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Covid-19. Trump terá de “taxar importações de petróleo saudita para evitar falência do shale dos EUA”, refere especialista português

Na sequência do abrandamento económico provocado pela crise do Covid-19, a situação difícil em que estão os produtores norte-americanos de petróleo de shale levará o presidente dos EUA a impor taxas à importação do petróleo saudita, referiu ao Jornal Económico um especialista português com grande experiência na indústria petrolífera.
16 Março 2020, 08h02

A produção petrolífera que resulta da extração de shale nos EUA ameaça falir, devido aos preços baixos a que o petróleo saudita está a ser vendidos nos EUA, na sequência do abrandamento económico provocado pela crise do Covid-19. Por isso é muito provável que a administração Trump venha a recorrer a mecanismos de taxação das importações das ramas leves do petróleo saudita pelos grupos refinadores dos EUA, para evitar a falência de muitas empresas de produção de shale no território norte-americano. Esta perspetiva foi avançada ao Jornal Económico por um dos maiores especialistas portugueses no sector do petróleo, que é igualmente um dos sócios fundadores do jornal Expresso.

As taxas alfandegárias, ou tarifas à importação, serão provavelmente a única medida a que o presidente dos EUA, Donald Trump, poderá recorrer para evitar o colapso de muitas empresas norte-americanas que operam na fileira petrolífera do shale oil. O principal consultor de Donald Trump que defende essa solução é Harold Hamm, fundador da Continental Resources, conhecido por ser um dos industriais da produção de petróleo de shale que vê no petróleo saudita – de alta qualidade e baixo preço – o principal inimigo da indústria petrolífera norte-americana, e que já acusou os sauditas de praticarem dumping com o seu petróleo.

Com a descida das cotações internacionais do petróleo, os produtores de shale nos EUA estão entre as empresas industriais que maiores dificuldades enfrentam na luta pela sobrevivência  – com a agravante do WTI – West Texas Intermediate ter cotações inferiores às do Brent (que serve de referência para o petróleo negociado na Europa).

“Muitas empresas das zonas de produção norte-americanas de shale oil estão em grande dificuldade, senão mesmo na miséria”, comentou o especialista, explicando que os valores de break even da extração de cada barril de petróleo do shale oil oscilam entre 75 e 80 dólares por barril.

“Na zona do Delaware o break even ronda os 85 dólares por barril, enquanto as explorações de shale oil do Texas apresentam break evens entre 65 e 70 dólares por barril”, o que é incomportável com as cotações do WTI e do Brent, que estão, respetivamente, nos 32,11 e nos 34,72 dólares por barril, segundo os valores dos últimos fechos de sessão.

“A extração de petróleo do subsolo fraturado nas explorações de shale oil tem sempre custos muito elevados porque o sucesso da extração depende de sistemas sofisticados de injeção de areia e água a pressões muito elevadas, que chegam aos 1000 PSI, o que custa muito dinheiro e só consegue ser mantido quando a cotação internacional de petróleo está acima dos valores de break even, que não é o que acontece atualmente”, explica o especialista.

A estratégia de manutenção do elevado nível de produção petrolífera da Arábia Saudita tem permitido colocar no mercado internacional grandes quantidades de um dos melhores petróleos existentes a nível mundial – o petróleo saudita tem um grau de densidade de cerca de 45º API, sendo muito leve e de elevadíssimo valor – a preços muito baixos, o que facilmente atrai compradores e, assim, permite aumentar a quota de mercado do petróleo saudita (que se aproxima dos 50% junto dos principais refinadores, que são os maiores compradores mundiais de petróleo).

A queda das cotações internacionais de petróleo ocorrida na sequência da crise do Covid-19 torna evidente o tipo de estratégia de produção que os maiores grupos internacionais petrolíferos defendem, com os sauditas a tentarem vender o seu petróleo leve, de muito alta qualidade, junto do maior número possível de refinadores. Entre os grupos dos EUA – que conjugam gigantes como a Exxon/Mobil com os produtores independentes que extraem shale oil – há a tentativa de pressionar um modelo fiscal de defesa do petróleo norte-americano. Enquanto os russos confirmam a penetração do petróleo saudita em áreas geográficas que tradicionalmente são clientes do petróleo russo, como é o caso dos refinadores europeus, e, por isso, tentam escoar o petróleo da Venezuela, comprado pela Rússia com grandes descontos, por um preço médio que oscilará entre 15 e 20 dólares por barril.

“Os sauditas conseguiram aproveitar esta conjuntura, conquistando uma quota de mercado muito alta, num momento em que precisavam de compensar os problemas sentidos no sector petrolífero” – o processo de abertura de capital da Saudi Aramco não correu favoravelmente de forma a permitir captar para a Arábia Saudita os muitos biliões de dólares que permitiriam reestruturar o modelo energético que sustenta a economia saudita, explicou o especialista português.

Do lado da produção russa, tem mantido a complementaridade das compras de petróleo da Venezuela, que é muito pesado (quase uma espécie de alcatrão), adquirido a preços muito baixos, mas que exige um sistema de refinação muito caro e complexo, muitas vezes feito em unidades que possuem duas torres de cracking – os EUA “também têm algumas unidades deste tipo, e que já tiveram portugueses a trabalhar nelas”, adianta o especialista.

Talvez por causa das compras que quantidades elevadas de petróleo oriundo da Venezuela, os EUA já avançaram com sanções sobre uma subsidiária “mais discreta” do gigante russo Rosneft PJSC, que é um dos maiores produtores mundiais de petróleo. Trata-se da TNK Trading International, a companhia trader que o grupo Rosneft opera a partir de Genebra, que foi alvo de sanções na semana passada por parte do Departamento do Tesouro dos EUA, já depois da principal trader da Rosnetf – a Rosneft Trading – também ter sido alvo de sanções pelas sucessivas compras de petróleo ao regime de Nicolas Maduro.

Esta posição dos EUA tinha sido anteriormente alertada pelo emissário americano à Venezuela, Elliott Abrams, que disse que se alguma outra empresa de trading ocupasse as funções desempenhadas pela Rosneft Trading, os EUA iriam reagir. E foi o que aconteceu em relação à subsidiária TNK Trading International, apesar dos protestos formalizados pelo Grupo Rosneft, que acusa os EUA de tomarem decisões ilegais.

“O desenvolvimento da atividade comercial dos sauditas tem sido notório, e já ganharam muitos clientes que tradicionalmente compravam petróleo russo”, refere, detalhando que “Lisboa tem sido uma das cidades que os sauditas utilizam para fazerem as suas negociações, recorrendo igualmente ao apoio de advogados portugueses”. Segundo informações prestadas ao Jornal Económico, estão entre as refinadoras europeias que têm comprado grandes quantidades de petróleo saudita as espanholas Repsol e Cepsa (agora com capitais árabes), a Shell, a BP e a francesa Total.

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