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Custos na construção não permitem vender abaixo dos 3.750 euros por m2

Os valores dos terrenos, a falta de mão-de-obra, a burocracia, a carga fiscal e o aumento do custo da construção, são alguns dos principais responsáveis pelo aumento dos preços das casas em Portugal.
19 Novembro 2018, 07h10

Os preços das casas estão elevados, sobretudo em Lisboa, as razões passam, na opinião dos especialistas, pela procura superar a oferta e o crescente investimento estrangeiro que coloca a fasquia mais alta. Fala-se na ‘bolha’ mas o que existe de facto é alguma especulação de preços em algumas zonas, especialmente na capital portuguesa.

O boom imobiliário tem de facto assustado o mercado, sobretudo a maioria das famílias portuguesas que deseja comprar casa. Os números falam por si. Três das 24 freguesias de Lisboa registaram preços de casas superiores a 3.500 euros por metro quadrado (m2) no segundo trimestre deste ano, enquanto no Porto o valor mais elevado foi de 2.142 euros/m2, de acordo com o INE Instituto Nacional de Estatística.

Ainda segundo os dados apurados pela Confidencial Imobiliário, no âmbito do Índice de Preços do Centro Histórico de Lisboa, no primeiro semestre deste ano, os preços das casas no Centro Histórico de Lisboa atingiram máximos de 10 anos e estão já 68% acima do patamar de 2008. Face ao ponto mínimo de mercado, registado no 1º semestre de 2013, os preços mais do que duplicaram (+106%).

Mas quando questionamos os promotores sobre esta subida dos preços, a resposta é unânime: Os custos de construção são também cada vez mais elevados. De facto, de acordo com os últimos dados do INE, os custos de construção de habitação nova subiram 1,4% em Agosto face ao período homólogo de 2017, idêntico ao crescimento observado em Julho. Os preços dos Materiais tiveram “uma variação de 1,5% em relação a idêntico mês do ano anterior”, por sua vez, “o custo de mão-de-obra registou uma variação homóloga de 1,4%, igual à do mês precedente”.

São várias as componentes que engrossam a lista de custos de qualquer projeto. Para que o promotor tenha uma margem de lucro, a base está no que tem de investir para colocar de pé o empreendimento.

Entre eles, o grave problema da falta de mão-de-obra, revela Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da APPII – Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários, assim como os custos excessivos com todo o processo de licenciamento camarário no nosso País (principalmente Lisboa e Porto) “e onde se incluem os custos colossais com o tempo nele perdido (sim, “tempo é dinheiro”…) e que tende a aumentar todos os anos e o aumento crescente dos custos de construção, com especial preocupação para o enorme custo que representa o IVA e em que Portugal é um caso isolado na Europa”.

Para José Cardoso Botelho, diretor executivo da Vanguard Properties, uma das empresas que mais projetos tem neste momento em construção em Portugal, os preços de construção têm vindo a aumentar nos últimos dois anos devido ao aumento da procura e a escassez de mão-de-obra qualificada. “O mercado Algarvio é atualmente o mais oneroso em termos nacionais devido à falta de mão-de-obra. Na zona norte, os preços são mais competitivos exceto no Porto. Em Lisboa o preço mínimo, hoje, rondará os 1.000 euros por m2 mais IVA para construção nova, podendo esse aumentar de forma acentuada dependendo da complexidade do projeto e nível dos acabamentos, visto que, menos de 30% do valor é relativo à estrutura. Para projetos de elevada qualidade, não é incomum o preço de custo total superar os 6.500 euros por m2 de área vendável.

O responsável adianta ainda que a maioria dos promotores procura obter uma taxa interna de rentabilidade (TIR) na ordem dos 15%, sendo para tal, crítico a rapidez de aprovação e de execução dos projetos.

“De salientar que o mercado quase sempre discute o preço por m2. Ora, é importante referir que as áreas comuns podem representar entre 9% e 15% da área e que as garagens e arrecadações não são vendidas (exceto se frações autónomas), pelo que, com frequência são, erradamente, comparados preços de m2! Por outras palavras, são construídos 15% a 35% mais m2 dos vendidos ao cliente final, aumentando por isso o custo médio por m2 efetivamente vendido”, assegura.

 

Valores dependem muito da localização

José Cardoso Botelho adianta ainda que o valor de venda por m2 depende muito da localização, factores de valorização (vistas, parqueamento, acessos, transportes, etc.). “No entanto, considerando os preços atuais dos terrenos, construção e impostos, é praticamente impossível vender abaixo dos 3.750 euros por m2, sendo que este valor poderá aumentar muito substancialmente dependendo da localização e da qualidade dos acabamentos, podendo facilmente atingir os 6.000 euros”, garante.

Também João Sousa, CEO da JPS Group, promotor de vários empreendimentos em Lisboa, explica que construir em Portugal, em alguns casos pode atingir valores exorbitantes. O investidor refere algumas das etapas deste processo. “Para dar uma ideia de todo o processo, até chegar ao momento de se conseguir obter uma Licença de Construção tem que se percorrer um caminho longo e muitas vezes demasiado demorado”. No caso da Obra Nova por exemplo, quando se avalia um terreno para construir e este não tem qualquer projeto aprovado, tem que submeter um pedido à respetiva Câmara Municipal chamado de Pedido ou Plano de Informação Prévia, onde se explica o que se pretende construir e saber se é possível. A Câmara responde com um documento informativo, regra geral deveria ser em 30 dias mas os atrasos geralmente começam logo nesta fase. Depois de aprovado terá que executar um levantamento topográfico e respetivo projeto de arquitetura e submeter a aprovação.

“Caso o projeto de arquitetura seja aprovado (pode demorar vários meses a conseguir aprovação, sendo que muitas vezes a câmara não aprova certos detalhes do projeto e o processo volta sempre ao início por cada vez que é recusada uma proposta de arquitetura), temos que elaborar e submeter à aprovação os projetos de especialidades, ou seja, projetos de esgotos, água, gás, comunicações, eletricidade, etc. Também esta aprovação pode demorar vários meses a ser dada.

Após os projetos aprovados, procede-se ao pedido de Licença de Construção que será emitida pela câmara e que nos permite iniciar a construção pretendida. Neste longo percurso, que pode demorar até dois anos, existem todos os custos de Arquitetura, Engenharia e Taxas camarárias. Esses custos podem variar de projeto para projeto e de câmara para câmara mas apontando um valor médio, diria que nesta fase o custo será aproximadamente de 150 euros/m2, ou seja, se eu quiser aprovar um projeto com 3000 m2, por exemplo, isso terá um custo inicial de 450.000 euros, ainda sem ter iniciado a construção”, informa.

Depois para começar a obra o promotor precisa de adjudicá-la, fazer um pagamento inicial de adjudicação que dependendo de vários factores pode andar à volta de 20% do valor total de custo de obra. Também tem que se pagar um seguro e ter um Engenheiro Civil responsável, que pode ser ou não o Coordenador de segurança de obra, se não for, é obrigatório contratar um.

O Engenheiro Civil fica responsável pelo Livro de Obra até à conclusão da mesma. Este Livro é como se fosse um “diário” onde é registado tudo o que se passa na obra, e tem que estar disponível para consulta por parte de qualquer interveniente na empreitada, e disponível também para mostrar em âmbito de fiscalização externa, por parte dos fiscais da câmara. Quando a obra terminar, se existirem alterações durante a construção, tem que se comunicar à autarquia as alterações feitas e submeter novamente à aprovação. Caso não sejam aprovadas, tem que se desfazer o que foi feito e voltar ao projeto inicial aprovado. Caso esteja tudo conforme, apresentam-se as Telas Finais, assim como as vistorias e certificações de águas e esgotos, e é solicitado o Alvará de Licença de Utilização, apenas nesta altura podemos proceder à Escritura dos imóveis.

“Como todo este processo, entre a fase inicial e a escritura, pode demorar, a correr tudo bem, cerca de dois anos, todos os custos são imputados à obra, e são difíceis de quantificar de uma forma geral, sem que tenha que ser avaliado projeto a projeto”.

João Sousa, revela que em contas muito por alto e tendo em conta a conjuntura atual, para realizar um projeto de luxo dirigido à classe média/média alta portuguesa, e dando como exemplo um promotor que compre um terreno fora do centro mas relativamente bem localizado a 500 euros/m2, vai ter que contar com custos finais, entre o projeto e construção, infraestruturas e espaços comuns ao empreendimento e de utilização pública, à volta dos 1200 euros/m2 (com o Iva a 23% dará cerca de 1500 euros/m2), o que daria neste exemplo um valor de aquisição e compra à volta de 2000 euros/m2. “Este tipo de projeto que acabou de ser exposto, atendendo ao custo de aquisição dado como exemplo, não se deverá conseguir vender a “valores médios” superiores a 2200 euros/m2, ou seja, neste exemplo já estamos a falar de um T3 com 140 m2 a custar cerca de 300.000 euros”, salienta o promotor.

O responsável garante que em média, neste tipo de projeto, a margem de um promotor andará à volta dos 20%, tendo no entanto que ser retiradas destas margens, os custos de marketing e comercialização, além da carga tributária.

Hugo Santos Ferreira refere ainda os custos da burocracia, que é excessiva no imobiliário. Se por um lado Portugal está mais competitivo de acordo com o Ranking de Competitividade do Fórum Económico Mundial, a verdade é que entre os problemas sempre apontados está ainda a “burocracia”.

“A burocracia é sinónimo de corrupção e num momento em que tanto se fala de combate ao branqueamento de capitais, um bom passo a dar é precisamente diminuir a burocracia. Temos chamado a atenção dos decisores públicos para esta situação e para a necessidade de tornarmos o nosso País mais friendly das empresas. O caso do licenciamento camarário voltou a registar níveis de burocracia de outros tempos…”, alerta o responsável.

 

Preços dos terrenos demasiado elevados

José Cardoso Botelho, também aponta que as principais dificuldades são o preço elevado dos terrenos ou dos imóveis a reabilitar e a crescente dificuldade, de aprovação dos projetos nas grandes urbes, num prazo aceitável. O aumento do prazo médio de realização de um projeto torna mais difícil a sua previsibilidade, rentabilidade e financiamento. Por fim, o setor, é tremendamente afetado pela atual elevada carga fiscal quer de impostos quer de taxas de todo o tipo”. O diretor da Vanguard revela que o custo do terreno ou do imóvel a reabilitar, rondará os 25% a 35% do custo total. O custo de projeto rondará os 3,0 a 4,00%. A mediação imobiliária rondará os 4,5%. O demais subdividido entre o custo da construção, taxas e impostos, especialmente o IVA que não é dedutível neste setor, correspondendo à 2ª ou 3ª rubrica mais importante em termos de custos.

Segundo João Faria, presidente da AICE – Associação dos Industriais da Construção de Edifícios, cada concelho “é como uma “quinta” burocrática e existem muitas burocracias, demasiadas burocracias, projetos, termos, papéis e papelinhos. Mesmo quando se tem a atividade e as empresas devidamente estruturadas e preparadas existem divergências entre processos”. O responsável adianta que para que se perceba, construir um prédio num determinado concelho tem muitas diferenças em relação à construção do mesmo prédio em qualquer outra zona do país, o que não era suposto acontecer.

Acrescenta também a questão fiscal,  “como todos nós sabemos, no nosso país, a estabilidade fiscal nesta atividade não existe, isto quer dizer que hoje temos uma determinada carga fiscal e amanhã essa mesma carga é acrescida. Ora aparece mais um imposto, mais uma taxa, mais um agravamento do outro imposto, enfim, é uma constante de aumentos de impostos neste setor”.

João Faria, reforça também o problema da ”falta de mão-de-obra qualificada, que neste momento, o crescimento do setor levou a uma enorme procura e devido aos ‘anos da crise’, muitos profissionais abandonaram o País, sendo que neste momento o mercado para conseguir ter profissionais tem de pagar muito mais”.

Voltando à questão: Será que compensa construir em Portugal? “Na nossa humilde opinião, sim ainda compensa, cada vez menos, mas ainda compensa”, conclui o presidente da AICE.

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