[weglot_switcher]

Literacia financeira: Comportamentos não refletem atitude positiva dos portugueses

Sete anos depois do lançamento do projeto conjunto, o Conselho Nacional de Supervisores explicou ao Jornal Económico que o principal obstáculo é a sensibilização das pessoas para a importância do tema.
28 Outubro 2018, 20h00

Os portugueses têm uma atitude positiva em relação à literacia financeira, mas não a executam nos comportamentos, segundo o Conselho Nacional de Supervisores. Lançado em 2011 pelo Banco de Portugal (BdP), Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMMV) e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), o Plano Nacional de Formação Financeira encontra como principal obstáculo a sensibilização da população.

“O conceito de literacia financeira abrange as atitudes, comportamentos e conhecimentos da população em relação às suas finanças pessoais. Os resultados dos inquéritos à literacia financeira mostram que os portugueses têm atitudes positivas, mas que estas nem sempre correspondem a comportamentos financeiros adequados”, afirmou o grupo conjunto, em declarações ao Jornal Económico.

Explicou que, por exemplo, a importância atribuída ao planeamento do orçamento familiar não se reflete na realização de poupança com uma perspetiva de longo prazo. Por outro lado, também uma atitude prudente na leitura da informação pré-contratual e contratual dos produtos financeiros não se traduz num comportamento de comparação de produtos financeiros alternativos previamente à sua aquisição.

Ainda assim, o conselho nacional considera que os resultados dos inquéritos são positivos em termos de inclusão financeira, medida pelo acesso a uma conta bancária, bem como em atitudes e comportamentos de gestão do orçamento familiar relacionados com a ponderação cuidadosa de despesas e controlo sistemático das finanças pessoais.

Por outro lado, são menos positivos em termos de conhecimentos sobre conceitos financeiros básicos, o que dificulta que as pessoas escolham os produtos financeiros mais adequados às suas efetivas preferências e perfis de risco.

Pessoas mais velhas e com menos formação são a preocupação

“Em ambos os inquéritos foram identificadas importantes assimetrias nos níveis de literacia financeira de diferentes grupos populacionais. A população mais idosa, a que tem níveis de escolaridade mais reduzidos e a que tem menores rendimentos revela níveis de literacia financeira mais baixos. Também os mais jovens e os desempregados apresentam níveis de literacia financeira abaixo da média. Estes devem ser por isso grupos alvo prioritários das ações de formação financeira”, referiu o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros.

Em termos de evolução, entre 2010 e 2015, o nível de inclusão financeira aumentou ligeiramente e verificou-se a uma melhoria nos hábitos de poupança. Também se assinalam ligeiras melhorias nos conhecimentos sobre conceitos financeiros básicos, ainda que continuem em níveis relativamente baixos, segundo os supervisores.

O segundo Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa foi enquadrado no exercício de medição da literacia financeira que é dinamizado, de cinco em cinco anos, pela OCDE, no âmbito da International Network on Financial Education (INFE). “Os resultados da população portuguesa em termos de comportamentos, atitudes e conhecimentos financeiros estão em linha com os dos 30 países que participaram no exercício da INFE em 2015, sendo mesmo relativamente mais positivos em indicadores agregados de atitudes e comportamentos financeiros”, afirmou.

Em 2016, após cinco anos de trabalho, o conselho lançou um novo  programa específico para o período até 2020, que é atualmente o foco. Adotou a marca “Todos Contam”, que é uma iniciativa que tem o contributo de um amplo número de parceiros, incluindo ministérios, associações do setor financeiro e de defesa do consumidor, associações empresariais, centrais sindicais e universidades.

As atividades abrangem várias áreas da sociedade, começando pelas escolas e passando por áreas professionais específicas não só do ensino, mas também outras menos previsíveis como psicólogos ou jogadores de futebol.

“Com todos os seus parceiros, o plano dinamiza anualmente a Semana da Formação Financeira, que começou em 2012 por ser o Dia da Formação Financeira, com especial enfoque nas escolas. Com o alargamento do número de parceiros e, em particular, com o maior número de protocolos de colaboração, a partir de 2017 as comemorações foram alargadas a uma semana!”, sublinha o conselho. Este ano, a Semana da Formação Financeira terá lugar entre  29 de outubro e 2 de novembro.

Obstáculos e objetivos difíceis levam grupo a programar no longo prazo

A iniciativa é uma das inúmeras organizadas para tentar fazer face aos problemas que persistem no que diz respeito à literacia financeira. “Um dos primeiros obstáculos ao desenvolvimento de iniciativas de formação financeira é a sensibilização das pessoas para a importância do tema”, identifica.

Por um lado, o conselho nota que os níveis de literacia financeira são muitas vezes sobrevalorizados e as pessoas não têm uma noção completa sobre as próprias lacunas em termos de conhecimentos e comportamentos financeiros, o que é demonstrado pela generalidade dos inquéritos à literacia financeira realizados a nível internacional. Por outro lado, considera que as finanças pessoais são um tema do qual as pessoas nem sempre gostam de falar, mesmo não se abordando situações pessoais concretas.

“Melhorar a literacia financeira da população é um desafio ambicioso, tendo em conta a sua dimensão do objetivo e a existência de recursos limitados”, diz o grupo de supervisores. “Por isso, é necessariamente um objetivo de longo prazo, que tem de contar com o compromisso duradouro de um elevado número de parceiros, para ser possível chegar progressivamente a um maior número de públicos-alvo. Este é um compromisso de médio e longo prazo, que requer um trabalho persistente e sistemático, mas em que os resultados imediatos são necessariamente limitados face ao objetivo final”, afirmou.

O Conselho Nacional de Supervisores Financeiros sublinha ainda que se melhorar os conhecimentos financeiros da população não é um objetivo fácil de atingir, alterar comportamentos é ainda mais difícil. Apontam especialmente para as dificuldades entre a população adulta com hábitos de gestão das finanças pessoais já enraizados. Por isso, apesar de procurar chegar a toda a população, o plano deu desde o início prioridade aos mais jovens, que estão numa fase da sua vida em que é mais fácil sensibilizar para a adoção de comportamentos financeiros adequados, no presente e na vida futura.

Literacia financeira tem impacto mais alargado que só nas finanças pessoais

“Um objetivo importante a alcançar a médio prazo é reconhecimento generalizado da importância da literacia financeira. A forma como é realizada a gestão das finanças pessoais, que envolve não só o planeamento e gestão do orçamento familiar e da poupança, mas também a escolha de produtos financeiros adequados, tem um impacto muito significativo na vida das pessoas”, defendeu o grupo.

Assim, se houver suficiente sensibilização para o tema, mesmo que ainda existam lacunas nos conhecimentos financeiros, as pessoas ficam despertas para a importância de procurar informação, de fazer perguntas e de analisar criticamente as opções, antes de tomarem decisões financeiras. “Este é um passo essencial para uma gestão adequada e ponderada das finanças pessoais”, afirmou.

Num prazo mais alargado, o plano procura atingir os vários objetivos definidos, nomeadamente a melhoria dos hábitos de poupança, a aplicação da poupança em produtos adequados às necessidades e perfil de risco, o recurso responsável ao crédito com ponderação de diferentes opções e custos associados ou a adoção de hábitos de precaução para situações imprevistas.

“Aos numerosos desafios do plano, acresce a crescente digitalização da economia, que levará nos próximos anos a profundas alterações na forma como as pessoas se relacionam com as instituições financeira, sendo provável que uma parte significativa da população não esteja preparada para o novo contexto digital”, acrescentou o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.