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“Costa costureira e o Vieira patroa”

Quando a saída mais airosa para todas as partes consubstancia-se na expulsão do primeiro-ministro, perdão – do cidadão António Costa, estamos conversados face ao incómodo e gravidade da situação.
25 Setembro 2020, 07h15

António Costa, sempre com Fernando Medina a tiracolo, acabou por expulso por Luís Filipe Vieira da Comissão de Honra da candidatura deste último à presidência do maior clube português, como desenlace da polémica que se instalou. Quando a saída mais airosa para todas as partes consubstancia-se na expulsão do primeiro-ministro, perdão – do cidadão António Costa, estamos conversados face ao incómodo e gravidade da situação. Regressemos ao âmago da questão. Porque esta situação levantou tanta celeuma, quando o apoio, convívio, e até promiscuidade entre figuras da política e do futebol é corriqueiro, e já não levanta sequer o sobrolho do pacato cidadão?

Muitos de nós consideram degradantes aqueles jantares entre parlamentares afetos a um dos grandes e presidentes de clubes. São recebidos na Assembleia como diplomatas e chefes de Estado, e é ver os representantes eleitos pelos portugueses num exercício de bajulação deprimente, quais groupies ou, pior, à espera de um lugar no camarote com direito a croquete e imperial. Que diria o vulgar cidadão se grupos de deputados convidassem para um repasto na casa da democracia empresários com o mesmo currículo (para não chamar cadastro) incidentes judiciais, e o mesmo fardo de suspeições, mas sem o salvo-indultos de serem presidentes de um grande clube? Era um escândalo. Só por comparação, e escolhendo propositadamente indivíduos nunca, até agora, condenados por corrupção, por isso credores da presunção de inocência, que diriam os portugueses se um grupo de deputados convidasse o Ricardo Salgado ou o Carlos Santos Silva para um jantar na AR, sob pretexto de partilharem o gosto pela pesca na Comporta (no caso do primeiro), ou pelos queijos amanteigados da Guarda (no segundo)? Caía, e bem, o Carmo e a Trindade. Vamos puxar um bocadinho a corda e imaginar que o primeiro-ministro aceitava dar boas referências sobre estes cidadãos a terceiros. Escrever palavras abonatórias num livro de elogio. Integrar uma qualquer comissão de Honra destes sujeitos.

Isso então era o fim do mundo. Dir-se-ia que tinha ensandecido. Porquê então a diferença relativamente aos deputados? Porque o primeiro-ministro tem outras responsabilidades institucionais e porque tem poder executivo. Pode influenciar o curso de certos processos, quer de forma directa, quer indirecta. Nem que seja por dar um sinal.
Costa fez a questão de tentar separar os planos. Era o cidadão Costa que integrava a Comissão de Honra e não o primeiro-ministro (como se um simples cidadão fosse convidado para a mesma…). Mas coloquemos essa mesma questão ao contrário: o Cidadão Costa está a recomendar (porque a inclusão numa Comissão de Honra é uma espécie de carta de recomendação) para a presidência do Benfica o sócio Luís Filipe Vieira ou o empresário que deve quase 800 milhões ao Novo Banco, 1/3 destes perdidos para sempre, mais uns milhões à Caixa Geral de Depósitos, e que é acusado de alegadamente ter aliciado magistrados para obter dividendos em processos fiscais?

É que se Costa optou por ser a “Olívia Costureira”, relembrando a eterna rábula de Ivone Silva, para se livrar de uma jogada política (é disso que se trata) mal pensada, queremos saber se o que o simples cidadão António se revê é no Vieira versão ” Olívia Patroa”. O Vieira “patroa” que consegue créditos de quase mil milhões de euros, quantia que a esmagadora maioria dos portugueses nem sequer consegue mensurar, sem aparentemente apresentar as devidas garantias, cujos activos esta associados à conversão em acções das empresas devedoras em caso de incumprimento, como se verificou, empresas essas naturalmente desvalorizadas pois quem incumpre deixa de ter valor, o que até aqui redundou numa perda efectiva para o credor, Novo Banco, de 250 milhões de euros. Aos contrário dos deputados que de forma abjeta bajulam Vieira (e outros) é Costa que tem a capacidade de capitalizar as perdas que Vieira, e outros, infligiram ao novo Banco. É isso que no limite tem acontecido. Existe um nexo de causalidade entre as duas situações susceptíveis de constituir dolo? Não acredito. Mas à mulher de César não lhe basta ser séria, é preciso também parecer. Até porque corre o risco de transmitir sinais, ainda que involuntários, para o pesado edifício do Estado de que “estes é dos nossos”, e deve ser tratado com especial deferência.

Acha Costa que Vieira é um exemplo de gestão, até do ponto de vista desportivo e associativo, como o seu apoio sugere? Claro que não! Tenho para mim que o primeiro – ministro, perdão – o cidadão e sócio António, falará em privado de Vieira com a mesma consideração e admiração que eu nutro pelo ex-presidente do Alverca. O que interessa a Costa é lembrar a 6 milhões de portugueses que é um deles. E nesse processo juntar-se àquele que lhe parece recolher maiores apoios dentro do universo eleitoral benfiquista.

Aqui chegados quero lembrar que, a haver beneficiado, esse beneficiado é Vieira, e nunca o Benfica. Acrescento mais. O Benfica é parte lesada no que diz respeito à sua imagem, tendo sido utilizado para obtenção de créditos que, não fosse Vieira presidente do Benfica, nunca se concretizariam. É portanto falacioso fazer disto uma questão clubística, ou comparar com anteriores benefícios que Porto e Sporting tenham obtido da banca ou de outrém. Em todas as polémicas que surgiram nos últimos anos, o beneficiado é exclusivamente Vieira. Perdão.. alegadamente. É ele que oferece participações em fundos para pagar dívidas vencidas à Caixa geral, participações essas que tinham sido, afinal, sobreavaliadas. É a ele, através do filho e de um gestor que simultaneamente é seu subalterno no Benfica que o Novo Banco contratualizou a tentativa de valorização de um conjunto de activos associados a dívida do próprio Vieira. Ou seja, quem não tem capacidade de pagar os compromissos é que terá capacidade de valorizar os activos a estes associados, para mitigar perdas? e ainda ganhar fee com isso? Se tomarmos apenas este último acordo encontramos tantas pontas incómodas, que num qualquer outro país Europeu seria razão para escândalo. Foi a Vieira que foi permitida garantir créditos com uma hipotética conversão em acções das suas empresas incumpridoras, ações essas sem valor para cobrir as perdas, naturalmente.

Foi a isto tudo que o líder do governo se associou, enquanto sócio e cidadão, sabendo que o seu outro eu, o “Costa patroa” tem poder de facto para caucionar e prolongar este regime de excepção que o “Vieira patroa”, e também o “Vieira costureira” têm gozado.

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