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CMVM diz que há uma correlação positiva entre habilitações académicas e propensão para investir

O administrador da CMVM disse também que cabe ao supervisor dos mercados “continuar a criar condições para reverter, gradualmente, o sinal de desconfiança nos mercados financeiros que permanece como uma das razões para a falta de investimento no mercado de capitais”.
25 Maio 2021, 19h29

Rui Pinto, administrador da CMVM, encerrou esta terça-feira a conferência subordinada ao tema “Literacia sobre mercados de capitais em Portugal: diagnósticos e desafios”, e que fechou as comemorações dos 30 anos da CMVM. Um evento online que contou com participação do Presidente da República Portuguesa Marcelo Rebelo de Sousa, e da Comissária Europeia para a Coesão e Reformas, Elisa Ferreira.

“O sucesso das iniciativas de literacia está intrinsecamente ligado às especificidades da realidade nacional e o desenvolvimento económico, social e cultural da população portuguesa é um requisito essencial para fazer chegar a literacia financeira a um número crescente de cidadãos”, defendeu o responsável.

A título de exemplo revelou que os resultados do inquérito “tornaram clara a existência de uma correlação positiva entre as habilitações académicas e a propensão para investir (aqui refiro-me à vontade, conhecimento e confiança para a aplicação de poupança em instrumentos financeiros)”.

Tentando replicar as características da população portuguesa, entre a população entrevistada apenas 14% das pessoas detinham ensino superior enquanto cerca de 70% tinham escolaridade até ao 9º ano ou não detinham quaisquer habilitações académicas, revelou. “Sendo claro que a tendência para a melhoria das habilitações académicas observada nos últimos anos é, sem dúvida, positiva, percebe-se que há muito ainda por caminhar”, acrescentou Rui Pinto.

Do mesmo modo, é demonstrável no estudo que quanto maior o rendimento auferido, maior a probabilidade de o inquirido ser atualmente um investidor ou demonstrar ter sido um investidor no passado. No entanto, apenas 12% dos inquiridos revelaram auferir mais de 2.500 Euros mensais e cerca de 1/3 revelaram ter rendimentos inferiores a 1.000 euros mensais.

“Demonstra-se, assim, que o desafio de fomentar a literacia financeira e a participação nos mercados de capitais é, ao mesmo tempo, um desafio de desenvolvimento, entre outros fatores, das habilitações académicas da população e de aumento do rendimento disponível das famílias”, disse.

“O desafio de desenvolvimento da literacia financeira entre a população é, também e talvez tão importante, um desafio de mudança de hábitos e comportamentos. Independentemente dos níveis de rendimento, o inquérito evidencia que não estão inscritos na matriz de comportamentos os hábitos da poupança e do planeamento do orçamento familiar, pelo que é necessário continuar a trabalhar sobre os hábitos e comportamentos das famílias portuguesas, algo a que o PNFF tem dedicado particular atenção”, acrescentou o administrador que foi responsável por este estudo.

“Importa desenvolver condições e estímulos que permitam gerar ‘um ciclo virtuoso’ do aforro, potenciando também, desta forma, uma maior resiliência financeira que permita às famílias uma capacidade de acomodar choques de rendimento não antecipados, típicos de crises económicas”, disse.

O administrador da CMVM disse também que cabe ao supervisor dos mercados “continuar a criar condições para reverter, gradualmente, o sinal de desconfiança nos mercados financeiros que permanece como uma das razões para a falta de investimento no mercado de capitais”.

“Como parte deste esforço, é importante abordar e disseminar conceitos fundamentais nem sempre apreendidos, o que pode ajudar a explicar que a aversão ao risco seja a segunda razão para não investir. Refiro como exemplos o que significa um produto ter garantia de capital, o efeito da taxa de juro ou da inflação no valor de um investimento ou mesmo o impacto da diversificação na mitigação do risco do investimento”, defende.

No contexto atual de aceleração digital emergem também como áreas prioritárias da literacia “os novos riscos associados à crescente digitalização dos serviços financeiros e os enviesamentos comportamentais, muitas vezes presentes entre aqueles que são, por exemplo, intensos utilizadores de redes sociais. Entre as faixas mais novas da população, a informação recolhida online sustenta muitas das decisões de investimento em detrimento de informação financeira de ‘cariz oficial’, o que pode potenciar investimentos baseados em informação não fidedigna e desencadear ‘comportamentos de grupo’ que podem colocar em causa a integridade dos mercados”.

“A formação financeira é um complemento fundamental às medidas de proteção dos investidores e à regulação financeira”, lembrou o responsável.

“Tal como a supervisão prudencial é estruturada sobre um sistema de linhas de defesa que garantem a solidez das instituições e mercados – desde a robustez dos mecanismos adotados no negócio até às funções de controlo interno, aos auditores externos e até aos supervisores – também a proteção dos investidores deve entender a literacia financeira como a primeira linha de defesa do investidor” pois “é ela que providencia o código de leitura de toda a informação disponível e constitui o guia nas opções a tomar, conduzindo a escolhas de investimento responsáveis e informadas, com maior autonomia e mais adequadas ao perfil de risco e às necessidades de cada um”, defendeu.

“Numa perspetiva coletiva, podemos igualmente afirmar que uma sociedade financeiramente letrada contribui para a monitorização dos mercados e para a sua integridade, um fator essencial para a estabilidade do sistema financeiro”, disse Rui Pinto.

O projeto foi desenvolvido para a CMVM, com o suporte da Direção-Geral do Apoio às Reformas Estruturais da Comissão Europeia.

A análise conduzida identifica oportunidades de melhoria, defendeu. “Por exemplo quanto a uma melhor e mais ampla divulgação das iniciativas, à preparação de materiais ajustados aos vários públicos-alvo (por exemplo maior enfoque na população mais jovem e na população feminina), o desenvolvimento de conteúdos multimédia e de ferramentas interativas mais sofisticadas, o desenvolvimento de um portal do investidor e de educação financeira, um maior recurso às redes sociais e o desenvolvimento de campanhas de sensibilização nos media”.

“Todo o trabalho que viermos a fazer nesta frente complementará e construirá sobre a participação empenhada da CMVM no Plano Nacional de Formação Financeira (PNFF), desenvolvido no âmbito do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF), juntamente com a ASF e o Banco de Portugal”, acrescentou.

O administrador da CMVM destacou as iniciativas do PNFF em coordenação com o Ministério da Educação, junto de crianças e jovens em idade escolar, “como um dos meios mais eficientes e estruturantes para dotar as gerações futuras de conhecimentos, comportamentos e atitudes racionais face a questões de natureza económica e financeira”.

“Acresce ainda a importância dos trabalhos em curso com organizações como a Agência para a Competitividade e Inovação (IAPMEI) e o Turismo de Portugal, com o Instituto do Emprego e Formação Profissional,  o Ministério do Trabalho, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e tantas outras que nos permitem chegar a públicos mais vastos, promovendo a informação e os conhecimentos sobre o financiamento e aplicação da poupança com recurso a instrumentos do mercado de capitais”, referiu.

“Na CMVM temos estado a trabalhar no sentido de ter uma comunicação com os investidores que seja cada vez mais próxima e com impacto”, disse Rui Pinto que revelou um aperfeiçoamento do sistema de reclamações e de denúncias que nos são dirigidas, direcionando a investigação para um objetivo da deteção precoce de situações irregulares e a prevenção da materialização de riscos.

“Estamos apostados no desenvolvimento contínuo de recursos e ferramentas para o público e temos multiplicado a publicação de alertas para os investidores, sensibilizando-os para a importância da adoção de atitudes como por exemplo a verificação da legitimidade das entidades que os contactam para propostas de investimento”, disse ainda.

A CMVM garante que está a aperfeiçoar os simuladores de modo a que os investidores possam testar as suas opções de investimento com base em informação completa e fidedigna. “Para além do trabalho no CNSF, reforçámos os materiais de comunicação com investidores, nomeadamente com brochuras, vídeos e documentos explicativos, bem como a nossa presença nas redes sociais”, disse ainda.

“Sendo certo que esta ambição tem um custo, requerendo muito provavelmente financiamento específico caso avancemos com algumas das propostas que resultam do trabalho conduzido no âmbito deste projeto, ela exigirá também o envolvimento de muitos parceiros, cujo contributo será fundamental no caminho a percorrer para fazer chegar a literacia do mercado de capitais a mais portugueses”, refere.

 

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