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Covid-19 pode causar o “colapso” da UE. Soromenho-Marques e mais de 400 académicos e investigadores lançam alerta

Rede de académicos e investigadores defende que não cabe apenas aos governos nacionais financiar iniciativas para superar a crise. Serão necessárias introduzir medidas comuns, “incluindo a emissão de Eurobonds e um orçamento comunitário considerável, já defendido por muitos países na UE”, lê-se declaração do ‘European Economists for an Alternative Economic Policy in Europe’.
  • Alessandro Bianchi/Reuters
3 Abril 2020, 17h40

O projeto da integração europeia corre o sério risco de entrar em “colapso”. Numa declaração emitida pelo European Economists for an Alternative Economic Policy in Europe (Grupo EuroMemo) foram mais de 400 os académicos e investidores europeus a alertarem para a implosão do projeto de integração europeu, entre os quais se encontram académicos e investigadores portugueses, como Viriato Soromenho-Marques.

“A crise da Covid-19 será lembrada não só como um desastre humanitário que envolve a perda evitável de milhares de vidas como provavelmente um ponto de rutura para o projeto de integração europeia”, diz o documento.

Grupo EuroMemo é uma rede de economistas europeus empenhados em promover o pleno emprego com trabalho digno, a justiça social com a erradicação da pobreza e da exclusão social, a sustentabilidade ecológica e a solidariedade internacional.

A declaração, que tem por título “A crise da Covid-19 – um ponto de viragem para o projeto europeu”, enviada à redação do Jornal Económico, salienta que o novo coronavírus suspendeu de forma temporária o “fétiche” por seguir as políticas de austeridade impostas União Europeia e que “expôs impiedosamente as falhas políticas trágicas de três décadas de privatizações e subfinanciamento do setor público, particularmente na área da prestação de serviços de saúde”, que se encontra subfinanciado e com falta de profissionais.

“A importância vital de um setor público forte é amplamente demonstrada por esta crise e põe fim ao conto de fadas neoliberais do Estado mínimo. Não é mera coincidência o facto de a crise da COVID-19 estar a expor as terríveis consequências de setores públicos financeiramente estrangulados, particularmente em países como a Itália, a Espanha e a Grécia, que mais sofreram com a polarização económica e a austeridade orçamental que lhes foi imposta durante a última década”, realçam os subscritores da declaração.

O Grupo EuroMemo questionou a falta de solidariedade entre Estados membros da UE para com aqueles “que mais sofreram com a pandemia é trágica”, sinalizando a Alemanha, Holanda e Áustria e as proibições de exportação de equipamento médico, o encerramento de fronteiras e “sobretudo a  recusa obstinada de criar sequer Corona bonds, ou mesmo formas mais alargadas e permanentes de mutualização da dívida”, considerando que estes fatores “prejudicam fortemente a coesão política” do bloco regional europeu.

“O facto de nesta situação líderes políticos, como o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte, destacarem ostensivamente o apoio recebido da China, da Rússia e de outros países, é revelador da frustração generalizada com a situação política na UE”, frisa a declaração.

Olhando para o futuro próximo, os académicos e investidores antecipam que a Covid-19 terá “grandes custos sociais”, com elevados níveis de desemprego, o aumento da pobreza e o acentuar das desigualdades. E, face à distribuição de competências no seio da UE, não há como contornar o papel central que governos nacionais têm desempenhado durante esta fase crítica, papel esse que qualificam de “inevitável”. No entanto, quando chegarmos à fase da estabilização da crise, o Grupo EuroMemo alerta: “as limitações dos governos nacionais para lidar com as consequências sociais e económicas da crise tornar-se-ão evidentes”.

Para responder a este momento crítico e reconstruir a economia europeia, o Grupo EuroMemo defende que a economia do Velho Continente assente “num modelo de produção e consumo que seja de facto socialmente inclusivo e ambientalmente responsável”, sugerindo até uma revisão do Pacto Ecológico Europeu, que ser transformado num Novo Pacto Ecológico Europeu”.

“A dimensão social deve ser prioritária com propostas políticas a nível da UE para combater o desemprego em massa, a pobreza e a desigualdade. Os danos causados nos serviços públicos pelo dogma neoliberal precisam de ser corrigidos através da sua melhoria. A dimensão ambiental deve transformar os nossos sistemas energéticos, de transportes e alimentares, bem como reduzir de forma decisiva a nossa pegada ecológica e os níveis de emissão de carbono. A dimensão democrática deve envolver os cidadãos na codecisão das prioridades de investimento, em particular a nível regional e local”, refere o documento.

Os académicos e investigadores defendem ainda que não cabe apenas aos governos nacionais financiar iniciativas para superar a crise e criar o futuro sustentável. Nesse aspecto, serão necessárias introduzir medidas comuns, “incluindo a emissão de Eurobonds e um orçamento comunitário considerável, já defendido por muitos países na UE”.

“A crise da Covid-19 tem demonstrado que os meios financeiros para implementar um programa pan-europeu sólido de transformação sócio ecológica estão disponíveis, se existir vontade política para mobilizá-los. Do mesmo modo, as iniciativas internacionais de alívio da dívida e de ajuda ao desenvolvimento devem ser rapidamente concebidas e implementadas. Apelamos às forças políticas progressistas para que se unam por detrás desta agenda e, em conjunto, pressionem para uma mudança política profunda”, concluem.

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