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CMVM aperfeiçoa requisitos de avaliação da idoneidade dos supervisionados e auditores

CMVM avança com a uniformização dos requisitos quer da idoneidade, que mede situações como a capacidade de promover a gestão sã e prudente, mas também avalia a reputação, credibilidade e confiabilidade, e a integridade e honestidade, entre outras. Destaque também para o principio da proporcionalidade.
9 Setembro 2020, 14h30

A CMVM publicou esta quarta-feira as “Orientações sobre a avaliação da adequação para o exercício de funções reguladas e de titulares de participações qualificadas”, que no fundo são guidelines que complementam a legislação da avaliação da idoneidade dos gestores e dos detentores de participações qualificadas em entidades do setor financeiro que não estão sob alçada do Banco de Portugal e da ASF, e nas auditoras.

Em resumo estas orientações aperfeiçoam e estabilizam o quadro de requisitos de adequação, idoneidade e experiência dos titulares de cargos de administração e de fiscalização das entidades sob supervisão prudencial da CMVM e dos auditores, e complementam a atual legislação. Quer o Código de Valores Mobiliários, quer o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, quer o Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria.

São orientações que se aplicam mais à avaliação da idoneidade e à avaliação da experiência e menos à avaliação da independência e disponibilidade, mas que também ajudam a criar um quadro coerente e uniforme de requisitos dos detentores de participações qualificadas em entidades que estão sob supervisão da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

Aqui, a CMVM tem também de avaliar a solidez financeira, “entendida genericamente como a capacidade do titular de participação qualificada para financiar a proposta de aquisição e de manter, num futuro próximo, uma estrutura financeira sólida em relação a si e à entidade participada”. Mas também a transparência completa quanto às fontes de financiamento da aquisição, aumento ou manutenção da participação qualificada. Para além das que a lei já prevê em matéria, por exemplo, de branqueamento de capitais.

 

Entidades excluídas do âmbito subjetivo destas orientações

Há no entanto entidades que escapam ao escrutínio da CMVM espelhado nestas orientações, pelo menos por enquanto. São essencialmente as “estruturas de mercado”. Isto é, sociedades gestoras de mercado regulamentado; sociedades gestoras de sistemas de negociação multilateral ou organizado; sociedades gestoras de câmara de compensação; sociedades gestoras de sistema de publicação autorizados, sistema de prestação de informação consolidada e de sistema de reporte autorizado; sociedades gestoras de sistema de liquidação; sociedades gestoras de sistema centralizado de valores mobiliários; contrapartes centrais; sociedades de consultoria para investimento; peritos avaliadores de imóveis; e sociedades comercializadoras de bens corpóreos.

Na revisão do Código de Valores Mobiliários, em curso, está previsto um reforço de competências para estas sociedades de consultoria para investimento, e sociedades que operam estruturas de mercado, mas não se espera que estas orientações abranjam todas as entidades que estão sob supervisão da CMVM antes de 2021.

Destaque para a uniformização dos requisitos quer da idoneidade, que mede stiuações como a capacidade de promover a gestão sã e prudente, mas também avalia a reputação, credibilidade e confiabilidade, e a integridade e honestidade, entre outras. Mas destaque também para o principio da proporcionalidade, isto porque “one size doesn’t fit all”. Isto é, a CMVM procura com estas orientações adequar as exigências à dimensão e especificidades de cada instituição que está sob a sua supervisão prudencial, ou sob cada auditora.

As orientações, que são aplicáveis a partir de 9 de setembro de 2020, e cuja elaboração contou com a reflexão do próprio mercado através da consulta pública realizada entre março e abril de 2020, “desenvolvem, harmonizam e clarificam critérios e procedimentos de avaliação de adequação, em linha com as melhores práticas internacionais”, diz a CMVM, ao mesmo tempo que “garantem também maior transparência às regras e princípios gerais”. Isto “sem prejuízo da aplicação das exigências materiais ou de instrução do procedimento proporcionais à avaliação do caso concreto”.

Segundo o comunicado da entidade de supervisão dos mercados, as linhas orientadoras comuns “objetivam as dimensões, critérios e elementos relevantes na apreciação da adequação, incluindo a idoneidade, daqueles responsáveis, conferem maior transparência à atuação da CMVM, reforçam a previsibilidade e a segurança jurídica das decisões nesta matéria para a comissão, para os supervisionados e para o mercado em geral, e permitem um escrutínio proporcional e harmonizado entre as diferentes tipologias de entidades em relação às quais a CMVM tem competência de avaliação da adequação”.

As competências da CMVM em matéria de avaliação de adequação envolvem, quase sempre, “a avaliação da idoneidade, experiência e, para certas entidades, também da independência e disponibilidade para o exercício de um cargo ou de uma função em entidades sob a sua supervisão”, refere a entidade de supervisão.

“Estas competências têm vindo a ampliar-se de modo significativo nos últimos anos, nomeadamente com a atribuição de competências de supervisão prudencial sobre peritos avaliadores de imóveis (2015), auditores (2016), entidades gestoras de plataformas de financiamento colaborativo (2018) e entidades gestoras de organismos de investimento coletivo e de fundos de titularização de créditos (2020), que acresceram às competências que a CMVM já anteriormente detinha nesse domínio sobre outras entidades supervisionadas”, acrescenta a instituição.

“Para a CMVM, a qualidade da regulação e da supervisão financeira, enquanto fator de proteção do investidor e de desenvolvimento do mercado, exige o preenchimento de requisitos de elevada competência profissional e irrepreensível ética dos gestores, responsáveis pela fiscalização das entidades e auditores, sendo este aspeto tanto mais relevante quanto maior a importância sistémica da entidade em causa, atentos os impactos macrofinanceiros, diretos e indiretos, no sistema financeiro e no tecido económico em geral”, adianta a entidade liderada por Gabriela Figueiredo Dias.

A avaliação da adequação para o exercício de funções reguladas ou para a detenção de participações qualificadas em entidades reguladas, “revelada pelo preenchimento de requisitos de idoneidade, experiência, disponibilidade e independência, consoante o quadro regulatório específico”, assume “uma importância decisiva para o reforço da confiança dos investidores e dos agentes do mercado no sistema financeiro e dá um contributo relevante para o desenvolvimento do mercado de capitais.”, defende a CMVM.

Esta iniciativa “insere-se nas prioridades da CMVM para 2020, entre as quais consta o robustecimento da supervisão do governo das entidades supervisionadas, em particular, o reforço da avaliação da adequação dos membros de órgãos sociais e titulares de participações qualificadas de intermediários financeiros, sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo e demais entidades sujeitas à supervisão prudencial da CMVM, bem como de auditores e peritos avaliadores de imóveis”.

 

O que é exigido para ter idoneidade?

No que toca aos requisitos de adequação, este documento define a idoneidade como “a aptidão do avaliado para o exercício de determinada função regulada, revelada pela sua personalidade, características comportamentais, modo de atuação e situação pessoal, profissional e financeira, à luz, designadamente, de parâmetros essenciais”. Nomeadamente a “reputação, credibilidade e confiabilidade, entendidas como a avaliação social que é feita do avaliado dentro e fora do sistema financeiro, designadamente como pessoa fidedigna”; ” a “integridade e honestidade, entendidas como a conduta pautada pela retidão, ética, honradez e correção moral, apresentando coerência entre as palavras e as ações e uma atuação conforme com os valores e convicções próprios declarados e com os princípios éticos vigentes no respetivo setor de atividade e relevantes para o exercício das funções em causa”; a “liberdade de pensamento, enquanto padrão de conduta evidenciado pela capacidade de questionar e contestar propostas ou decisões que suscitem dúvidas ou objeções, de resistir ao «pensamento de grupo» e de exercer os seus deveres de forma imparcial, livre e objetiva”; a “diligência, prudência e profissionalismo, entendidas como a conduta zelosa e competente, demonstrativa de aptidão para desempenhar adequadamente a função e potenciadora de consensos”;  o ” cumprimento pontual (de forma atempada e integral) de deveres e obrigações”; a “capacidade de promover a gestão sã e prudente do seu património e do património de entidades por si detidas e/ou geridas”; e a “prossecução e salvaguarda dos legítimos interesses de investidores, clientes e demais credores, bem como da entidade supervisionada, assegurando-se de que os mesmos não correm riscos desnecessários e de que recebem informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. Atribuição de prevalência aos interesses dos investidores, clientes e demais credores face aos próprios e/ou de entidades relacionadas e garantia de que todos são tratados equitativamente”.

No que se refere à adaptabilidade dos requisitos em função da dimensão do supervisionado, e que é uma decisão que vem sendo reclamada por muitas entidades que estão sob supervisão da CMVM, dado que as sociedades mais pequenas têm muita dificuldade em cumprir requisitos regulatórios muito pesados para a sua dimensão, a entidade reguladora decidiu introduzir essa proporcionalidade nas orientações agora publicadas.

As orientações da CMVM definem que na avaliação da adequação e de cada um dos seus requisitos, e consoante a avaliação de determinado requisito de adequação, este “possa ou não ter em consideração o tipo de avaliado e a natureza, escala, complexidade e riscos da função regulada, à luz do princípio da proporcionalidade”.

Assim, “salvo disposição em contrário, a avaliação da experiência é gradativa e pode ser limitada”. É gradativa porque o nível de experiência exigido “deve ser proporcional às responsabilidades assumidas pelo avaliado e à natureza, escala, complexidade e riscos quer da função regulada a desempenhar pelo avaliado quer da entidade supervisionada”, defende a CMVM. Mas pode também ser limitada porque, em função do princípio da proporcionalidade, “poderá admitir-se um eventual juízo de adequação condicionado ou com a emissão de recomendações (por exemplo a frequência de curso ou formação especializada, que permita colmatar eventuais lacunas não essenciais de experiência e, portanto, mitigar os riscos subjacentes)”.

A CMVM procura implementar que o nível de experiência exigido seja em função do patamar de exigência da função que está sob avaliação, mas também em função da dimensão da sociedade.

“O princípio da proporcionalidade visa designadamente assegurar que, nas avaliações de adequação gradativas, a verificação da observância dos requisitos de adequação em causa tem em consideração a natureza, a escala, a complexidade e os riscos da função regulada a desempenhar, bem como das entidades supervisionadas e participadas”, lê-se no documento.

A experiência é entendida em sentido lato, abrangendo quer a experiência em sentido restrito (isto é o percurso profissional) quer requisitos de qualificação, conhecimento, competência e equivalentes, tal como previstos no quadro regulatório específico. Ou seja, releva quer a experiência profissional e prática adquirida através do exercício anterior de cargos ou funções, quer a experiência teórica obtida ao longo do percurso académico e formativo do avaliado.

 

Passagem de uma auditora para outra obriga a reavaliação da idoneidade

Por outro lado a CMVM quer a que a avaliação da idoneidade e experiência seja um processo contínuo e admite também no caso de uma auditora, por exemplo, que a passagem de uma sociedade para outra obrigue a uma nova avaliação e a um novo registo do auditor. Mas também procura que a avaliação dos padrões éticos não esteja apenas na autoridade de supervisão, e defende que deve ser feita uma avaliação contínua pela entidade supervisionada e eventuais promotores ou requerentes da avaliação.

Nas suas orientações a CMVM defende o princípio da autonomia, que “visa assegurar que é sempre efetuada uma avaliação casuística e atual, independentemente de outras decisões sobre o avaliado e, em particular, de avaliações anteriores de adequação”.

A supervisão da CMVM sobre a idoneidade dos auditores teve já um caso mediático. Três sócios da auditora KPMG abandonaram a profissão e cancelaram a licença da CMVM para exercer essa atividade. Os três foram condenados em abril de 2019 pelo Banco de Portugal e a CMVM explicou na altura  que esta retirada do registo surgiu “no contexto de uma ação da CMVM, no âmbito dos seus poderes de supervisão de auditores, relativa à idoneidade” dos ex-auditores do BES.

Está em curso um projeto de alteração do Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria, que está muito próximo da fase final de debate e de aprovação, que vai ainda reforçar mais as competências da CMVM nesta matéria.

Destaque ainda para o facto de a CMVM assegurar que os juízos negativos de adequação “assentam na ponderação dos riscos e interesses em presença, na enunciação transparente e objetiva dos factos e/ou indícios desfavoráveis e na demonstração de que tais factos e/ou indícios são suficientes para concluir pela não adequação à luz das finalidades da avaliação da adequação”.

Sempre que no decurso do procedimento de avaliação, de acordo com os elementos disponíveis, a CMVM conclua que, com elevado grau de probabilidade, irá formular um juízo negativo de adequação, deve comunicar ao avaliado e aos interessados na avaliação o seu juízo provisório, indicando as razões que o fundamentam, à semelhança do que já acontece por exemplo no Banco de Portugal. A CMVM concede então um prazo para os visados “se pronunciarem, desistirem do procedimento, apresentarem elementos instrutórios adicionais ou efetuarem as alterações pertinentes”.

A CMVM pode realizar as averiguações e diligências adicionais, tais como ser promovida a realização de entrevistas aos avaliados e a audição de outras pessoas.

O regulador dos mercados, à semelhança de outros reguladores do setor financeiro, aplica nesta sua atividade de supervisão prudencial o princípio da precaução que “visa assegurar que é efetuado um juízo de prognose quanto à cobertura ou minimização dos riscos potenciais ou efetivos decorrentes da não adequação do avaliado. Em caso de dúvida fundada quanto à adequação, é emitido um juízo negativo.

 

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