, o Conquistador, foi tão implacável com Iscúmbria, a mais bela cidade jamais construída pelo homem.
10 Novembro 2017, 11h30

A beleza costuma inspirar, além da admiração, o respeito de todos, e nenhum estadista deseja passar à posteridade como incapaz de admirar o belo e muito menos como seu inimigo. A fúria de Adilimandro contra Iscúmbria é tanto mais inexplicável quando se sabe que ele sempre foi magnânimo com os derrotados, jamais tendo usado de desnecessária violência contra as cidades que conquistara.”

O brasileiro Ferreira Gullar, pseudónimo de José Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís, no Maranhão, em 1930, e morreu há quase um ano, a 4 de Dezembro de 2016. Sobre o nome artístico que escolheu, criado a partir dos apelidos dos pais, explicou um dia que “como a vida é inventada, eu inventei o meu nome”.

Figura fundamental da poesia brasileira (foi membro do movimento vanguardista Neoconcretismo nos anos 1950), inscreve-se no Partido Comunista e a sua obra passa a assumir um carácter mais interventivo e social. Exilado durante a ditadura, viveu em Moscovo, Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires, entre 1971 e 1977. Foi precisamente na capital argentina que escreveu “Poema Sujo”, sobre o qual Vinicius de Moraes viria a afirmar ser “o mais importante poema escrito em qualquer língua nas últimas décadas”. Quando regressou ao Brasil, foi preso e torturado pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Depois de libertado, continuou a trabalhar em jornais cariocas e, mais tarde, na Folha de São Paulo. Em 2010, recebeu a mais importante distinção dada a um escritor de língua portuguesa, o Prémio Camões.

Para além de poeta, Ferreira Gullar foi crítico de arte, jornalista e ensaísta, sendo “Cidades Inventadas” um dos seus poucos textos de ficção. O livro, editado pela Ulisseia, uma chancela da Babel, é uma compilação de narrativas escritas ao longo de 40 anos que partem de um pressuposto: a invenção de um novo espaço onde algo se desenrola, sendo esse “espaço” a cidade (inventada, como refere o título) e o “algo” o estranho, o equivoco. A primeira cidade inventada, em 1955, foi Odon, eventualmente fruto das leituras de adolescência, a que se seguiu Ufu que, ao contrário da primeira, não se situa no passado, mas no futuro. Destes dois primeiros textos até ao último, sobre a cidade de Tuyutuya (inspirada na mitologia suméria e, em particular, na epopeia de Gilgamesh), imergimos numa prosa poética e apurada que, de certa forma, nos remete para “Cidades Invisíveis”, o célebre livro de Italo Calvino, a partir do relato das viagens de Marco Polo.

A sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante

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