Com cerca de três mil jornalistas credenciados, a cimeira do G20 no Rio de Janeiro (o Brasil lidera neste momento a organização) começou na passada quinta-feira com uma reunião do chamado G20 Social, que encerrou este domingo, dando agora lugar à cimeira de chefes de Estado e de governo – onde se concentra todo o interesse mediático. “A intensa mobilização da imprensa mostra a importância dos temas em debate, desde a participação da sociedade civil e movimentos sociais até às discussões sobre justiça social, económica e ambiental, que pautarão as agendas políticas dos próximos anos”, refere a organização.
Para além do facto de estarem presentes 2.353 jornalistas de 80 países, incluindo 1.529 estrangeiros e 824 brasileiros – importa relevar que a China lidera a representação internacional com 191 profissionais credenciados, com a Rússia em terceiro lugar (101, a seguir ao Japão). Fica evidente que o ‘lado de lá’ da liderança ocidental do agregado assume olhar com grande atenção a cimeira do Brasil.
Para os analistas, esta pode ser a última cimeira do resto da vida do G20. Por uma razão óbvia: na próxima cimeira, que decorrerá na África do Sul, a dúvida que assalta todos os países participantes é a de saber qual será a postura do presidente dos Estados Unidos que na altura já estará em funções, Donald Trump. A perspetiva, a um ano desse acontecimento, é a que se retira da campanha do republicano: o multilateralismo passou de moda – mesmo que, na sua ideia, possa não aconteça o mesmo com o bilateralismo – e as instituições que agregam uma multiplicação de interesses impossíveis de fazer convergir na totalidade são pura perda de tempo.
Com a COP29 ainda ‘quente’, o tema das alterações climáticas será um dos que terá prioridade durante os três dias da cimeira. Mas as questões económicas e geopolíticas serão o ‘prato forte’ do encontro no Rio de Janeiro. A última cimeira dos BRICS não está tão ‘quente’ como a COP, mas vale a pena levar em consideração que a organização dos países emergentes já chegou à maioridade. De onde resultam alguns factos curiosos: todos os cinco membros fundadores dos BRICS (China, Índia, Rússia, África do Sul e Brasil) fazem parte do G20; sendo o G20 composto por 19 países (mais a União Africana e a União Europeia), constata-se que os BRICS têm uma posição de 26% no agregado. Aqui reside, dizem os analistas, um dos problemas que tem vindo a ‘emperrar’ os trabalhos do G20 – o que fica bem demonstrado pelas dificuldades que as duas últimas cimeiras passaram para encontrar uma declaração final que pudesse ser subscrita por todos. Tal como na Índia no ano passado e na Indonésia no ano anterior, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, estará no Rio de Janeiro para implicar com o enunciado proposto pela presidência brasileira.
Quanto às questões económicas propriamente ditas, nada de novo é de esperar da cimeira do Rio de Janeiro – tal como não houve nada de novo nas anteriores. Aliás, as cimeiras da organização acontecem bem mais sob uma lógica de sistematização e encontro de caminhos comuns, que propriamente para anunciar novidades.
De qualquer modo, sendo o Brasil o país no comando – e precisando o presidente ‘da casa’, Inácio Lula da Silva, de palco internacional que lhe permita contrabalançar as dificuldades políticas internas que está a enfrentar (que ficaram bem evidentes nas eleições para as autarquias no mês passado) – a Cimeira Social teve cuidada realização.
O governo brasileiro iniciou o segundo dia do G20 Social com detalhes sobre a chamada Aliança Global contra a Fome. A iniciativa já conta a adesão de 41 países e 13 organizações internacionais. Tendo como alvo 500 milhões de pessoas em todo o mundo, para chegar ao objetivo, a aliança prevê programas de transferências de rendimentos e sistemas de proteção social. Outra meta é expandir as refeições escolares para mais de 150 milhões de crianças em nações que enfrentam fome e pobreza infantil endémica.
Segundo a imprensa brasileira, o ministro brasileiro da área, Wellington Dias, exaltou a iniciativa e disse que ela representa o resgate dos objetivos e compromissos para combater a fome no mundo com o desenvolvimento sustentável. Financeiramente, as iniciativas contarão com apoio de instituições como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – que devrá encaminhar 25 mil milhões de dólares para o efeito. O Banco Asiático de Desenvolvimento, o Banco Africano de Desenvolvimento e o Banco Mundial serão outras instituições associadas.
Entre os planos para combater o flagelo está a criação do ‘pooling virtual’, para combinar contribuições financeiras de vários fundos e fontes para reduzir os custos de transação e ajudar os governos aderentes a iniciar benefícios de proteção social em maior escala.
Neste sentido, Portugal e o Reino Unido devem atuar em colaboração com institutos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), UNICEF e Programa Mundial de Alimentos para dar auxílio e expandir o apoio financeiro e técnico aos países de baixos rendimentos. Em conjunto, bancos de desenvolvimento multilaterais, organizações internacionais, doadores e fundações vão estruturar o trabalho para proporcionar apoio mais consistente aos governos dos países necessitados
Outra proposta tem a ver com o apoio a programas para pequenos produtores e para a agricultura familiar. Este segmento é responsável por até 70% dos alimentos consumidos em países pobres. Nesse sentido, França, Alemanha, Noruega, Reino Unido e a União Europeia reafirmaram a sua disponibilidade para implementar programas de apoio à agricultura familiar e de pequenos produtores em todo o mundo.
Centenas de reuniões, seminários e encontros, organizados pela própria sociedade civil, “garantiram que o G20 Social recebesse o credenciamento de mais de 33 mil pessoas interessadas em sugerir políticas públicas para os líderes das mais potentes do planeta”, informa secretaria-geral da presidência brasileira. Os temas passaram por preocupações comuns às populações dos países do G20 “e muitas soluções foram apresentadas nas atividades autogeridas”.
Segundo a mesma fonte, com o objetivo de garantir políticas públicas e o desenvolvimento dos coletores de materiais recicláveis, o Movimento Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (MNCR) organizou o debate: ‘G20 Social: o Protagonismo dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis na Liderança da Economia Circular e Agenda ESG’.
Durante a atividade, foi debatida a importância da categoria na liderança da economia circular e nas práticas de ESG (Environmental, Social, and Governance). Os coletores, que historicamente atuam com práticas sustentáveis, veem agora o seu papel a ganhar destaque nas agendas globais. Para Carlos Cavalcante, da articulação nacional do movimento, a participação num evento como o G20 é essencial para dar visibilidade e valorizar a categoria.
“Favela não é carência, favela é potência”. Foi assim que Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas – CUFA, abriu a mesa de debate proposta por aquela organização e pela UNESCO, que teve como tema a importância das favelas no centro do debate global. O presidente da CUFA mostrou como as favelas podem ter um papel importante no desenvolvimento do país.
O ministro Márcio Macêdo, da secretaria-geral, fez questão de enfatizar a determinação do presidente Lula da Silva em dar aos moradores das favelas o lugar de protagonistas neste G20 Social”. Para o ministro, o governo federal garantiu aos moradores de favelas que as suas reivindicações foram ouvidas no G20 Social, assim como nas instâncias do governo brasileiro.
Ao todo, a CUFA organizou conferências em 48 países, onde foram levadas a cabo discussões com foco nas mulheres, nas culturas e no desenvolvimento económico. A UNESCO e a CUFA, com a participação da London School of Economics (LSE), promoveram debates que reuniram lideranças e especialistas para discutirem o papel dos moradores das favelas como catalisadores de transformação social e do desenvolvimento sustentável no Brasil e no mundo.
O fundador da CUFA, Celso Athayde, disse, citado pelo comunicado da secretaria-geral, que trazer as questões das favelas para o G20 é um marco histórico. “Hoje é um dia que jamais será esquecido. Como sempre digo: se os problemas são globais, as soluções também devem ser”, afirmou.
Com a proposta de apresentar o Relatório de Investimento Público e Políticas Públicas da Juventude Negra, o Em Movimento organizou uma mesa de debates no G20 Social. Um dos objetivos desta pesquisa foi destacar a perspetiva antirracista, interseccional e intersetorial para os orçamentos públicos no Brasil, em prol do desenvolvimento das juventudes negras.
Muitas outras atividades autogeridas foram realizadas no Boulevard Olímpico e o resultado das discussões vão compor um caderno de anexos que será entregue aos chefes de estado e do governo do G20 com o documento síntese da Cimeira do G20 Social. Talvez nem tudo vá parar ao sítio do costume: o caixote do lixo.
Relevância merece também o facto de, há poucos dias, um homem alegadamente desequilibrado tem provocado explosões em Brasília – que aliás morreu na altura. Nada indica que possa ser considerado um ato terrorista – as autoridades asseguram que não – mas a imprensa brasileira dá conta de que de que algumas delegações – nomeadamente a chinesa e a norte-americana, com Xi Jinping e Joe Biden presentes – impuseram um enorme reforço da segurança. Segundo as mesmas fontes, a delegação chinesa, que alugou 400 quartos num hotel no Rio de Janeiro, quis mesmo que as autoridades assegurassem que uma praia contígua à unidade hoteleira estivesse interdita à população.
Não será certamente o caso da delegação portuguesa, que será chefiada pelo próprio primeiro-ministro, Luís Montenegro. De acordo com o programa divulgado, Montenegro chegava ao Rio de Janeiro esta manhã, dado que Portugal participa como país convidado do Brasil. Na sua presidência Lula da Silva convidou 19 países, incluindo Portugal, Angola, Moçambique e Espanha, e organizações como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Acompanhado do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, o primeiro-ministro participará no lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, a que Portugal se associou como membro fundador. Uma das sessões de trabalho da cimeira será dedicada ao tema ‘Inclusão Social e Luta Contra a Fome e a Pobreza’, na qual intervirão os países aderentes, incluindo o primeiro-ministro português. Durante a tarde, Montenegro participará na segunda sessão de trabalho da cimeira, centrada na reforma das instituições de governação global, e, segundo a Lusa, tem previstos encontros bilaterais, antes da receção oferecida aos chefes de Estado e de Governo presentes por Lula da Silva.
Esta terça-feira, o primeiro-ministro participará na terceira e última sessão de trabalho da reunião de chefes de Estado e de Governo, sobre desenvolvimento sustentável e transição energética, antes apresentação das conclusões da cimeira e da passagem da presidência brasileira do G20 à África do Sul.
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