Os impostos representam um mecanismo relevante para retrair ou incentivar comportamento. Não é, pois, de estranhar que o Programa Mais Habitação (PMH) contemple um conjunto de medidas fiscais com o objetivo de contribuir para a resolução do indiscutível problema que Portugal enfrenta, de há anos a esta parte, de falta de habitação, incluindo habitação acessível e sobretudo nos grandes centros urbanos.

No passado recente, foram bem-sucedidos os incentivos à reabilitação urbana introduzidos em 2009, os quais permitiram a reabilitação dos principais centros urbanos históricos em Portugal, nomeadamente pela atribuição de isenções concretas (e.g. IMT, IMI) e mecanismos de redução de taxa (e.g. IVA, IRS).

Sucede que o PMH, que se encontra em debate na especialidade na Assembleia da República, faz pouco uso da política fiscal de forma construtiva e positiva, focando-se, quiçá demais, na desconstrução da atividade de alojamento local.

Por outro lado, as restrições adicionais à isenção de IMT na compra de imóveis para revenda e o fim da suspensão de IMI poderão ter um efeito inibidor na dinâmica de construção de novos projetos de habitação e, por isso, na oferta, face ao relevante papel dos intermediários no financiamento deste tipo de projetos, para além de colocarem em evidência a instabilidade do sistema fiscal (sobretudo na isenção IMT, quando a Lei do Orçamento do Estado para 2023 já introduziu restrições a este respeito).

Ora, tendo como objetivo desenhar uma política fiscal que discrimine positivamente a habitação e o arrendamento livre, algumas medidas poderão ser equacionadas poderiam ser:

Na vertente da habitação

a) Isenção de IMT e Imposto do Selo na primeira aquisição de habitação própria e permanente por jovens.

b)Aumento do limiar da isenção de IMT pela aquisição de prédios destinados exclusivamente a habitação.

c)Aumento da dedução à coleta de IRS referente a encargos com juros de dívidas por contratos de financiamento para aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente ou arrendamento devidamente comprovado para habitação permanente do arrendatário.

d) Alargar as isenções de IRS sobre mais-valias e rendimentos prediais a arrendamento a privados no âmbito dos programas de arrendamento acessível.

Na vertente do arrendamento habitacional livre

a) Isenção temporária de IMT e Imposto do Selo na aquisição de terrenos para construção ou prédios urbanos habitacionais destinados a arrendamento habitacional (e não apenas a arrendamento acessível).

b) Redução temporária de taxas de urbanização, edificação, utilização e ocupação, incluindo aplicação da taxa reduzida de IVA e de uma isenção temporária de IMI durante o período de construção, em imóveis destinados ao arrendamento habitacional livre (“build-to-rent”), habitação combinada (“mixed housing”) ou moradia como serviço (“living as a service”/”serviced apartments”).

c) Isenção temporária de Imposto do Selo nos contratos de arrendamento habitacional.

d) Redução mais acentuada das taxas especiais incidentes sobre os rendimentos prediais decorrentes de arrendamento habitacional de longa duração, em especial para o escalão de prazo até aos cinco anos.

e) Alargamento do apoio extraordinário ao arrendamento, na vertente habitacional, por um prazo mínimo de três anos.

f) Aumento da dedução à coleta de IRS referente a encargos com rendas de imóveis habitacionais.

g) Exclusão da sujeição a AIMI de terrenos para construção e prédios urbanos habitacionais afetos ao arrendamento habitacional (e não apenas ao arrendamento acessível).

h) Alargamento da aplicação da taxa de IVA reduzida para empreitadas de construção de imóveis destinados a arrendamento habitacional (e não apenas a arrendamento acessível) de longa duração.

i) Revisão do valor do IVA a devolver ao Estado para os imóveis afetos ao AL que passem a estar afetos a arrendamento habitacional (e não apenas a arrendamento acessível) de longa duração.

Medidas como estas não deverão naturalmente ser estáticas, antes devem ser adaptadas às necessidades sentidas em cada momento face à evolução que se for verificando.

Também não resolverão, por si, o atual problema da habitação, cujas causas se encontram no subinvestimento em habitação após a crise financeira, na rigidez e lentidão nos processos de licenciamento, nas vagas sucessivas no regime de arrendamento que destruíram a confiança no mercado, sistema de justiça lento, entre muitas outras.

Mas podem ser usadas para discriminar positivamente a habitação e o arrendamento livre.

Nota: os autores são membros do Colégio de Especialidade Profissional de Gestão e Consultoria Fiscal da Ordem dos Economistas.

Este artigo foi coescrito pelos dois autores e por Susana Claro, Partner da PwC.