Passados 44 anos da revolução do 25 de Abril ainda subsistem, na sociedade portuguesa, estereótipos bafientos sobre a agenda política à direita e esquerda (esta dicotomia é desde logo anacrónica). Se os temas do Ambiente, da Ciência e da Igualdade já deixaram de pertencer à coutada do PS, no que à Cultura diz respeito os partidos não socialistas ainda têm trabalho a fazer. Porém, um estereótipo é frequentemente responsável por generalizações e consequentes perceções erradas da realidade. É o que sucede com a agenda cultural do executivo socialista na Câmara Municipal de Lisboa (CML).

Ninguém duvida da ortodoxia socialista de Fernando Medina (basta recordar a coligação do PS com o BE na governação da CML), mas não é suficiente ser de esquerda para ter o monopólio da Cultura (um sofisma alvitrado, amiúde, pelo PS). Lisboa tem uma agenda cultural variada e eclética, graças aos seus agentes e ao facto de na capital existirem teatros e museus nacionais, fundações e mecenas, protagonistas de uma dinâmica única no país. Com efeito, o presidente da CML tem-se limitado ao papel de corta-fitas em eventos artísticos, sendo difícil reconhecer-lhe obra ou estratégia para a Cultura.

Este sector requer planeamento estratégico e uma visão empresarial, que integre: agentes públicos e privados; artistas e mecenas; talentos consagrados e emergentes; património cultural e natural; universidades e empresas; arte e ciência; mercado nacional e internacional.

É crucial definir a missão da Cultura e traçar objetivos claros e realistas para o horizonte de planeamento. De entre as várias opções possíveis, considero que despontam três macro-objetivos estratégicos (agregadores de várias metas): i) formação e entretenimento; ii) valorização do património; e iii) internacionalização.

No que diz respeito ao primeiro objetivo, é para mim evidente que um dos atributos mais relevantes da música clássica, das artes do espetáculo, do teatro e do cinema, consiste na formação e promoção do pensamento abstrato. Os concertos de música clássica não podem ser um monopólio das elites intelectuais. A ida a uma ópera ou a uma jam session tem de ser algo tão natural como a participação num festival de música pop. É dever da CML promover a retirada de barreiras sociais à participação em concertos de música clássica ou de jazz, desde logo pela vertente educativa, através do reforço da divulgação das escolas de música e de bailado junto dos estabelecimentos de ensino do concelho.

O segundo objetivo – incontornável – da política cultural reside no convívio harmonioso entre o património arquitetónico, o urbanismo, a ecologia e a mobilidade sustentável. Recordo, neste âmbito, o visionário projeto do Prof. António Lamas para o “Distrito Cultural de Belém” (alvo de “terraplanagem” pelo PS no governo e na CML).

O terceiro objetivo, suprarreferido, refere-se ao posicionamento internacional da cidade. Lisboa adquiriu nos últimos anos um protagonismo turístico assinalável. É, com efeito, fundamental aproveitar esta oportunidade para enquadrar Lisboa como um centro cultural e artístico vibrante, com prémios e bolsas de mérito internacionais, um regime fiscal adequado à criação artística e um plano de comunicação articulado com a estratégia turística.

Elaboro estas propostas com a liberdade (e eventualmente atrevimento) de quem não trabalha no sector da Cultura, mas com a inabalável convicção de que a atividade artística fomenta o raciocínio lógico e alavanca o desenvolvimento socioeconómico de um país.