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Cristina Casalinho: “Faltam pelo menos dois anos para Portugal ter notação no nível A”

A presidente do IGCP diz que pode demorar, mas o rating em ‘single A’ é crucial para alargar a base de investidores e beneficiar de novas tendências como a chegada de compradores japoneses à Europa.
13 Dezembro 2019, 09h00

Estamos na fase final do ano. Qual é o balanço que faz da gestão da dívida pública portuguesa em 2019?
Foi um ano muito positivo, com alguns marcos históricos, no sentido em que as taxas de juros, quer em termos absolutos quer em níveis relativos a nível de prémio de risco, registaram mínimos históricos em agosto.

É claro que isto tem a ver com o contexto europeu, mas também se pensarmos em termos de valorização relativa, quer em relação à Alemanha quer com os nossos pares como Espanha, o que vemos é que o spread que esteve durante muito tempo acima dos 100% e este ano quebrou a barreira. E com Espanha tem havido nos últimos tempos uma inversão de spread, ou seja, com as Obrigações do Tesouro (OT)portuguesas a dez anos a transacionarem abaixo das de Espanha. Isto já acontecia nos dois, três anos, mas nos dez anos, na zona longa da curva não acontecia, não se verificava.

Depois tivemos o facto de a curva portuguesa estar a transacionar em yields abaixo dos 0,50% até aos prazos de cinco anos e chegou a haver uma ocasião em que estávamos quase até oito anos a transacionar em níveis negativos.

Portanto, em termos de custo de financiamento, tivemos claramente um ano de números que historicamente nunca tinham sido observados.

Um dos objetivos do ano era alongar as maturidades e evitar picos de amortizações no futuro. Conseguiram fazer todos os alongamentos que queriam?
Nunca se consegue fazer todos os que se quer. É um processo que tem custos. Se pensarmos que o mercado sabe que estamos compradores da dívida portuguesa nas maturidades mais curtas, na zona curta, como dizia, até aos dois anos Portugal transaciona nos últimos dois anos a níveis inferiores a Espanha. É porque sabem que Portugal é um comprador, para além do Banco Central Europeu (BCE) comprar, há um outro comprador. Portanto, há um efeito de compressão de preço nesses prazos, o que faz com que todas as nossas operações em termos relativos sejam mais caras do que se não houvesse este conhecimento do mercado.

Mas de qualquer maneira, face ao nosso objetivo de ter os perfis de reembolsos o mais alisados possível e na medida em que temos alguns picos identificáveis, nomeadamente, 2021 é um ano em que não temos só a concentração específica nesse ano, mas também um padrão intra-anual que pesa muito sobre o primeiro semestre. Normalmente as nossas OT reembolsam em junho, mas as OT 2021 reembolsam em abril, a primeira OTRV também reembolsa em maio, portanto há um conjunto de amortizações que se concentram no primeiro semestre, o que não é uma situação típica.

Essa vai continuar a ser a estratégia: continuar a fazer trocas no próximo ano?
Em relação às trocas, este ano alterámos o procedimento. Normalmente fazíamos trocas, uma ou duas por ano. Este ano fizemos seis.

Já vão em mais de quatro mil milhões de euros…
Sim, 4,3 mil milhões. Há outros emitentes que têm programas estabelecidos de recompras, no caso português não havia essa tradição, apesar de no passado, antes da crise, haver recompras e trocas, mas nunca de uma forma padronizada. Embora não queiramos instituir um standard, mas queremos que haja uma maior regularidade nestas operações.

Qual vai ser a almofada financeira no final do ano?
A nossa previsão é de termos uma almofada financeira na ordem dos 6,8 mil milhões. A almofada financeira tem vindo a ser reduzida. Na sua génese, ainda durante o programa, era uma condição, tinha de se provar que se tinha capacidade de financiamento nos 12 meses seguintes. Portanto nessa altura, quer Portugal quer a Irlanda, para fazerem prova dessa realidade, tinham almofadas de financiamento de quase 100% para os 12 meses seguintes.

Depois, lentamente e com o acesso ao mercado, essa almofada, ou esse excedente de liquidez foi sendo mais baixo. Depois reduziu para 50%. Antes das subidas das agências de rating para grau de investimento tínhamos andado na ordem dos 40%, mas progressivamente podemos baixar. Há uma queda para este ano, mas para o ano não há queda, e isso decorre exatamente do perfil intraanual para 2021 ser mais exigente.

O sucesso da gestão da dívida portuguesa tem sido atribuído a vários fatores. Bons resultados económicos, melhorias nos ratings, maior confiança dos investidores, ambiente de política monetária muito acomodatícia. Qual é o peso relativo destes fatores?
É impossível não se pensar que é a conjugação de todos esses fatores. Se olharmos para outros países em que falha um desses fatores, vemos que tem implicações. Por exemplo, olhando para Portugal e Espanha, apesar de nós não gostarmos muito de fazer a comparação direta, Espanha tem um rating melhor que Portugal, e que é single A de uma grande parte das agências. Tem níveis de crescimento superiores historicamente, e, mesmo recentemente, a Portugal. Depois, tem duas coisas. A capacidade de reduzir défices orçamentais não tem sido tão rápida quanto a portuguesa. E em Portugal há uma queda da dívida pública, enquanto em Espanha há uma estabilização, uma ligeira queda mas mais lenta. Isto constitui uma vantagem comparativa.

Mesmo em termos de estabilidade política, o facto de Espanha ter alguma instabilidade na capacidade de formar governos também se tem refletido ao nível do spread do risco.

Nesta legislatura não há uma “geringonça” em Portugal. Têm sentido já alguma diferença na perceção dos investidores?
Não. O que vimos é que antes e depois dos resultados eleitorais não houve alteração. E se houve, até foi numa direção positiva.

Espera mais melhorias no rating? Vai demorar até chegarmos ao nivel A?
Quando Portugal tem neste momento as três principais agências de rating com perspectivas positivas, é legítimo acalentar expetativas de que essas perspetivas positivas vão ser materializadas em upgrades. Se o vai ser para single A ou não, temos aqui dois passos… Estamos em BBB, temos de passar para BBB+ e depois BB e depois o A-.

O que nós vemos é que são processos que demoram. Por exemplo, entre o momento em que há uma melhoria na perspetiva, em que esta é passada de estável para positiva, até se confirmar num upgrade da notação, pode no máximo demorar 18 meses e medeia entre estes dois momentos pelo menos 18 meses.

Isso significa que se eu pensar 18 meses, no primeiro, vamos dizer que é um ano até ao BBB+, depois mais 18 meses, falta um bocado, estamos a falar em mais de dois anos…
Falta um bocado, é um processo lento, vai demorar. O caminho está a ser percorrido, as próprias agências de rating estão cada vez mais confortáveis com a história de Portugal. E se virmos bem, há agências de rating que demoraram muito tempo a reconhecer a evolução estrutural e a mudança, mas acho que uma vez interiorizado ou tomada a consciência dessa nova realidade, será um bocadinho mais célere.

Mas pelo menos dois anos. Se o padrão de comportamento se mantiver, e se tudo correr bem, se não houver aqui nenhum percalço e se em todas as próximas janelas houver atuação, no mínimo serão dois anos.

Continuando a olhar para a frente, quais é que vão ser as linhas gerais da estratégia do IGCP em 2020?
Neste aspeto, o IGCP não é diferente das outras agências de dívida. Uma das principais preocupações é ter uma política de comunicação consistente e transparente, e depois ter uma política de execução do programa também bastante antecipável e bem identificada. O que temos visto é que nos últimos anos, à semelhança da maior parte dos países, europeus pelo menos, o padrão de emissões é muito semelhante. Por exemplo, o nosso programa tem sido a nível de OT de mais ou menos 15 mil milhões por ano, e não antecipamos variações. Em relação aos Bilhetes do Tesouro, o programa tende a oscilar um bocado mais, porque esse título, como é um instrumento de até um ano, é mais considerado como instrumento de gestão e ajustamento de liquidez do que de financiamento estrutural.

Nas OT queremos que seja o mais estável possível, com leilões mensalmente, com duas linhas. Mesmo a nível de maturidades, a alteração tem sido bastante gradual. O que tem acontecido é um incremento gradual nos dez anos, e as maturidades mais curtas têm vindo a perder peso no programa de financiamento.

Isso tem a ver com o papel de comprador do BCE?
Não tem só a ver com isso. Acho que mais do que isso até, na procura global do mercado, o que nós vemos é que esta tendência de alongamento de maturidades, por um lado favorece a gestão da dívida no sentido em que se consegue ancorar o custo de financiamento, ou custo total da dívida por um prazo prolongado em níveis muito baixos, e, por outro lado, que no próprio mercado tem sido cada vez mais intensa a discussão em relação às taxas de juro negativas e o que elas fazem a nível de rendibilidades de aplicações, e o que faz é que empurra os investidores a procurar o yield e, portanto, a procura vai orientar-se para prazos mais longos. Há uma confluência de vontades entre o emitente que quer baixar custos, e os investidores que querem rentabilidades positivas.

A maturidade máxima que Portugal tem é 2045. Até quantos anos podemos ir?
Sim, para o ano esse será um título de 25 anos. Já emitimos no passado a 30 anos, mas não podemos ir por exemplo aos 100 anos, porque há uma limitação, que foi criada pelo próprio IGCP aquando da sua fundação, de que só se poderá emitir até 50 anos. Mas vemos emissões, como por exemplo a que a Áustria fez, a 100 anos. Espanha e Itália fizeram private placements a 100 anos, operações pequenas e para clientes específicos.

Portanto, sim, há cada vez mais emissões a 30 e 50 anos. No caso português, mais uma vez por causa de uma questão de rating e de base de investidores, não estamos a fazê-lo. Normalmente, quem compra mais zonas longas são fundos de pensões e seguradoras, porque as suas responsabilidades também são mais longas. Têm políticas de investimento mais conservadoras, com exigências de rating mais elevadas, e coincidentemente políticas mais longas. Na base de investidores em dívida de Portugal temos fundos de pensões e seguradoras, mas ainda têm um peso relativamente baixo, a crescer, mas com uma capacidade de penetração limitada, constrangida pelo rating.

Em 2020, o saldo orçamental de Portugal deverá ser nulo ou até positivo, pela primeira vez. Como é que isso vai afetar o programa de financiamento? Tem impacto no equilíbrio das emissões?
Tem. No caso português, a redução das necessidades de financiamento líquidas pode ter um efeito positivo, no sentido em que à medida em que se reduzem, porque o défice se reduz, o que vai acontecer é que coincide mais ou menos também com os reembolsos dos empréstimos oficiais. Portanto, no fundo, a folga que a redução das necessidades líquidas oferece não implica uma queda da emissão através de obrigações, porque o que vamos fazer nesse período é substituir dívida e refinanciar. Assim, a nível do programa de mercado, não achamos que vá haver grandes alterações. A dívida mantém-se constante, mas como há uma recomposição, a nível do que é relevante para o programa de Obrigações, acaba por ser uma boa circunstância, porque nós não temos a certeza de que sem melhorias de rating a base de investidores se alargue o suficiente para acomodar a recomposição da dívida.

A base de investidores tem sido alargada, em termos geográficos e no tipo de investidores. Qual é o plano agora? Atingir novas geografias? Outro patamar de investidores, como os fundos de pensões através de melhorias no rating?
Esse é um dos principais objetivos. A base de investidores é um fenómeno dinâmico. Numa primeira fase em que Portugal começou a reconquistar acesso ao mercado, o domínio de hedge funds, que são mais oportunistas e têm períodos de dez anos ou menos, tinham uma relevância maior. Hoje têm uma relevância muito menor e investidores com outras caraterísticas, que têm períodos mais alargados e comportamento de mercado mais estável, têm mais importância, ou seja, os fundos tradicionais.

Uma coisa que é importante com as agências de notação: quando Portugal ainda não tinha grau de investimento, ou grau de ‘lixo’ como algumas pessoas dizem, não integrava alguns índices obrigacionistas, e à medida que Portugal viu o rating melhorar e reentra na classe de investimento, também regressa a esses índices. Hoje, dos três principais índices, Portugal já entrou em dois. Entrou primeiro num quando a S&P e a Fitch concederam o grau de investimento. Depois entrou noutro índice que exige que haja um rating pelas três principais agências.

Portanto, falta o single A para entrar num último índice, que é um índice importante. Porquê? Porque hoje, na comunidade de investidores, há uma intensificação da tendência de gestão passiva. Os fundos seguem ou mimetizam a composição dos índices. Se um título não estiver no índice não é comprado. Investidores mais exigentes em termos de rating seguem esse último índice, que exige que haja pelo menos um rating single A. Ora, a partir do momento em que Portugal passe a integrar esse índice e suba na escala da sua utilização, haverá um processo de compra e alargamento automático da base de investidores.

Em termos de alargamento geográfico da base de investidores também é importante. Quer Espanha quer França têm vindo a fazer comentários substantivos em relação à sua base de investidores e a relevância, por exemplo, de investidores japoneses. Este ano, a grande mudança em relação à base de investidores na Europa foi a entrada, com dimensões apreciáveis, por parte de investidores japoneses. Devido a limitações de rating, é um movimento que em Portugal não temos com a magnitude que se vê em Espanha ou França. O meu homólogo francês diz, por exemplo, que, este ano, a compra de dívida pública francesa por parte de investidores japoneses foi igual às compras do BCE no ano passado.

Estão a fugir das taxas negativas no Japão?
Sim. O rating em nível A é importante para este universo de investidores. Não para todos, mas para uma grande percentagem de investidores. Até porque, como muitas pessoas dizem, os investidores japoneses têm uma característica de comportamento, seguem-se uns aos outros – se um vai por um caminho, outros seguem. É uma questão cultural.

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