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De Passos a Costa e de Salgado a Ramalho: quem poderá ser chamado à CPI sobre as perdas do Novo Banco

Comissão Parlamentar de Inquérito pretende apurar as responsabilidades pelas perdas do Novo Banco que justificam as chamadas de capital ao Fundo de Resolução, desde o fim do BES até agora. Lista de nomes será definida e poderá incluir membros dos últimos executivos do PSD/CDS e do PS, banqueiros ligados ao BES/Novo Banco e o antigo Governador do Banco de Portugal.
15 Dezembro 2020, 08h15

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução (FdR) toma posse esta terça-feira, às 12h00, na sala do Senado do Parlamento.

Nos próximos 120 dias, até 15 de abril de 2021, a CPI vai investigar a origem e o fundamento das perdas do banco liderado por António Ramalho, o seu processo de venda à Lone Star, a resolução do BES e os ativos que passaram para o balanço de abertura do Novo Banco. Para isso, vai chamar personalidades políticas dos Governos e de outras instituições que estiveram ligadas ao processo. Por isso, poderá ser chamado um extenso leque de responsáveis que, mais ou menos remotamente, estão ligados às perdas do Novo Banco.

Presidida pelo deputado do PSD, Fernando Negrão, a CPI será composta pelos também sociais democratas Duarte Pacheco, Hugo Carneiro, Filipa Roseta e Mónica Quintela, sabe o JE. O grupo parlamentar do PS será coordenado por João Paulo Correia, devendo Cecília Meireles e Mariana Mortágua representar os grupos parlamentares do CDS e do BE, respetivamente, que também são deputadas efetivas da Comissão de Orçamento e Finanças (COF), a comissão competente para os assuntos relacionados com a banca. Segundo noticiou o “Expresso” esta segunda-feira, João Cotrim de Figueiredo, deputado único da Iniciativa Liberal, terá assento na CPI, assim como um deputado do PAN e um do PCP.

A CPI vai agora indicar as personalidades que serão chamadas ao Parlamento e definir uma estratégia de prioridades, isto é, determinar quem deve ser ouvido primeiro. A lista não está, pois, concluída, mas atendendo aos três momentos da cronologia BES/Novo Banco que será objeto da investigação parlamentar, deverá incluir repetentes que já prestaram depoimentos no Parlamento, ora na CPI ao BES, ora na COF.

O presidente executivo do Novo Banco, António Ramalho, tem dito (por diversas vezes) que preside ao banco mais escrutinado em Portugal e talvez da Europa. É supervisionado pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Banco de Portugal (BdP), presta contas ao acionista minoritário — o Fundo de Resolução (FdR) —  e a uma comissão de acompanhamento que ausculta as perdas que dão origem às injeções públicas de capital ao abrigo do Mecanismo de Capital Contingente (CCA). É um banco obrigado a seguir um plano de reestruturação imposto pela Direção Geral da Concorrência europeia, definido durante o processo de venda de 75% do capital ao fundo Lone Star, em 2017. Foi ainda alvo de uma auditoria externa levada a cabo pela Deloitte, pedida pelas Finanças, votada no Parlamento e concluída este ano, e está a ser auditado novamente pelo Tribunal de Contas, a pedido dos deputados. O Novo Banco acabou por se tornar num tema que está no centro de um emaranhado de decisões institucionais e políticas e de obrigações contratuais que a Assembleia da República quer perceber se têm lesado o Estado português e os contribuintes em milhares de milhões de euros.

No passado dia 25 de setembro, a Assembleia da República aprovou a constituição da CPI às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao FdR, órgão da dependência do BdP e liderado por Luís Máximo dos Santos que, desde 2017, capitalizou a instituição de crédito em quase três mil milhões de euros ao abrigo do CCA devido a perdas relacionadas com determinados ativos. Da esquerda à direita, são vendas que o poder político tem afirmado terem sido feitas, nas palavras de Rui Rio, “ao desbarato”, e que justificaram a constituição desta CPI. Perdas essas que, em 2019, levaram o Ministério das Finanças, na altura liderado pelo atual governador do BdP, Mário Centeno, a considerar “indispensável” a realização de uma auditoria ao processo de concessão dos créditos incluídos no CCA — 1.149 milhões por conta das perdas incorridas em 2018 e 792 milhões por contas das perdas de 2017. Esta auditoria, que investigou o BES, desde 2000 até à sua resolução, em 2014, e o Novo Banco, desde a sua criação até 2018, foi concluída este ano pela Deloitte, tendo a auditora chegado à conclusão que as perdas do Novo Banco se deveram “fundamentalmente” à exposição a ativos “que tiveram origem no período de atividade do BES”. A Assembleia da República torceu o nariz às conclusões da auditoria, tendo o BE alegado que não garantiu “independência” por ter auditado a venda da seguradora GNB Vida pelo Novo Banco, numa operação assessorada pela Deloitte Espanha, na sequência de uma notícia do JE. Por isso, o Parlamento pediu nova auditoria, que está agora a cargo de uma entidade pública — o Tribunal de Contas — e  que, até ficar concluída, não autoriza o FdR a transferir 476 milhões de euros para o Novo Banco em 2021.

Ricardo Salgado, assim como alguns elementos da sua comissão executiva do BES, deverão voltar ao Parlamento para prestar esclarecimentos, uma vez que a CPI pretende investigar o período antecedente à resolução do banco e à constituição do Novo Banco.

Outros nomes como Amílcar Morais Pires, Joaquim Goes, António Sotto, João Freixa ou Rui Silveira, ex-administradores do BES, poderão ser chamados pelos grupos parlamentares a prestar esclarecimentos de forma a que a Assembleia da República possa “apurar e avaliar as práticas de gestão do BES e seus responsáveis, na medida em que possam ter conduzido a perdas e variações patrimoniais negativas justificativas nos montantes pagos e a pagar pelo FdR ao Novo Banco”.

Carlos Costa, ex-governador do BdP que resolveu o BES, e Pedro Duarte Neves, à data homem forte da supervisão do banco central à data, também deverão ser chamados, uma vez que a CPI pretende apurar se o supervisor atuou de forma adequada “no período que antecedeu a resolução”, em especial a seleção de ativos que passaram do BES para o balanço de abertura Novo Banco e que foram avaliados pela PwC.

É ainda possível que o sucessor de Ricardo Salgado na liderança do BES, Vítor Bento, e o seu CFO, João Moreira Rato, também possam ser chamados à CPI, uma vez que acompanharam a resolução do BES e a criação do Novo Banco.

A ser chamado, Carlos Costa também deverá responder a algumas questões relacionadas com a venda do Novo Banco porque a CPI vai investigar os processos de venda do banco — houve dois —, assim como o consultor do BdP, Sérgio Monteiro, que foi o arquiteto da venda do banco à Lone Star e que também já foi à COF falar sobre tema.

Neste momento da cronologia do Novo Banco, antigas e atuais figuras políticas poderão ser chamadas pelos deputados, uma vez que a CPI quer saber se os contratos conexos com a venda do banco foram “diligentemente negociados” pelo Estado, durante o início da ‘geringonça’ liderada por António Costa. Neste sentido, não será de descartar um depoimento por escrito do primeiro-ministro, sendo ainda provável que o atual governador do BdP e ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, responda às questões dos deputados, assim como o seu anterior secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, hoje no Banco Europeu de Investimento.

Representantes da Lone Star também poderão estar na calha para ser ouvidos pelo Parlamento.

Os deputados vão ainda avaliar a retransmissão de obrigações séniores do Novo Banco para o BES, que capitalizou a instituição de crédito em 1.985 milhões de euros, que assim deixou de assumir esta dívida, após uma decisão do BdP, em dezembro de 2015, na altura liderado por Carlos Costa.

As perdas do Novo Banco que fundamentam as injeções de capital do FdR ao abrigo do CCA deverão levar a CPI a chamar também Luís Máximo dos Santos, presidente do FdR, e José Rodrigues de Jesus, líder da comissão de acompanhamento do Novo Banco, entidade incumbida de analisar várias operações do banco quando estão em causa ativos cobertos pelo CCA.

E, porque as operações que estão na origem dessas perdas que são cobertas pelo CCA também vão ser investigadas pela CPI, o Parlamento deverá chamar António Ramalho e membros antigos ou atuais da comissão executiva do Novo Banco.

Além destes e de outros nomes, segundo o objeto da CPI, Assembleia da República poderá pedir o depoimento de outras duas figuras políticas que, em 2014, estiveram associadas à resolução do BES e à criação do Novo Banco: o antigo primeiro ministro social democrata, Pedro Passos Coelho, e a sua então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. Isto porque a CPI pretende “avaliar a atuação dos Governos (…) no quadro da defesa do interesse público” — o do PSD/CDS e o da ‘geringonça’ do PS.

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