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Cultura, instituições e perplexidades

A 4ª revolução está a aumentar, a curto prazo, os níveis de desemprego e desigualdade social, gerando uma onda de ansiedade e incerteza sobre o futuro da classe média, sem se vislumbrar as novas oportunidades de emprego, que irá seguramente gerar, mas com a certeza que imporá um nível de conhecimento e iniciativa muito superiores aos padrões anteriormente existentes.
5 Agosto 2019, 07h15

Na atualidade os nossos dias são pautados pela globalização. Na economia, através da competitividade e refinamento dos negócios. Na sociedade, numa maior harmonização dos valores civilizacionais da sustentabilidade ambiental, igualdade do género, equidade na distribuição do rendimento, entre outros. Na política, na questão dos direitos das minorias, acesso à educação, saúde e habitação para todos. Finalmente, a cultura ganhou uma nova dimensão e relevância. Geralmente olha-se para a cultura por diferentes lentes – da antropologia, filosofia e sociologia -, sendo que neste artigo vamos tratar o tema numa perspetiva significativamente abrangente e normalmente aceite pelas ciências sociais, considerando a antropologia e a sociologia. Neste âmbito, podemos assumir cultura como ”um conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais artificiais (isto é, não naturais ou biológicos) aprendidos de geração em geração por meio da vida em sociedade” (Edward Burnett Tylor 1832-1917[1]).

A cultura reflete uma construção social coletiva, dinâmica, fruto da interação de pessoas e grupos sociais estáveis, sobrepostos essencialmente em três camadas: i) Artefatos: estruturas e processos organizacionais visíveis, as instituições; ii) Valores compartilhados: estratégias, metas e filosofias; iii) Premissas básicas: inconsciente, crenças, perceções, pensamentos e sentimentos. Ao contrário do muitas vezes assumido, a cultura vai mudando fruto das próprias dinâmicas da sociedade – por exemplo, a vertente religiosa é hoje menos marcante nas diferentes sociedades. De acordo com o Observatório das Migrações, em Portugal verifica-se uma redução do catolicismo apostólico romano de 95% em 1991 para 88% em 2011, com consequente aumento dos que declararam ter uma religião distinta da católica de 2% para 4% e do número de pessoas que se declaram sem religião (3% em 1991, para 7% em 2011). Não obstante isso, o país apresenta um índice de diversidade religiosa baixo, 1,4, comparado com o nosso vizinho Espanha, com a mesma “tradição religiosa”, que apresenta 3,9[2].

Há uma forte tendência para associar a prosperidade à cultura e dá-se o exemplo da União Europeia, onde coabitam, pelo menos, dois grandes grupos culturais substancialmente diferentes, divididos pela própria geografia, o Norte e o Sul, respetivamente os protestantes mais propensos para o negócio e os católicos menos ricos. Segue-se a matriz de Max Weber (1905), que no seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, concluiu que o protestantismo “facilitou” a 1ª revolução industrial, da mesma forma que se aceitava para outras longitudes, que os valores de “Confúcio eram inimigos do crescimento económico”[3], dando como exemplo a China.

Então como justificar que na lista dos G20, construída com base no produto interno bruto de 2018, a França ocupe o 6º lugar (produto interno de 2 778 biliões de USDólares), a Itália 8º (2.074 bnUSD), Brasil 9º, Espanha (14º) e México (15º)? E explicar o renascimento da China, atualmente o 2º país mais rico, com um PIB de 13.670 bnUSD? E compreender que o PIB per capita da Alemanha de Leste, à data da integração (1991) era 1/3 da Ocidental e, em 2013, já representou 67,1%? Bem como atualmente a diferença abissal entre a riqueza gerada na Coreia do Norte (1.700 USD de Rendimento per capita, 2015) e na Coreia do Sul (31.363 USD, 2018)?

A teoria económica recuperou recentemente a perspetiva institucional que olha para as leis da sociedade, o “ethos”[4] e as instituições para avaliar a prosperidade e a sua ausência, a pobreza, das nações. Estabelecendo uma linha separadora entre nações com instituições inclusivas – “fazem respeitar direitos de propriedade, criam condições equitativas para todos e incentivam o investimento em novas tecnologias e competências”[5] ou extrativas – “estruturadas de modo a permitir que uns quantos indivíduos extraiam recursos à maioria e não protejam os direitos de propriedade, nem geram incentivos para a atividade económica”5, estabelece que só as primeiras são suscetíveis de conduzir à criação de riqueza e nesse sentido de desenvolver as nações.

É com este instrumento que pode ser compreendido o Brexit. As instituições fazem parte dos Artefatos da Cultura de uma Nação como vimos anteriormente, num mundo que enfrenta uma mudança tecnológica a um ritmo sem precedentes, subjacente à 4ª revolução industrial. Ao contrário das anteriores (2ª e 3ª revoluções[6]), a mecanização, com a inteligência artificial, a robotização, a impressão 3D, entre outras, vieram provocar a substituição do fator-trabalho e não potenciar como antes. A 4ª revolução está a aumentar, a curto prazo, os níveis de desemprego e desigualdade social, gerando uma onda de ansiedade e incerteza sobre o futuro da classe média, sem se vislumbrar as novas oportunidades de emprego, que irá seguramente gerar, mas com a certeza que imporá um nível de conhecimento e iniciativa muito superiores aos padrões anteriormente existentes.

As reações institucionais são diversas. Nos Estados Unidos com a eleição de Donald Trump e o revogar indiscriminado de tratados comerciais do século passado, na Europa as divagações do populismo à direita e à esquerda e no Reino Unido a saída da União Europeia, são algumas das manifestações sociais mais recentes, desse estado de ansiedade e incerteza generalizado. Muito se tem escrito e dito sobre as consequências da decisão do Reino Unido de abandonar a União Europeia, mas em todas o elemento comum será o retrocesso económico do país. Visto a partir da Madeira, onde os mercadores ingleses foram sempre uma referência de desenvolvimento, mas de uma forma generalizada em todo mundo, parece-nos estar a escapar alguma coisa às análises, suscitando-nos a questão seguinte: Por que razão o Reino Unido, pioneiro do sistema industrial que hoje conhecemos (berço da 1ª revolução industrial), nação que, através da magna carta, limitou o poder das instituições, dando voz ativa aos cidadãos, vem pôr em causa um dos projetos mais relevantes da humanidade, na prossecução da paz, justiça, desenvolvimento e solidariedade?

[1] considerado o pai do conceito moderno (ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_Burnett_Tylor)
[2] Ver https://www.pewforum.org/2014/04/04/religious-diversity-index-scores-by-country/
[3] Acemoglu, D., Robinson, J., Porque Falham As Nações (2013), Temas e Debates – Círculo de Leitores.
[4] Descreve as crenças que guiam ou os ideais que caracterizam uma comunidade, nação ou ideologia.
[5] Idem 3.
[6] A 2ª com a introdução da eletricidade e a produção em massa e a 3ª com a eletrónica e Tecnologias de Informação (TI) para aumentar a automação da indústria.

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