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“Com satélites, a Marinha será eficiente a monitorizar Atlântico”

A monitorização da atividade oceânica no Atlântico será facilitada à Marinha portuguesa com a informação que os satélites de muito alta resolução conseguem varrer numa das maiores áreas da UE, refere o presidente da Agência Espacial Portuguesa, Ricardo Conde.
19 Junho 2021, 16h00

O cadastro rural português, a monitorização da zona oceânica do Atlântico pertencente a Portugal, a informação de prevenção e apoio no combate a fogos e um melhor fluxo de dados meteorológicos com grande rigor sobre os ventos, a ondulação costeira e as chuvas prometem transformar a atividade da Agência Espacial Portuguesa num dinamizador da atividade económica, criador de negócios sustentáveis, refere, em entrevista, o seu presidente, Ricardo Conde.

 

Já é possível quantificar no cadastro rural a área de hectares de terras pertencentes ao Estado e às autarquias, bem como a área global de baldios, sabendo exatamente qual a percentagem do território continental que está por limpar?
Esse é o objetivo. Neste momento a Agência Espacial Portuguesa está a trabalhar em parceria com a eBUPI, que é a Estrutura de Missão para a Expansão do Cadastro Simplificado rural, que tem feito um trabalho sensacional, ou seja, estes anos todos de perspetiva de cadastro começam a ser materializados em dois anos. Estamos a trabalhar de muito perto com a eBUPI, cujo responsável é Pedro Tavares, e com a AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, cujo responsável é Tiago Oliveira, e ainda com a Direção-Geral do Território, com Mário Caetano. Estas quatro entidades têm feito um trabalho muito importante em dois anos e estão a organizar-se no sentido de criar as condições para que essas respostas sejam possíveis a muito curto prazo, porque está a ser feito – e as ferramentas tecnológicas já o permitem fazer de uma forma muito mais célere, muito mais precisa, e com uma particularidade: muito mais dinâmica. Ou seja, se houver um fogo, nós não vamos esperar dois ou três anos para fazer um voo de reconhecimento de fotografia aérea. Por satélite, este trabalho é imediato. A capacidade tecnológica hoje é diferente da que existia há uns anos, mas também a concertação destas várias entidades no sentido de responderem a essa pergunta. Portanto, a resposta muito concreta e pragmática é sim. Como é evidente, serão sempre necessárias validações no terreno, mas a resposta é sim.

 

E a segurança para o cidadão, para o proprietário, como é garantida? Como se sabe se os satélites não estão a observar a vida de cada família em qualquer parte do território, podendo utilizar a informação sobre a sua localização para fins indeterminados e eventualmente ilícitos?
Existe o risco de uma devassa da privacidade e da segurança individual?
É verdade e isso é um problema da privacidade. A questão tem dois níveis. O primeiro coloca-se ao nível da segurança nacional. Há classificação de algumas infraestruturas. Quem for ao Google Maps não encontra isso. Uma infraestrutura classificada não vai aparecer. Porque há mecanismos de controlo. A Google e outras empresas têm serviços de segurança e têm validações nacionais. Como é evidente, os satélites de alta resoluções são como outras atividades: são regulamentadas e há mecanismos para fazer com que determinados operadores privados não o possam fazer. Se o Google faz uma imagem de alta resolução de um determinado sítio e só faz passado um ano ou dois anos, porque tem de haver regulamentação do território, isso é utilizado para navegação e os nossos serviços de Finanças também já utilizam porque é mais barato – já deixaram os drones –, que é mais outra perspetiva de negócio. Diria que pertence à Autoridade Nacional de Proteção de Dados equacionar esta questão.

 

Como se processa a contribuição nacional para a ESA?
A nossa contribuição para a ESA será sempre a mesma. É verdade que em 2019 aumentámos a contribuição para a ESA. A questão é que nós temos de diversificar as nossas contribuições para o sector espacial. A ESA é um dos. Quais são as fontes para a articulação de fundos: uma é a ESA, outra é a contribuição nacional para as organizações em que participamos, nomeadamente, o ESO, que é o Observatório Europeu do Sul, o SKA – Square Kilometer Array, que é um radiotelescópio internacional, mas depois, em si, os programas nacionais deverão utilizar os fundos estruturais, centralizados, e também o PRR. O nosso objetivo é fazer com que até ao final da década o nosso ecossistema, que hoje vale sensivelmente 50 milhões de euros, passará a valer 500 milhões de euros – o tal fator de multiplicação por dez –, mas em que uma parte é privada, numa ótica de 1/3 de contribuições por cada uma de três partes, cabendo 1/3 às contribuições top-down de Portugal para as organizações internacionais, 1/3 de fundos estruturais e depois a co-produção, por isto vai ser negócio e as próprias empresas têm de se posicionar como um investimento próprio. Aí serão os tais 33% distribuídos por cada uma das três partes referidas.

 

A vigilância Atlântica será um trabalho ciclópico?
Diria que si, mas há uma grande vantagem. Se a Marinha e as autoridades que têm como função fiscalizar a nossa zona marítima, utilizassem a capacidade de satélite, a eficiência multiplicava-se talvez por 100. Somos talvez o segundo maior país da Europa com a nossa zona Atlântica. Não sei quantos navios tínhamos de colocar no patrulhamento marítimo, tínhamos de “inundar” o Atlântico com capacidade aérea e naval para monitorizarmos esta área. Não é possível fazer isso. Ganhamos eficiência com pouco investimento a nível da monitorização por satélite, conseguimos varrer praticamente todo o Atlântico. Agora temos as condições necessárias numa perspetivação de uma constelação no Atlântico que torna isso possível. A participação dos stakeholders será extremamente importante. Em conversas com o ministro da Defesa, admiti que provavelmente com uma capacidade marginal mínima na defesa, multiplica por 10, 50 ou 100 a capacidade de monitorização de Portugal e é esse o caminho das Forças Armadas para aumentar a sua eficiência porque de outra forma não é possível ter recursos aéreos e navais para cobrir toda esta zona Atlântica. A solução está não só na capacidade de satélite mas na capacidade de HPA – High Altitude Platform Station’s, os chamados balões estratosféricos. Este é o nosso grande desígnio. Isto é muito importante também por causa das interações entre o clima e os oceanos, pela atividade desequilibrada do homem com o ambiente. Cada vez mais precisamos de ter dados de satélite para nós constituirmos modelos preditivos, porque há uma variável que ainda entra pouco nas nossas discussões – nos modelos de crescimento económico pomos as variáveis do crescimento, da eficiência e da produtividade, mas não pomos nenhuma variável do clima e essa vai ser a grande variável para o crescimento económico na próxima década.

 

As temperaturas, os ventos, as chuvas…
…com as implicações que terão no modelo de desenvolvimento, porque isso vai ter implicações ao nível da mobilidade e das migrações, do cultivo, da gestão da água. Isto muda o planeta. O polo sul passa a ser o Algarve. Isto é complexo. Não temos ferramentas, porque não há estes dados de satélite com a frequência necessária para termos capacidade de previsão. Já temos a supercomputação e estamos no limiar de quebrar essa supercomputação para computação quântica que dá um exponencial brutal. Temos capacidade de comunicação, com largura de banda para milhares de dados e milhares de sensores ligados. Temos capacidade de inteligência artificial e as máquinas de machine learning para a aprendizagem. Só faltam os dados para termos essa capacidade.

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