Se é certo que nos últimos cinco anos, registamos em várias estatísticas, um progressivo aumento do número de visitantes nos museus quer a nível nacional, como regional, está ainda por demonstrar e quantificar quais os reais impactos quer do turismo, quer das apregoadas políticas de democratização do acesso à Cultura.
Se é certa a incomensurabilidade dos ganhos para o conhecimento, no que respeita ao investimento público realizado nas áreas da Cultura, transversal a todos os quadrantes ideológicos, importa também quantificar quais os resultados obtidos, a fim de verificarmos para futuro, qual a melhor aplicação e rentabilização dos escassos recursos, que ainda persistem. Mas a par disso, urge também diferenciar a qualidade artística, que acrescenta conhecimento e espírito crítico, daquela cultura “voyerista” que atrai, para distrair e alienar.
Contudo, talvez para o discurso político, a qualidade técnica e artística das intervenções culturais, parece não ser tão fundamental, quando um bom anúncio de uma qualquer abertura de um novo museu ou da simples ideia futura da sua existência, colhe mais dividendos, eleitoralmente falando.
Persiste a falta de dotação financeira dos museus e de maior autonomia na gestão e programação. Persistem as necessidades veementes de conservação e restauro dos acervos e coleções e da dotação de mais recursos humanos, com a devida formação técnica especializada. Perante esta escassez, anunciam-se no entanto novos museus, plenamente descontextualizados da realidade em que se inserem ou subvertendo a lógica de concepção do Museu e do lugar que este ocupa na contemporaneidade.
Museus para que te queremos em tempos de engate, numa “sociedade da sedução”?
Os Museus tornaram-se nas hipérboles demagógicas do discurso político e na melhor metáfora do assedio do fruidor / eleitor, cada vez mais passivo.
Mas tudo está bem, está tudo muito bem… Não são apenas os Museus a contribuir para o assedio pelo poder, mas também a própria arte que ornamenta o espaço público.
Catharina Thörn, num artigo de investigação científica, recentemente publicado, considera que aparentemente, as intervenções artísticas no espaço público procuram “estetizar a injustiça social e eliminar os conflitos”, mas por antítese, as tentativas da arte substituir-se às políticas sociais e urbanísticas, mascara as problemáticas na origem das necessidades de uma verdadeira reabilitação urbana, resultando deste modo num equívoco, para o qual muito contribuiu o discurso político e mediático.
A mesma autora refere que “a reestruturação do espaço urbano, com frentes marítimas exclusivas, edifícios de referência, hotéis de luxo, campanhas institucionais de marcas, faz parte da governação global neoliberal mais alargada que privilegia o crescimento e cria uma distribuição desigual (e injusta) desse crescimento dentro das cidades.”
A arte deixaria de contribuir para consciência e progresso da civilização, para participar na“estratégia de branding da cidade”, tendo como principal objetivo a atractividade turística, subvertendo assim os objetivos da própria arte e da concepção do espaço público urbano, determinando ideologicamente o planeamento do território. Torna-se por isso perigoso, quando a arte contribui para uma alienação cultural coletiva.
Perguntámos aos habitantes dos centros históricos se estes quereriam receber turistas?
Perguntámos a esses habitantes se queriam ver os espaços que habitam intervencionados artisticamente?
Não estaremos em vez de promover a inclusão, submeter a um novo julgo económico aqueles que habitam aqueles lugares? Ou estaremos a instituir novos “não-lugares”, no centro das nossas cidades?
Corremos risco de, ao não habitarmos as cidades, com isso tornarmo-las “não-lugares”, na definição de Marc Augé, lugares transitórios, de passagem.
Daqui decorre também o perigo das cidades ao se tornarem museus ao ar livre, perderem a sua essência de lugar habitado e de não cumprirem a sua missão e se tornarem num lugar contemplativo apenas do sublime,
numa sociedade de um “capitalismo de sedução” ou “capitalismo emotivo”, na definição de Gilles Lipovetsky.
“As estratégias de sedução, agora omnipresentes, funcionam como lógicas estruturantes da sociedade económica e política, bem como da ordem educativa e mediática” refere o mesmo autor.
Gilles Lipovetsky destaca no seu ensaio sobre a sociedade da sedução “Agradar e Tocar” que “é um grande erro julgar que os media digitais abrem totalmente as portas da inteligência, da cultura e da reflexão”.
Antes, demonstram o estado de domesticação da sociedade contemporânea ou “hipermoderna” – na definição do autor – e são razão do empobrecimento cultural dos mais jovens.
A Cultura do entretenimento tornou-se no melhor e mais hábil instrumento do marketing político e do controlo das massas.
Ornamentar o espaço público tornando-o lúdico e recreativo, instituir museus subvertendo a lógica da preservação da memória, dotar as escolas de mais tecnologia e confundir Cultura com atrações turísticas, tem por hipótese, como principal objectivo, o entreter para estupidificar.
Porque assim, talvez seja mais fácil o engate!
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