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Danos reputacionais são prioridade no mundo. Em Portugal ainda não

Imagine um ataque cyber, um dano ambiental, uma operação de M&A (fusões e aquisições) e uma declaração de um diretor, um administrador, ou até de um mero colaborador de empresa.
28 Julho 2019, 18h00

Os danos reputacionais são a preocupação nº dois para os gestores questionados pela broker AON no relatório “Global Risk Management Survey” de 2019. No ano anterior era o risco nº um e só perderam a liderança para o tema da volatilidade da economia mundial que passou a ser a grande preocupação.

Curioso que o risco de danos reputacionais está a aumentar no sudoeste asiático, com destaque para as economias emergentes, em detrimento das economias desenvolvidas e isso deve-se ao facto de a Europa e os EUA continuarem a adotar procedimentos em termos de governance que vão mitigando os estragos.

Mas o que são danos reputacionais? Estes, tal como quaisquer outros danos morais, são suscetíveis de serem indemnizados, explica a professores da Faculdade de Direito da Universidade Nova, e presidente da seção portuguesa de AIDA (Associação Portuguesa do Direito dos Seguros), Margarida Lima Rego. E, quando se fala de danos reputacionais a nível de seguros o objetivo “não é compensar as pessoas pelo sofrimento mas sim proporcionar-lhes os meios para que em face desses danos seja possível minimizá-los”, explica ainda Margarida Lima Rego. Acrescenta que “os bons seguros de danos reputacionais proporcionam os meios financeiros e também técnicos. As seguradoras têm conhecimentos para saber quem são as esquipas especialistas em comunicação, advogados, informáticos e paga-lhes para minimizarem a situação. Mas a componente financeira não é tudo. O objetivo das coberturas é ajudar as pessoas a reagir perante tudo o que seja lesivo para a sua reputação”.

Mas voltando ao survey da AON aquilo que mais preocupa os gestores é o abrandamento económico, algo que em 2017 era o segundo tema, depois de há 10 anos ter sido o maior problema dos gestores. Curioso que o terceiro tema de preocupação é as alterações no mercado com a política comercial errática dos EUA versus o Reino Unido e versus a China, ou ainda as alterações regulatórias, os conflitos geopolíticos em larga escala que se avizinham, a turbulência financeira, a par dos avanços tecnológicos e que implicam investimentos consideráveis a nível de desenvolvimento. Ora era a preocupação nº 38 em 2017 e em 2019 é o terceiro tema.

Os danos reputacionais são a segunda preocupação e as razões são evidentes e relativamente simples e estão ligadas à boa governação das empresas, ao comportamento dos gestores e mesmo de funcionários com nível intermédio, e sobretudo, ao impacto dos social media no público consumidor, quer de produtos, quer de serviços. E recorrendo ao mesmo relatório da AON é fácil encontrar exemplos que levam os gestores a consideram os danos reputacionais como um dos três riscos mais relevantes para a sobrevivência das empresas e dos próprios gestores. Falam de grandes coberturas de escândalos corporativos, caso de um recall feito por um retalhista gigante francês com produtos onde foram detetadas salmonelas; ou ainda a cobertura jornalística de um processo movido pelo Departamento de Justiça americana contra profissionais da área da saúde que receitaram um opiáceo ilegal; ou ainda a resignação de um administrador executivo de um banco europeu que praticou atos que configuram lavagem de dinheiro. Estes são alguns exemplos com exposição ao nível do risco reputacional e que afetam perigosamente as organizações. Ou ainda ligado aos ataques cibernéticos há um tema de momento relevante e que são as “fake news” e que ilustram o perigo da conexão entre notícias virais e a perceção dos riscos associados. A AON frisa que com uma simples pesquisa no Google aparece uma longa lista de notícias falsas que se tornaram virais e que afeta todos os setores da atividade económica, desde gigantes tecnológicos, retalhistas internacionais, linhas áreas, hospitais e instituições públicas. O cyber risk é o número seis da lista das preocupações neste survey da AON e a projeção dos analistas da broker levam-nos a acreditar que nos próximos três anos este problema estará entre os três mais relevantes. Aliás, um relatório de 2018 do World Economic Forum, citado no mesmo estudo, conclui que que os ataques cibernéticos, com consequências a nível reputacional, são já considerado o problema nº um para os gestores e empresários nos EUA e no Canadá. Um outro relatório da Symantec, um gigante nas TI, revela que os EUA forma o país mais afetado por ataques cibernéticos entre 2015 e 2017, com 303 ataques em larga escala. Para alterar a orientação destas tendências o Facebook está a usar a tecnologia de Blockchain para detetar e eliminar as “fake news” no setor dos media e que estão a atrair cada vez mais público que está interessado em setores tecnológicos disruptivos.

 

 

Marcas e reputação
Este tipo de cobertura ajuda as pessoas a reagir, reforça Margarida Lima Rego. Diz a professora universitária diz que este tipo de cobertura pode aplicar-se a operações de fusões e aquisições (M&A). “Não é o mais típico, mas podemos estar a falar de um grande grupo que adquire a empresa, faz a “due diligence” e descobre um problema grave depois da compra pois quem geria praticou um crime ambiental. Entretanto a companhia foi comprada e esta situação é suscetível de afetar a imagem do grupo comprador. O que permite um seguro de danos reputacionais é potenciar o acesso a especialistas de comunicação, algo que é uma componente fundamental para recuperar a credibilidade.

Por outro lado, permite disponibilizar meios para reagir em tribunal, não só para defender para também para atacar. Os lesados podem ser os gestores mas também os acionistas que querem que a conduta da companhia seja a todos os níveis a mais correta e precisam de apoio para limpar a imagem”. E continua a docente com outros exemplos que vão para além do cyber risk e do M&A, e dá o exemplo de um problema concorrencial. O exemplo mais corrente pode acontecer com a Autoridade da Concorrência que pode descobrir, e eventualmente acusar, um grupo de práticas anticoncorrenciais, sendo que aqui qualquer conduta de um funcionário é suscetível e configurar este tipo de crime”. Um exemplo comum pode acontecer com uma bebida contaminada, havendo responsabilidade por um produto defeituoso sendo que a nível reputacional as consequências são brutais.

André Vicente, da corretora MDS, salienta a importância deste tipo de coberturas para as operações de M&A e para os atos de administradores e diretores, a par do cyber. O objetivo “é a reconstrução da imagem e o controlo da crise, existindo linhas financeiras para o controlo deste tipo de danos”. O exemplo paradigmático que dá é conhecido de todos: o construtor automóvel VW com a crise relevada com o a questão das emissões de NOx nas motorizações dos seus veículos. O impacto foi grande sobre a fiabilidade da marca, reforçou. A nível da responsabilidade civil de administradores e diretores o código das Sociedades Comerciais fala da responsabilidade dos gestores que pode ser um terceiro e que trabalha para a sociedade. No M&A haverá necessidade de uma “warranty” pelo lado do “buyer” mas também do lado do “seller”. E isto porque em caso de incumprimento haverá uma compensação contratualizada, sendo que o contrato de seguro “funciona em cima ou em substituição do contrato que não foi cumprido”.

Recuperando o survey da AON relativo a 2019 são dados mais alguns exemplos dos danos reputacionais em pessoas, marcas e instituições. Um exemplo que foi publicado nos media e relativo ao verão de 2018 em que um relatório que circulava nos social media dava conta de uma centena de estudantes de uma importante universidade que alegava que o pessoal médico da vertente de desporto da universidade teria alegadamente praticado abusos sexuais ao longo dos últimos 20 anos. Este foi um dos casos graves em universidades americanas e onde aconteceram também casos de assassínios e violência com armas de fogo. Um documento da Harvard Business School, citado pela AON, revelava que um escândalo deste tipo quando ampliado pelos media internacionais poderia resultar numa quebra da ordem dos 10% de inscrições no ano letivo seguinte. Mas foram dados outros exemplos que sacrificaram a imagem das marcas e tiveram reflexos nas vendas como foi o caso de uma grande companhia retalhista que fez a recolha de sete mil toneladas de alimentos para crianças que estavam contaminados e numa operação que envolveu 80 países, ou ainda o escândalo que aconteceu nos EUA de prescrição de medicamentos por parte de médicos induzidos por farmacêuticas. Conclui a AON que os setores que estão expostos ao risco de danos patrimoniais vão da educação, ao investimento e finanças, passando pelo farmacêutico, biotecnológico, consultadoria, empresas de serviços, restaurantes ou comércio e retalho.

E se no mundo ocidental o tema está as ser relativamente controlado com modelos de governança mais transparentes e rigorosos, constata-se uma mudança de preocupação com este tema com as empresas da Ásia-Pacífico e onde o risco de reputação poderá vir a ser o problema nº um que as companhias irão enfrentar. E isto acontece depois do Departamento de Justiça ter atuado contra o gigante chinês de eletrónica Huawei por violação das sanções impostas pelos EUA contra o Irão, ou ainda depois da acusação de fraude conta o ex-chairman da Nissan no Japão, Carlos Ghosn. E, recorda a AON, a má publicidade com efeitos reputacionais não vem apenas de um grande escândalo, ou de um negócio multinacional, pode vir de um pequeno vídeo-clip de um produto defeituoso ou um tweet mal calculado enviado a meio da noite por um CEO de uma pequena empresa tecnológica. Conta-se no survey que num caso real o referido CEO perdeu o emprego, ativou uma inspeção da SEC, o polícia da Bolsa de Valores americana, e criou danos irreparáveis na reputação da sua empresa. Quando os escândalos envolvem grandes empresas a situação tende a piorar em termos relativos e um outro exemplo foi dado por um executivo sénior de um grande banco com sede em Malta e que revelou o impacto reputacional quando foi noticiado que várias instituições financeiras no país estariam a ser investigadas em esquemas de lavagem de dinheiro. O resultado foi uma perda de proveitos da ordem dos 23% na sua divisão em consequência de algo que afetou todo o setor financeiro do país. E curiosamente este risco que internacionalmente é o segundo mais importante para os gestores estava, quanto muito, destinado a chegar ao 6º lugar como mais relevante no survey de 2017. Várias circunstâncias inesperadas catapultaram este tipo de receio para os dois primeiros lugares. Afirma-se ainda no survey que durante uma crise reputacional é possível reagir ou manter-se simplesmente proativo, mas os drivers de atuação durante este tipo de sinistro devem assentar numa comunicação de crise imediata e global; sendo essencial assumir a total honestidade e transparência; e ter presente a responsabilidade social perante a comunidade.

A mesma ideia está presente nas declarações de João Mendonça, Chief Commercial Officer, da broker AON. Diz este gestor que “se medirmos o sucesso pós-crise, por exemplo, através da cotação da ação da empresa, encontramos exemplos de empresas que ultrapassaram uma crise reputacional e pouco depois registaram aumento da cotação da ações, como a Samsung após o recall do Galaxy Note 7, em 2016”. E sobre alterações do modelo de negócio depois da assunção deste tipo de danos o mesmo gestor fala da Pinterest e na forma como lida contra a proliferação da desinformação. Diz que há vários casos “em que um incidente reputacional obrigou empresas a assumirem uma posição que na maioria dos casos já se enquadrava nos seus valores, mas na gestão desse incidente tomaram medidas, reforçando a sua atitude perante a questão que o originou”.

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