O setor bancário europeu continua a debater-se com a baixa rentabilidade, e os bancos nacionais não são exceção. Um indicador cuja melhoria depende do ritmo de recuperação económica, mas também de um outro fator: a qualidade dos ativos da banca. Embora não haja sinais de um crescimento do crédito malparado, a CMVM alerta que isso pode refletir o “atraso no reconhecimento de perdas” e os efeitos das medidas governamentais adotadas durante a pandemia. Apoios que vão sendo retirados, o que poderá ter impacto nas famílias e empresas.
A rentabilidade dos capitais próprios (ROE, na sigla em inglês) dos bancos europeus baixou para 1,3% em 2020, quando era de 5,3% um ano antes. Já as projeções dos analistas para este indicador rondam os 3% e os 5,1% em 2021 e 2022, respetivamente.
“No agregado, a robustez e a rapidez da retoma económica vão determinar a recuperação da performance do setor financeiro nos próximos anos”, refere a CMVM no “Risk Outlook” para 2022, publicado esta sexta-feira. Em Portugal, o ROE caiu para os 0,5% em 2020, tendo subido para 5,4% entre janeiro e setembro de 2021, segundo dados da Associação Portuguesa de Bancos.
Contudo, “ao nível micro, a rentabilidade de cada banco estará dependente da qualidade dos ativos detidos (e do grau de exposição aos setores mais afetados pela pandemia e aos que se encontravam já em situação de maior vulnerabilidade antes da pandemia)”, refere o regulador.
A rentabilidade de cada banco estará dependente da qualidade dos ativos detidos (e do grau de exposição aos setores mais afetados pela pandemia e aos que se encontravam já em situação de maior vulnerabilidade antes da pandemia).
O rácio de crédito malparado (NPL, na sigla em inglês) representava 2,5% do total dos empréstimos no final do primeiro trimestre de 2021. “Muito embora traduza uma evolução positiva face a anos anteriores, aquele indicador pode refletir o atraso no reconhecimento de perdas e os efeitos de moratórias e garantias públicas”, alerta a CMVM, notando que “nos últimos trimestres verificou-se um aumento do rácio de empréstimos renegociados devido a razões económicas e legais associadas à situação económica dos devedores”.
Para o regulador liderado por Gabriel Bernardino, “as moratórias representam um risco relevante para a qualidade dos ativos bancários”. Dados do Banco de Portugal mostram que a banca nacional tinha 1,2 mil milhões de euros em empréstimos abrangidos por esta medida no final de novembro – o regime terminou no final do ano. Já o pico foi atingido em setembro de 2020, quando o montante superou os 48 mil milhões de euros.
Fim das medidas pode trazer dificuldades para famílias e empresas
Medidas como as moratórias e as linhas covid-19 foram criadas para apoiar as famílias e empresas mais afetadas pelos efeitos da crise pandémica, servindo como balão de oxigénio também para a banca. Mas ainda há perigos à vista.
“A queda abrupta da atividade económica afetou moderadamente a situação creditícia das famílias portuguesas”, diz a CMVM. “Sem prejuízo disso”, acrescenta, “existem riscos que podem emergir no futuro próximo”.
Em primeiro lugar, a retirada destas mesmas medidas de apoio. “O fim de moratórias pode deteriorar a situação financeira das famílias”, detalha. “Setores de atividade afetados pela pandemia podem enfrentar risco de insolvência quando os apoios forem retirados, com consequências sobre o nível de desemprego de algumas camadas da população ligadas a esses setores”.
Por outro lado, “a concretizar-se o início da normalização da política monetária no próximo biénio, tal irá traduzir-se num aumento dos indexantes de taxa de juro. Em virtude da forte preferência das famílias portuguesas por empréstimos a taxa de juro variável (ao contrário dos demais países da zona Euro), poderá assistir-se a um aumento do esforço para servir a dívida e do risco de crédito”.
O risco de insolvência das empresas não financeiras poderá agravar-se com o phasing out de medidas de apoio governamentais.
Do lado das empresas, o risco de insolvência “poderá agravar-se” com a retirada das medidas de apoio governamentais. Este risco, diz, “é mais pertinente para as empresas do setor dos serviços e as PME [pequenas e médias empresas], que podem enfrentar um aperto das condições de refinanciamento da dívida ou uma retoma mais lenta da atividade”.
A CMVM alerta que, “à medida que a economia recupera e que os apoios vão sendo retirados, o número de insolvências poderá aumentar”. A percentagem de dívida abrangida por moratórias situava-se em 28,5% do total no final de agosto de 2021, mas no setor do alojamento e restauração aproximava-se dos 55%. “Sem prejuízo disso, é de assinalar o aumento da maturidade do crédito bancário a empresas não financeiras durante o período pandémico, o que poderá diminuir o risco de refinanciamento no curto-prazo para o segmento empresarial”, remata.
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