[weglot_switcher]

CPI à Caixa: “No meu tempo havia uma grande consonância com a direção de risco”, diz António de Sousa

António de Sousa, que presidiu ao banco público entre 2000 e 2004, assegura no Parlamento que no seu mandato ouve sempre uma “grande consonância” entre a administração e a direcção de gestão de risco que foi criada por si no início da década e que gerou “uma onda de choque no banco”.
Rafael Marchante/Reuters
30 Abril 2019, 10h58

A criação do departamento de gestão de risco (DGR) no início da década criou uma onda de choque na Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas acabou por haver uma “grande consonância” entre a administração de então e essa nova direcção, assegurou António de Sousa,  ex-presidente da Caixa,  aos deputados da  II Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à Recapitalização da CGD e à Gestão do Banco que está a ouvir nesta terça-feira, 30 de abril, o  antigo presidente do banco público (entre 2000 e 2004).

“Diria que no meu tempo normalmente havia uma grande consonância com a Direção Geral de Risco. Tinha conversas constantes com o professor Vasco D’Orey [responsável da DGR], afirmou António de Sousa, que presidiu ao banco público entre 2000 e 2004, realçando que “como qualquer alteração profunda que se faça numa organização”, a implementação da Direcção Geral de Risco no início do seu mandato “criou uma onda de choque” e “uma certa perturbação”.

Em resposta à deputada do PSD, Margarida Mano, sobre eventuais decisões diferentes da sua administração face aos pareceres da DGR,  António de Sousa realçou ainda que “num banco a responsabilidade é sempre do conselho de administração e ao ter essa responsabilidade também tem de ter a capacidade de tomar decisões, pois o parecer da DGR não é vinculativo ao nível dos conselhos de administração”.

Segundo a auditoria da EY à gestão da CGD entre 2000 e 2015, que concluiu pela concessão de 1.647 milhões de euros  de créditos ruinosos, o banco aprovou a concessão de 13 créditos que mereceram parecer desfavorável da Direção Global de Risco, sem que a administração tenha apresentado qualquer justificação para essa decisão. A maioria destas operações contou  com o aval de António de Sousa ou de Carlos Santos Ferreira que acabaram por resultar em perdas de 48 milhões de euros. dez vezes mais.

Na analise à concessão inicial dos financiamentos, a EY analisou ainda um total de 170 operações que exigiam a existência de um parecer técnico para que pudesse ser aprovada e concluiu pela existência de várias que não cumprem com as normas. Segundo a auditoria, 15 operações não obtiveram qualquer parecer de análise de risco, mas acabaram por ter seguimento, sem que a administração apresentasse qualquer justificação para dar um aval sem parecer de risco. Resultado: originaram perdas de 86 milhões de euros para CGD, tendo  cinco sido aprovadas por Carlos Santos Ferreira, presidente da Caixa entre 2005 e 2008, e outras cinco por António de Sousa.

 

Alerta de risco de crédito na CGD em 2002 foi ignorado

Recorde-se que Almerindo Marques, ex-administrador da CGD (entre 1 de janeiro de 2000 e 14 de janeiro de 2002), confirmou ao Jornal Económico as críticas à política de gestão na liderança de António de Sousa, assegurando que foram transmitidas também ao presidente da CGD e à tutela, tendo os alertas incidido sobre a forma como estava a ser concedido crédito, sem respeitar os critérios rigorosos e a existência de operações não ratificadas em conselho de administração. Estes avisos, diz, constam em três cartas: uma remetida à tutela do banco, outra ao supervisor e uma terceira ao então presidente  da Caixa. Mais. A cópia de todas as cartas foi enviada, em 2002, ao mais alto magistrado da Nação, o Presidente da República.  À data, a CGD era liderada por António de Sousa e Almerindo Marques saiu em choque com o presidente.

Segundo Almerindo Marques, em 2002, também o então governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, ignorou os alertas para falhas no controlo de risco de crédito no banco público e recusou auditoria. Constâncio, afirma, terá alegado que o supervisor “não tinha recursos para mandar fazer uma auditoria” e que não era “conveniente” avançar com base numa denúncia como a que estava em cima da mesa.

Almerindo Marques esteve também em Belém, onde falou com o presidente da República, Jorge Sampaio, e lhe transmitiu as mesmas preocupações, numa reunião realizada a e que foi confirmada ao Jornal Económico pelo gabinete do ex-Chefe de Estado.

“Confirmo que enviei três cartas – ao ministro das Finanças, ao presidente da CGD e ao governador do BdP. Na primeira carta, a [Guilherme d’] Oliveira Martins, transmiti as razões para querer sair do banco, pois era responsável por um órgão que não funcionava bem e era uma desorganização completa. Foquei a política de gestão da Caixa em geral e da Caixa BI e alertei, em particular, para a política de crédito, nomeadamente para situações e financiamentos que estavam a ser concedidos irregularmente”, explicou ao JE Almerindo Marques na edição de 22 de fevereiro.

Dezasseis anos depois do alerta deste ex-gestor do banco que chegou ao mais elevado órgão de soberania, a auditoria da EY à gestão da Caixa que abrange precisamente o período em que Almerindo Marques foi administrador (entre 2000 e 2005) conclui foram vários os créditos de montantes elevados concedidos pela CGD perante pareceres desfavoráveis ou mesmo na ausência de garantias e da posição da Direção de Risco de Crédito. Só no incluídas no Top 25 que a auditora compilou, como sendo as mais problemáticas, “totalizaram 238 milhões de euros, o que corresponde a 13,5% das perdas totais da amostra”, que ascenderam a 1.762 milhões de euros.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.