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Das greves à ‘compra’ de dois dias extra de férias. O que vai mudar com a reforma laboral?

Conheça os seis principais temas da legislação laboral onde o Governo quer mexer. Anteprojeto aprovado em Conselho de Ministros, e apresentado aos parceiros sociais como ponto de partida para a negociação, prevê alterações em mais de cem artigos do Código de Trabalho.
28 Julho 2025, 07h00

O Governo deu o tiro de partida no que entende ser uma “profunda” reforma da legislação laboral, apresentando aos parceiros sociais um pacote de várias medidas sobre 30 temas chave (Trabalho XXI), que vão desde a garantia de serviços mínimos em setores essenciais, à possibilidade de compra de dias extra de férias, passando pelo fim dos limites ao outsourcing ou a alteração dos prazos nos contratos a termo.

Segundo revelou a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, o anteprojeto aprovado pelo Governo, que se propõe a olhar para mais de cem artigos do Código do Trabalho, a rever nove diplomas legais complementares e a transpor duas diretivas europeias sobre salários mínimos adequados na União Europeia e condições de trabalho em plataformas digitais. Para os patrões, as propostas que a ministra levou para a concertação social são uma “boa base de negociação”.

Opinião diferente têm os sindicatos, com a CGTP a assinalar que “estamos perante uma tentativa de assalto aos direitos dos trabalhadores” e  UGT a concordar que algumas propostas fragilizam os trabalhadores”. O PS já fez saber estar em desacordo com as alterações propostas por considerar representarem um “retrocesso de 10 anos” e  um regresso “por convicção” da agenda da troika.

Quais são as principais alterações que o Governo quer levar a cabo?

Serviços mínimos nas greves

O Governo quer assegurar serviços mínimos nas greves dos setores essenciais e alargá-los a lares e creches. “Serviços mínimos que, não deixando de ser mínimos, têm naturalmente de ser eficazes para que, respeitando na íntegra o direito da greve, não deixem de respeitar outros interesses igualmente fundamentais”, disse Palma Ramalho, assegurando que as propostas do executivo “não beliscam em nada” o direito dos trabalhadores à greve.

Já depois da concertação social, a ministra frisou que a ideia é “ser um bocadinho mais exigente quanto à definição dos serviços mínimos, mas sem riscar o direito à greve”, e tornando-o “apenas combatível com outros direitos fundamentais”, nomeadamente o direito à saúde, ao trabalho ou “a circular”.

Questionada pelos jornalistas sobre se os serviços considerados imprescindíveis e essenciais mantêm-se, referiu que na proposta do Governo “há uma nova área que é a área de cuidado a crianças e a pessoas doentes ou portadoras de deficiência”, incluindo as que estão em cuidados continuados e confirmou que nesta área cabem também, por exemplo, as creches e os lares. Sobre se as escolas podem vir a estar incluídas também, fonte governamental admitiu: “não está ainda definido”.

No anteprojeto, consta ainda a intenção de alargar os serviços mínimos ao abastecimento alimentar e aos “serviços de segurança privada de bens ou equipamentos essenciais”.

A confirmar-se a vontade do Governo, estes setores juntam-se aos que já hoje têm serviços mínimos assegurados em caso de greve, tais como os correios e telecomunicações; serviços médicos, hospitalares e medicamentosos; salubridade pública, incluindo a realização de funerais; serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis. Fazem ainda parte desta lista serviços de abastecimento de águas; bombeiros; serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado; transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respetivas cargas e descargas; e transporte e segurança de valores monetários.

Compra de férias

A proposta do Governo prevê que o trabalhador possa faltar de forma justificada “mais dois dias antes ou depois do período normal de férias com perda de retribuição mas sem perda de mais regalias”. Ou seja, o trabalhador poderá ‘comprar’ dois dias de férias, que colocará antes ou depois do período de férias, perdendo no salário o valor correspondente a esses dois dias de trabalho, mas sem prejuízo noutros benefícios, como o subsídio de refeição, o subsídio de férias e o subsídio de natal.

Outsourcing 

O executivo quer revogar uma lei de 2023, tomada durante o governo de António Costa, e que proibia as empresas a recorrer ao mecanismo de outsourcing durante um período de 12 meses, após o despedimento de trabalhadores. Para a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a eliminação deste limite é bem-vinda. “Não vemos razão nenhuma para que serviços que não têm a ver com a atividade central da empresa não possam ser contratados a outras empresas”, declarou Armindo Monteiro em declarações ao Jornal Económico (JE), considerando a proibição existente “não permite que as empresas se especializem nas suas áreas de negócios”. Já os sindicatos e o PS sustentam que revogar esta lei é regredir e promover a precariedade, uma vez que as empresas despedem trabalhadores para sub-contratar outros “mais baratos”.

Contratos a termo

O Governo quer alargar o prazo do primeiro contrato de seis meses para um ano. A duração máxima destes contratos passaria de dois para três anos. E os contratos a tempo incerto de quatro para cinco anos.

Banco de horas individual

A reforma da legislação laboral proposta pelo executivo inclui também a recuperação do banco de horas individual, mas passando “a ser subsidiado pelo regime de horas em convenção coletiva”. Até 2019, essa modalidade previa que, por acordo entre as partes, o período de trabalho pudesse aumentar até duas horas diárias e atingir 50 horas semanais, com compensação feita pela redução do trabalho equivalente, aumento de férias pagas ou através de pagamento em dinheiro. O Governo quer retomar esta possibilidade se a contratação coletiva o determinar.

Teletrabalho 

A pandemia trouxe mudanças ao mercado de trabalho que ficaram para além da questão de saúde pública. O maior exemplo disso é o teletrabalho, que o Governo quer nesta reforma “flexibilizar”, assim como “clarificar a sua noção e âmbito”. Nesta matéria, a CIP tem vindo a defender ser imperioso que o teletrabalho encontre enquadramento na legislação por forma a que o Código do Trabalho se adapte à realidade. Sob pena de “cada um começar a fazer conforme acha que deve”.

No seu programa, o executivo comprometeu-se a “melhorar a adequação do regime legal aos desafios do trabalho na era digital, abrindo à regulamentação diferenciada do teletrabalho, do trabalho em plataformas digitais, do trabalho economicamente dependente e do trabalho em nomadismo digital” e também a reforçar a “possibilidade de transição, mesmo que temporária, entre regimes de horário de trabalho e possibilidade de trabalho remoto por acordo entre as partes”. A ideia do Governo passará por incentivar a que a comparticipação de despesas com teletrabalho sejam definidas em contrato coletivo ou no acordo de teletrabalho celebrado entre empregador e trabalhador.

Autodeclarações fraudulentas

De acordo com o documento entregue aos parceiros sociais, a que a Lusa teve acesso, o Governo quer que a entrega de uma autodeclaração fraudulenta possa dar direito a um despedimento por justa causa.  Em causa está uma proposta de alteração ao artigo 254.° do Código do Trabalho, relativo à prova de motivo justificativo de falta e que prevê que “a apresentação ao empregador de declaração médica ou de autodeclaração de doença com intuito fraudulento” constitua uma “falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento”.

Atualmente, apenas a “apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento”, pelo que o objetivo agora é alargá-la também às autodeclarações de doença emitidas através da linha SNS 24, cuja autenticidade é possível verificar no portal.

Falta por luto gestacional 

Outra das intenções do Governo é revogar a falta por luto gestacional, que prevê que a mãe pode faltar três dias ao trabalho por esse motivo, em caso de interrupção da gravidez. Faltas que atualmente são consideradas justificadas e não afetam os direitos do trabalhador. Na reforma laboral que apresentou aos parceiros sociais, o executivo pretende acrescentar uma alínea à licença por interrupção da gravidez, relativamente ao acompanhante da trabalhadora, e que define que passa a ser “aplicável o regime das faltas para assistência a membro do agregado familiar”. Este regime, sublinhe-se, possibilita que o trabalhador possa faltar até 15 dias por ano para assistência à família, mas estas faltas, apesar de justificadas, podem implicar perda de remuneração.

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