Na sociedade portuguesa atual, a frágil situação demográfica tem consequências importantes na poupança das famílias. O sistema das reformas e das pensões parece estar sobrecarregado com o envelhecimento da população que, com o aumento da esperança de vida e acompanhado por uma taxa baixa do rejuvenescimento geracional, os portugueses deveriam equacionar vários instrumentos de poupança para terem capital disponível para depois da vida ativa.
O tema “Investimento em Valor” foi abordado na conferência “Conversas do Chiado”, que se realizou na segunda-feira, na loja da Fnac no Chiado, em Lisboa, onde se descreveu o panorama nacional das poupanças em Portugal e se abordou o mercado de capitais, nomeadamente as ações, enquanto instrumento de poupança para as famílias portuguesas. Entre os oradores convidados, estiveram Emília Vieira, CEO da Casa de Investimentos, Fernando Alexandre e Pedro Pitos Barros, professores universitários, e Ricardo Pires Silva, diretor executivo da SAS.
“Vivemos mais tempo, a esperança de vida cresce”, disse Pita Barros, da Universidade Nova. “As mulheres vivem mais 22 anos e os homens mais 18 anos, por comparação com 2001”. Quer isto dizer que “o aumento do tempo na idade da reforma, significa que há menos tempo relativo de acumulação de riqueza e uma maior relevância do planeamento a longo prazo para as pessoas se protegerem contra a falta de rendimento, despesas inesperadas com a saúde”, alertou.
O problema agrava-se quando se olha para a taxa de poupança das famílias portuguesas. Segundo os dados avançados pelo Eurostat em julho passado, relativos ao primeiro trimestre de 2018, a taxa de poupança das famílias portuguesas foi de apenas 4%. Ou seja, apenas 4% do rendimento dos portugueses foi canalizado para a poupança. Um valor abaixo da média dos países que integram a zona euro (12%) e a União Europeia (10%).
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“A poupança das famílias portuguesas é a mais baixa da UE”, disse Fernando Alexandre. Uma explicação possível para a baixa taxa de poupança das famílias portuguesas reside nas garantias do Estado social que não incentivam à poupança, explicou. “Quando olhamos para o Estado social em Portugal, vemos um Estado que garantiu o acesso ao Serviço Nacional de Saúde; o mesmo acontecendo na educação, cujo acesso se massificou e é quase inteiramente grátis e há um sistema das pensões de reformas extremamente generoso, só sendo ultrapassado pelo ‘suspeito do costume’, a Grécia”, disse.
Contrariamente aos povos do norte e do centro da Europa, onde se incluem a Suécia, a Dinamarca e a Suíça, as famílias portuguesas não encaram os mercados de capitais como um instrumento válido para a poupança. Para os dois professores, a “compra de casa própria é um grande ativo” para a poupança. “Em Portugal, só 2% das pessoas vêem nas ações e nas obrigações um instrumento de poupança”, disse Pita Barros.
“Em Portugal, existe uma aversão ao risco”, disse Pita Barros. Outra explicação para o afastamento dos portugueses ao mercado de capitais reside numa razão de índole “cultural”, afirmou Emilia Vieira. Esta gestora de ativos considerou ainda que em Portugal, “as pessoas confundem risco com volatilidade”. E explicou que “o risco é a probabilidade da perda permanente do capital”, deixando o conselho que “a margem de segurança [ao investir-se em ações] é a diferença entre quanto vale o ativo e quanto é que se paga por ele”.
Certo é que “a maior aplicação que os portugueses fazem com as suas poupanças é no imobiliário”, afirmou Fernando Alexandre, o que corresponde a outro “incentivo dado pelo Estado português, através do crédito bonificado que perdurou até aos anos 2000. “A cada três euros de empréstimo à habitação, dois euros eram bonificados”, explicou. No entanto, alertou que “se olharmos para as gerações mais novas, o crédito à habitação para pessoas com menos de 30 anos não existe”.
Atualmente, e em linha com Pita Barros, Fernando Alexandre revelou que em Portugal, “mais de 60% da riqueza financeira está em depósitos a prazo, no valor de quase 140 mil milhões de euros, o que se aproxima do PIB português”.
O investidor Pires Silva, em linha com Emília Vieira, argumentou que o investimento em ações das empresas pode constituir um instrumento válido para a poupança dos portugueses. Ao analisar a performance do mercado norte-americano, o antigo trader revelou que este mercado “cresceu durante 75% do tempo, desde 1950”. “E, no mesmo período, a economia norte-americana cresceu 77%”.
Assim, defendeu que o objetivo não é comprar hoje para vender amanhã, mas sim “estar presente no mercado porque o grande risco para a vida financeira das pessoas é sistematicamente estarem sub-investidos ou completamente ausentes do mercado durante o tempo em que este sobe”.
Neste sentido, Emília Vieira sustentou que “é importante ter um horizonte de longo prazo quando se investem em ações”. A paciência parece recompensar e trazer retornos porque “nos últimos 120 anos, as ações ganharam em média 9,5% [por ano], portanto, seis pontos percentuais acima da inflação”, disse.
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