O ano passado pode dizer-se que foi um marco no processo de se atingir a paridade entre homens e mulheres. E não, não estou a falar de todos os escândalos de assédio sexual envolvendo o ex-poderoso de Hollywood Harvey Weinstein, que está a ser acusado por mais de 70 mulheres nos Estados Unidos e também outras dez em Inglaterra, por agora; e que está paulatinamente a deixar exposta uma carreira de predador que, essa sim, arrisca-se a dar um filme.

Li as declarações de uma antiga empregada da Miramax, que acusou Weinstein de assédio sexual ainda nos anos 1990, e que dizia agora que mais vale tarde do que nunca: “Foram precisos 20 anos para que se falasse, mas pelo menos tornou-se público”. Vale, nem que seja pela proteção futura de todas as mulheres – e homens, que é preciso não esquecer que também houve escândalos denunciados no seguimento deste que envolvem homens como vítimas de assédio – que pudessem ser empurradas para esta situação.

Pois bem, o marco que atingimos em Portugal levou bem mais de uma vintena de anos a alcançar; por si só não quer dizer nada, a não ser que é possível, que existe essa possibilidade, o que deveria ser de uma imensa naturalidade, mas não é; faz parte de um processo que vai andando, devagar, passo a passo. É verdade que raramente vemos progressos que sejam visíveis e que os impedimentos continuam a ser imensos, visíveis e, principalmente, os piores de todos, os invisíveis, aqueles de que nem nos apercebemos (regressarei a isto no futuro) e que são verdadeiras cangas que carregamos.

O que aconteceu no ano passado, em Portugal, foi que, pela primeira vez, o número de mulheres designadas pelo Governo para cargos superiores na Administração Pública ultrapassou o dos homens. Isso mesmo, segundo a Comissão de Recrutamento e Seleção para Administração Pública, em 2017, o Governo selecionou 12 mulheres para lugares de responsabilidade na função pública e só oito homens. Dito de outra forma, 60% das nomeações foram mulheres e apenas 40% homens.

Levou tempo, imenso, que apenas há três anos, em 2015, o panorama era diferente: 70% dos nomeados foram homens. No entanto, uma nota: na pré-seleção para fazer a lista de três nomes de dirigentes da administração pública aptos para o cargo a prover, os homens continuaram a imperar. Isto apesar de, desde 1986, a maioria no ensino superior ser feminina, todos os anos. No ano passado, 53,6% dos estudantes universitários eram alunas; e em 2003 chegaram a ser 57,2%, ou seja, 226.860 mulheres. Mas não se refletia na função pública, que teimava em ser uma dependência do “Clube do Bolinha”, onde, como toda a gente sabe, “menina não entra”.