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Depois da Pandemia

A Europa, por princípio, é mais vulnerável a todas as crises, paradoxalmente devido às suas preocupações com as liberdades, com a lei, com o ambiente, com a corrupção. É um mal necessário. A Europa pós Maastricht, mas principalmente, pós tratado Constitucional, é a Europa dos regulamentos, da fiscalização, da burocracia. Da Tecnocracia.
9 Abril 2020, 07h15

O vírus e as costas.

Queria tanto escapar ao assunto do momento, COVID e amigos, mas a presença esmagadora de tão minúscula entidade bioquímica obriga-me a dissertar algumas linhas sobre o assunto.

Já todos sabemos que começou na China, pelo menos todos os que têm a casa fechada para as teorias da conspiração, e que os mercados de animais selvagens vivos deverão ter forte atenção e censura do resto do mundo, pois a exposição a novos, e cada vez mais resistentes e pandémicos, agentes virais, devido a práticas excêntricas e insalubres, tem de cessar.

Tenho achado graça à avalancha de artigos de opinião, dissertações, memes, vídeos, partilhas de redes sociais, e até burlas de videntes, alegando que esta pandemia é uma reação do planeta “ao mal que lhe temos feito”. A mãe natureza “precisou de um tempo para respirar”, devido à pressão da complexa sociedade humana contemporânea, que explora recursos naturais ao limite, que obriga a cadeias de produção em massa que vão contra a ordem natural do universo. Bem.. eu lamento desapontar toda a imensa produção de conteúdos idílicos e telúricos, mas na minha opinião trata-se mesmo “apenas” (com muitas aspas) de um vírus. Se não, reflitamos: caso não se amontoassem jaulas com animais selvagens vivos, num mercado chinês, animais que não fazem parte da dieta regular da humanidade, que têm um menu viral que nos é estranho, e que se urinam, defecam, mordem, e libertam pus, uns em cima dos outros, que são mortos em frente do freguês libertando todas as espécie de fluídos para o ansioso comensal, será que a mãe natureza teria forma de dar este “grito de revolta” mortífero? E aqueles que advogam a teoria de que a Terra está a reagir contra a produção em massa, nomeadamente de aves, bovinos, suínos e caprinos, necessária face à crescente sobrepopulação do planeta, mas naturalmente com fragilidades ao nível moral e filosófico, não estarão a cair em contradição sabendo que o mercadejo de animais selvagens nestes espaços se substitui precisamente ao comércio das espécies acima descritas, produzidas em larga escala, mas de acordo com toda a regulamentação e fiscalização existente, e observando todas as condições sanitárias?

Não obstante, e porque é positivo destacar o lado solar daquilo que já é suficientemente sombrio, é com muita satisfação que perceciono este momento de alívio do Planeta, pelo menos enquanto a vida não regressar à normalidade. Não tenho grandes ilusões, daquelas que utopicamente acham que vamos todos abdicar dos confortos da modernidade, para fazer face à emergência climática. Mas como diz o Ditado, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas!

Europa Íman de Crises

Até há alguns dias, e ainda vejo quem o continue a repetir, era entendimento geral que seria a Europa o grande polarizador de número de infetados, óbitos, consequências económicas e sociais, numa palavra, do “caos” que se instalou por tempo indeterminado devido ao SARS – CoV -2. Para o público em geral, porque observou a subida em flecha do rastilho epidémico em Itália, dos Hospitais de Campanha, da escolha Malthusiana de que pacientes se salvam, e dos que se deixam morrer. Para os “especialistas”, os mesmos que continuam a afirmar que ainda é no velho continente que o drama tem mais expressão, porque assistem conformados à nossa costumeira falta de reação e solidariedades comum. Na Europa tudo é diferente. Não notamos porque mal conhecemos outras realidades. A Europa, por princípio, é mais vulnerável a todas as crises, paradoxalmente devido às suas preocupações com as liberdades, com a lei, com o ambiente, com a corrupção. É um mal necessário. A Europa pós Maastricht, mas principalmente, pós tratado Constitucional, é a Europa dos regulamentos, da fiscalização, da burocracia. Da Tecnocracia.

Isso permite-nos estar na vanguarda de um sem número de soluções, ao nível do suporte social, das questões ambientais, do combate à viciação de processos e das más práticas de gestão pública. Isto apesar, ou como consequência, de uma opinião pública que insistentemente acusa os poderes públicos de todos os defeitos, de todos os vícios, de todas as manigâncias, como se existisse outro espaço político no mundo com tantos equilíbrios de poderes e garantias coletivas e individuais. Mas o outro lado é que tudo é mais difícil em situações de emergência. Tomemos este exemplo. Todos ficámos embasbacados com a capacidade apresentada pela China em construir de raiz um Hospital em apenas 10 dias. Não falemos só da capacidade técnica e de recursos humanos. 10 dias não dariam para iniciar o processo num país europeu. Entre lançamento do concurso para realização do projecto, apresentação do mesmo, assegurar as fontes de financiamentos, emissão e tratamento dos elementos processuais, Avaliação de Impacto Ambiental, lançamento de concursos separados para a obra e fiscalização, visto prévio do Tribunal de Contas, há todo um calvário burocrático, necessário pelas razões acima expressas, para colocar a primeira pedra.

Some-se isso às suas próprias fragilidades. A incapacidade de reagir com decisão, é igualmente assustadora. A meio do mês de março, já o epicentro da pandemia tinha-se deslocado do Extremo Oriente para a Europa, a Comissão Europeia referia que “o encerramento das fronteiras não é a melhor forma de combater o coronavírus”, chegando ao desplante de afirmar que tal medida “pode afetar a distribuição de equipamentos médicos e bens”. Isto é uma brincadeira?

Não nos esqueçamos que a crise iniciada em 2008 com a falência do Lehman Brothers teve início na outra margem do Atlântico mas com efeito radioativo no velho continente, onde a divisão objetiva em Nações Soberanas, estatuto que os Estados-membro nunca deixaram de ter, e que se agudiza e vem ao de cima em situações de turbulência, torna tudo menos ágil, mais difícil, não existindo ferramentas à priori para combater as origens do problema em causa. Foi assim na inexistência de instrumentos comunitários de apoio ao combate à crise das dívidas soberanas, e verifica-se agora o mesmo na resposta às questões sanitárias e de saúde aos países mais afetados, bem como às desastrosas consequências económicas e sociais, durante o processo e no day after.

Great American Disaster

E de repente, os Estados Unidos são o país com maior número de casos confirmados. Há cerca de semana e meia/duas semanas, alertava para essa fatalidade. É verdade que o país do Tio Sam é quase uma Europa populacional, na outra margem do Atlântico, mas a crescer a cerca de 25 mil casos ao dia, é uma bomba atómica em processo de explosão. Pior, o número de casos activos, quase 95% do total- mais do que em qualquer outra latitude, dizem-me que a avalancha de internamentos e óbitos só se verificará daqui a duas semanas. O desenho muito particular dos serviços de saúde americanos, obrigariam a tomadas de decisão quiçá inéditas por parte da administração federal, por forma a que não fiquem milhares ( chegarão a milhões?) de cidadãos privados de ter a sua chance de (sobre)viver à pandemia. Mas o que verificamos é da parte do poder político, bem como de parte significativa da população, um oscilar entre o desnorte e a descontração, com o processo eleitoral presidencial a não ajudar. Como o combate ao vírus não se restringe aos apoios à economia, matéria em que a América mete a Europa no bolso, e que se não o combatermos pela passividade autoimposta, depois do vírus pode sobrar pouca economia para estimular, temo que uma provável catástrofe humana altere os equilíbrios que o mundo (con)vive e conhece desde Bretton Woods.

Para além da nossa segurança e existência individuais, o mundo pode-se tornar num local perigoso, depois do vírus.

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