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Da minha alegre casinha

Em Portugal, sobre um imóvel, já podiam recair diversas formas de rentabilização, se pensarmos do lado do proprietário, que o podia arrendar, ou explorar sob o regime de alojamento local, ou de fruição, por parte daquele que o arrenda de uma forma duradoura, ou procura alojamento de uma forma temporária e/ou esporádica.
22 Janeiro 2020, 07h15

Não, não nos vamos debruçar sobre a análise da música “A minha casinha”, lançada pela banda portuguesa Xutos & Pontapés em 1988, a casa que nos traz aqui hoje é outra, e pode ser a sua, quer seja proprietário de um imóvel habitacional, quer se encontre à procura da sua nova morada.

Em Portugal, sobre um imóvel, já podiam recair diversas formas de rentabilização, se pensarmos do lado do proprietário, que o podia arrendar, ou explorar sob o regime de alojamento local, ou de fruição, por parte daquele que o arrenda de uma forma duradoura, ou procura alojamento de uma forma temporária e/ou esporádica.

A isto, o Estado português juntou desde 10 de Janeiro de 2020, o Direito Real de Habitação Duradoura, um novo paradigma para quem procura habitação permanente, que tem como principal característica a sua potencial natureza vitalícia.

Nas faculdades estudamos que o direito tem normalmente aversão a obrigações vitalícias, por limitarem a liberdade de quem as assume motivado por uma conjuntura, sem se poder desvincular das mesmas quando a mesma se altera. A título de exemplo, o contrato de arrendamento tem como prazo máximo 30 anos, e é imperativamente reduzido àquele prazo quando celebrado por duração superior.

Mas o que nos traz o legislador com Direito Real de Habitação Duradoura para tornar atrativo, quer para o proprietário, quer para quem procura uma habitação, o estabelecimento deste tipo de contrato?

No Direito Real de Habitação Duradoura, o proprietário recebe como remuneração uma contrapartida pecuniária, correspondente à renda no contrato de arrendamento. Em que termos? A contrapartida é estabelecida com carácter mensal, e anual. O morador, assim se chama o “arrendatário” neste novo regime, pagará uma prestação pecuniária mensal por cada mês de duração do contrato, cujo montante é estabelecido por acordo, e está sujeita a atualização anual nos termos a definir pelas partes, e ainda uma outra prestação pecuniária anual, por cada ano efetivamente decorrido desde o décimo primeiro ano até ao final do trigésimo ano, correspondente a 5 % da caução inicial e paga através de dedução da caução constituída aquando da celebração do contrato.

A caução também de natureza pecuniária é estabelecida, por acordo entre as partes, entre 10% e 20% do valor mediano das vendas por m2 de alojamentos familiares, por freguesia, na localização da habitação de acordo com a última atualização divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística.

E é mesmo vitalício? Não, não é, apenas o proprietário assume a obrigação vitalícia de “arrendar” o imóvel, o morador pode renunciar livremente ao Direito Real de Habitação Duradoura através de comunicação de renúncia remetida ao proprietário, por carta registada com aviso de receção, com uma antecedência mínima de 90 dias em relação à data de entrega da habitação.

Naturalmente, além desta renúncia, é igualmente causa de cessação a resolução com justa causa pelo proprietário, por mora no pagamento das contrapartidas mensais por parte do morador, num período superior a 60 dias.

Aqui chegados a questão impõe-se, é o regime do Direito Real de Habitação Duradoura substancialmente diferente do regime do contrato de arrendamento que justifique a sua instituição como alternativa relevante no âmbito das políticas habitacionais? Enquanto regime contratual entre proprietário e morador, nesta sua primeira veste, não identificamos características diferenciadoras que justifiquem a celebração de contratos nestes termos. Aliás, para o morador, o pagamento a largo prazo de um imóvel que nunca adquirirá coloca amplamente em causa a racionalidade económica deste contrato, que na sua constituição é pecuniariamente exigente por força do valor da caução a constituir aquando da sua celebração.

Mas e fiscalmente? Será a tributação de pessoas e empresas bonificada nesta sede, face à que em condições análogas ocorre no âmbito do contrato de arrendamento? E qual a estabilidade dessa tributação bonificada? Pode um proprietário em 2020 decidir explorar o seu imóvel segundo este regime, com a segurança de que lhe é fiscalmente mais favorável do que o regime do arrendamento em 2035? Apenas a política fiscal da habitação a consagrar já no Orçamento de Estado de 2020, mas também no dos próximos anos nos poderá responder a essa questão.

Em suma, reais interrogações deixa-nos este novo regime, veremos quão duradouras serão.

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