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Crise energética ameaça preços dos alimentos e impacta nas várias indústrias

A crise de energia na China já afeta o mundo desde os alimentos aos iPhones. Por cá, a Associação Empresarial do Minho alertou hoje o Governo que o aumento “exponencial” dos custos da energia pode “representar o princípio do colapso da competitividade das empresas portuguesas, nomeadamente do setor industrial”. A isto junta-se a crise dos semicondutores.
8 Outubro 2021, 14h56

O impacto da crise de energia na China ocorre em todos os tipos de setores e por motivos muito diversos e está a começar a ser sentido em todo o mundo, prejudicando vários setores que vão da fabricante de automóveis, como a Toyota aos criadores de ovelhas australianos e fabricantes de embalagens em cartão. Além disso, a escassez de fertilizantes causará num aumento significativo nos preços dos alimentos, refere uma notícia do espanhol El Economista.

Na passada quarta-feira, dia 6 de outubro, o preço do gás natural atingiu novos máximos nos mercados europeus devido à forte procura à medida que o inverno se aproxima, especialmente na Ásia, mas também devido a uma oferta limitada e aos baixos ‘stocks’ existentes.

Os constrangimentos ambientais na extração de carvão levaram a graves carências energéticas, retardando algumas fábricas, e a uma súbita mudança na procura de gás na pior altura possível para a Europa, à medida que esta caminha para o inverno, defendeu o analista do Commerzbank em declarações à AFP.

O impacto dessa crise será global. O papel da China como ‘fábrica do mundo’ confere a essa economia uma enorme relevância internacional, principalmente se o impacto for sofrido pelo setor industrial chinês, do qual dependem as cadeias produtivas globais, refere o site espanhol que cita a agência financeira Bloomberg.

Para os consumidores, a questão é se os fabricantes conseguirão absorver os custos energéticos mais elevados ou se, em última instância, os repassarão às famílias. Este último terá um impacto direto sobre a inflação que está acima da meta dos bancos centrais em grande parte do mundo.

Na semana passada, o analista de mercados do Millennium investment banking, alertava que a crise de energia, provocada pelo disparo dos preços de eletricidade e gás castiga as famílias, que veem aumentar a sua fatura, mas também as empresas que sentem o impacto na fatura de produção e mesmo os Governos. Alguns países europeus, como a França, anunciaram que pretendem travar novos aumentos dos preços de eletricidade e baixar impostos de energia para atenuar os efeitos nos contribuintes.

As estimativas para o índice de preços no consumidor mostraram nova escalada de inflação na Zona Euro em setembro, para os 3,4%, um dado à atenção do BCE, que tem vindo a referir que este pico de inflação se deve a fatores transitórios.

A Allianz Global Investors (Allianz GI) publicou também uma análise sobre o impacto da crise energética na economia. Com o sugestivo título ‘Um pé no gás’, Ann-Katrin Petersen, CFA, Vice-Presidente, Global Economics & Strategy, destaca que “A escassez da oferta vai continuar a ser um fator-chave para as perspetivas globais imediatas. No outono, os preços da energia dispararam em todo o mundo. Apesar dos preços mais altos do petróleo e, em particular, do gás natural terem alimentado a inflação (expetativas), esses preços mais altos ainda não tiveram um impacto percetível na recuperação económica. Uma vez mais, os bancos centrais e os investidores em obrigações deparam-se com a questão de saber se a inflação mais alta é um fenómeno transitório, permanente ou, irónica e possivelmente, um fenómeno permanentemente transitório”.

Ontem foram publicadas as minutas da última reunião de setembro do BCE e foi reconhecida uma melhoria significativa na avaliação das perspetivas em torno da inflação ao longo do ano. O aumento da inflação a curto prazo, impulsionado em grande parte por fatores temporários não deverão ter impacto a médio prazo e, por isso, não existe a necessidade de o BCE alterar a atual política monetária.

“Há três fatores que vão determinar se a economia europeia vai entrar no inverno literalmente com ou sem um suplemento total de energia”, refere a Allianz GI.  O primeiro é saber se inverno será mais frio ou mais longo do que o normal? As expectativas de um inverno rigoroso no continente europeu chegam para manter os preços do gás em níveis elevados por enquanto. Ao mesmo tempo, as taxas atuais de utilização de armazenamento de cerca de 75% são consideradas adequadas para um inverno “médio”. O segundo factor é saber se as tensões políticas em torno do gasoduto Nord Stream 2 (que já está pronto para operar) serão resolvidas? O pensa o novo governo federal alemão sobre o projeto?
Depois a terceira questão lançada pela analista é se um aumento potencial na produção de energia (nos Estados Unidos) como resultado de preços mais altos e menos restrições relacionadas à pandemia trará alívio, e quão forte será esse alívio?

A analista da Allianz GI diz que os preços do gás natural aumentaram fortemente desde o início do ano. Tendo mais do que triplicado na Europa e quase triplicado no Reino Unido. “Existem inúmeras razões para esta evolução. Algumas remontam ao inverno de 2020-21, quando um período de frio no nordeste da Ásia aumentou a procura por gás natural liquefeito (GNL). Ao mesmo tempo, o fornecimento está sob pressão devido à menor produção de gás na Europa, menores exportações de gás da Rússia e instalações de armazenamento limitadas”.

A XTB, por sua vez,  lembrou que a crise alastra-se ao mercado do petróleo, que está a cotar à volta dos 80 dólares o barril. A procura por petróleo continua elevada e a OPEP e os seus aliados decidiram manter a produção limitada, razão pela qual o Brent ultrapassou a barreira dos 80 dólares pela primeira vez desde 2018.

Esta semana o analista da XTB, Henrique Tomé, alertava que “as consequências para a economia global podem, de facto, ser assustadoras. Como a escassez de combustíveis já causou paragens, os preços mais altos da energia apenas farão subir ainda mais os custos, agravando a situação já difícil do lado da oferta da economia e, ao mesmo tempo, diminuindo a procura ao longo do caminho. Isto significa que existe um sério risco de existir dum cenário de estagflação [situação simultânea de estagnação económica, ou até mesmo recessão, e altas taxas de inflação]”.

Os analistas do ING falam de uma combinação de “preços elevados da eletricidade, fornecimento limitado da Rússia e a possibilidade de um inverno mais frio”. De acordo com os peritos da Capital economics, citados pela AFP, os preços “são suscetíveis de se manterem elevados face aos registados no passado” a médio prazo.

O El Economista, no seu artigo, lembra que o momento para uma crise energética não poderia ser pior, já que a indústria naval enfrenta um congestionamento nas linhas de abastecimento, provocando atrasos nas entregas.

A crise de energia também coincide com o início da colheita agrícola na China, o que levanta preocupações sobre um aumento significativo nos preços dos alimentos.

“Se a escassez de eletricidade e os cortes de produção continuarem, podem tornar-se outro fator que causa problemas de abastecimento global, especialmente se começarem a afetar a produção de produtos para exportação”, disse Louis Kuijs, economista sénior para Ásia da Oxford Economics, citado pelo jornal espanhol.

Aumento do preço da energia pode ser “início do colapso”, diz a AEMinho

Por cá, hoje, a Associação Empresarial do Minho (AEMinho), com sede em Braga, alertou  o Governo que o aumento “exponencial” dos custos da energia pode “representar o princípio do colapso da competitividade das empresas portuguesas, nomeadamente do setor industrial”.

A AEMinho adiantou estar “profundamente preocupada” com o impacto do aumento dos preços, “num tecido empresarial e industrial em que os encargos energéticos chegam a representar 30% a 40% dos custos de produção”, num comunicado citado pela Lusa.

“Chegam-nos relatos de associados para os quais o custo com a energia quase que duplicou e que veem hoje a sua situação, que já difícil pelo contexto que vivemos nos últimos anos, pela situação da calendarização da carga fiscal que já foi alvo de intervenção da AEMinho no passado, pela carga fiscal em si e pelo aumento desconexo dos combustíveis, ficar agravada, colocando em risco não só a sua competitividade no mercado, sobretudo no mercado internacional, do qual dependemos em larga escala, como também, em casos mais extremos, a viabilidade dos seus negócios e da sua atividade”, reforça a associação.

A AEMinho defende ser “necessário repensar modelos, perceber como balizar a atividade empresarial nesta área de forma que o desenvolvimento de uns não represente o estrangular da maioria e a fragilização do nosso tecido empresarial de forma massiva e representativa”.

Esta semana, registou-se ainda assim uma diminuição das preocupações com a crise energética depois do presidente Vladimir Putin ter referido que a Rússia poderia ajudar a estabilizar o fornecimento e que levou ontem a uma descida expressiva dos preços do gás natural trouxe conforto.

Na industria do papel, segundo o El Economista, o impacto no sector do papel, deve-se ao facto de a produção de caixas de papelão e de materiais de embalagem ter sido ‘bloqueada’ temporariamente pelo aumento vertiginoso da procura durante a pandemia. Agora, os problemas vêm do lado da oferta.

Os apagões e o racionamento de eletricidade na China afetaram a produção. A previsão é que a oferta desse setor seja reduzida entre 10% e 15% entre setembro e outubro, segundo o Rabobank. Isso criará ainda mais complicações para as empresas que já sofrem com a escassez global de papel.

O jornal espanhol analisa também o impacto da crise energética na agricultura e preço dos alimentos. Os preços mundiais dos alimentos já estão no pico de uma década. A inflação dos alimentos está subir e a crise de energia pode piorá-la. A cadeia de abastecimento alimentar está em risco. A época da colheita está a chegar à China e será um grande desafio para o maior produtor agrícola do mundo.

Relata o El Economista, que nas últimas semanas várias fábricas chinesas foram forçadas a fechar ou a reduzir a produção sob pressão dos governos regionais que tentam cumprir as metas de emissão de CO2 estabelecidas por Pequim. Esse é o caso dos produtores de soja que moem grãos para produzir farinha para ração animal e óleo para cozinhar. Os preços dos fertilizantes, um dos elementos mais importantes da agricultura, estão a disparar, atingindo os agricultores que já estão à mercê da pressão dos custos crescentes.

Na Ásia, a Toyota, que produz mais de um milhão de veículos por ano na China nas fábricas ao redor de Tianjin e Guangzhou, já reconheceu que algumas de suas operações foram atingidas pela falta de energia.

Fora da China, os criadores de ovelhas australianos esperam que a procura por lã seja muito menor. A razão é que a indústria de ‘tecelagem’ da China está a reduzir a produção em até 40% devido às quedas de energia da semana passada, revelou a Australian Broadcasting, citado pelo El Economista.

A tecnologia também pode sofrer um choque dramático, já que a China é a maior base de produção mundial de dispositivos, de iPhones a consolas de jogos (incluindo o Apple Watch), além de ter grandes centros de montagem de chips semicondutores usados nos automóveis e eletrodomésticos .

Várias empresas já sofreram algumas paralisações na atividade de suas instalações chinesas para cumprir as restrições locais.

Crise dos semicondutores

A revelação de que as exportações alemãs recuaram inesperadamente em agosto face a julho mostra que a crise no fornecimento de chips está já a afetar a indústria exportadora da Alemanha.

O mercado de ações de empresas de semicondutores também já se está a ressentir. O sector tecnológico está a pressionado pela queda das fabricantes de semicondutores depois da AAC Technologies, fornecedora da Apple, ter tombado em Hong Kong, após emissão de um profit warning, segundo relata o analista de mercados do Millennium investment banking, Ramiro Loureiro.

Os gigantes da tecnologia, incluindo Dell Technologies e Sony, não podem se dar ao luxo de outro choque de oferta. Essas empresas estão a sofrer certas limitações devido à escassez global de chips, que deve durar até 2022 ou mais.

Na indústria automóvel,  tal como a tecnologia, qualquer problema que aumente ainda mais a tensão no mercado de semicondutores atingirá diretamente as fabricantes de automóveis, que já viram sua produção prejudicada pela própria escassez de chips.

A falta de “chips” já levou ao cancelamento do Salão Automóvel de Genebra. A próxima edição deveria decorrer entre 19 e 27 de fevereiro de 2022.

O Salão Automóvel de Genebra decidiu cancelar a sua edição de 2022 devido às dificuldades no setor, confrontado com a falta de semicondutores, anunciaram hoje os organizadores. A edição do próximo ano passa para 2023, indicou a organização.

A crise dos ‘chips’ vai provavelmente prolongar-se até ao próximo ano, reconheceu Sandro Mesquita, diretor-geral do Salão de Genebra, num comunicado em que anuncia o cancelamento do evento, citado pela Lusa.

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