No segundo maior exercício democrático do mundo (depois da India), 400 milhões de europeus votavam em 751 deputados divididos pelos (ainda) 28 países da União Europeia (UE). Em Portugal, infelizmente, a abstenção revelou-se a maior de sempre (68,89%), mas no resto da Europa a tendência foi positiva, com o nível de abstenção mais baixo dos últimos 20 anos (49.06%, quando em 2014 havia sido de 57.39%). Esta tendência é positiva, e demonstra que a UE está bem viva e muito longe do destino que os eurocéticos lhe vaticinavam há uns anos atrás.

Aliás, apesar dos três grupos eurocéticos ou de extrema direita “anti-sistema” terem tido alguns ganhos relevantes – em particular o partido de Salvini em Itália, a já esperada vitória de Le Pen em França (com menos votos do que em 2014) e a vitória do partido do Brexit de Nigel Farage – estes não foram tão significativos como esperado: em conjunto estes partidos passaram apenas de 21% para 23%. Pelo contrário, os ganhos de partidos pró-europeístas como os Verdes, que passaram de 52 para 70 lugares, e a Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE), que inclui agora o partido de Macron, que passou de 69 para 109 lugares, demonstram que o apoio a partidos pró-europeus continua forte pela Europa. Contudo, o próximo Parlamento Europeu será sem dúvida mais fragmentado, e provavelmente as eventuais maiorias dependerão de acordos ad hoc em matérias como a luta contra as alterações climáticas, matéria fiscal, migração, segurança e solidariedade social.

Assim, e depois de todos os votos apurados, importa agora procurar perceber quem vai liderar a UE nos próximos 5 anos. Os dois partidos da “grand coalition” que até aqui havia governado a UE – o Partido Popular Europeu (PPE), que inclui o PSD e o CDS-PP, e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), da qual faz parte o PS – foram os grandes derrotados da noite ao passar de 410 deputados (54%) para 326 (43%). Por isso, e para assegurar os 376 deputados necessários para apoiarem a nova Comissão Europeia, aos 180 deputados do PPE e aos 146 dos S&D é de esperar que se juntem os 109 deputados do ALDE, e talvez também alguns dos Verdes.

Confirmando a intenção do ALDE de se tornar no “kingmaker”, logo na manhã seguinte às eleições o n.º 2 da lista de Macron declarou que o próximo presidente da Comissão Europeia não poderia ser o candidato do PPE – Manfred Weber – mas sim alguém muito mais perto do novo “centro de gravidade” do Parlamento (i.e., mais ao centro do que à direita). Reação semelhante teve o S&D, que de imediato reagiu dizendo que o seu candidato Frans Timmermans seria o único a poder liderar uma coligação abrangente no parlamento. Neste contexto, os nomes do francês Michel Barnier (negociador europeu do Brexit) e da dinamarquesa Margrethe Vestager (atual comissária europeia para a concorrência) são os mais citados como hipóteses de compromisso para liderarem a Comissão. Dado que o Brexit ainda não está resolvido, é de duvidar que Barnier seja o escolhido, enquanto Vestager seria um nome de compromisso que acabaria por salvar o processo do “spitzenkandidat” dado que ela fez parte do grupo de candidatos apresentado pelo ALDE.

Os últimos desenvolvimentos nesta “guerra dos tronos” europeus tiveram lugar imediatamente na terça-feira depois das eleições, com os líderes parlamentares a reunirem durante o dia em antecipação do jantar informal dos chefes de estado e de governo da EU (Conselho Europeu), onde consideraram os resultados eleitorais e já discutiram potenciais nomes para liderar a Comissão Europeia. Espera-se uma proposta formal nesta matéria durante a cimeira de 20 e 21 de Junho. Nestas considerações não é apenas a liderança da Comissão Europeia que está em discussão, mas também os cargos de Presidente do Conselho Europeu, Alto Representante da EU para a Política Externa, Presidente do Parlamento Europeu, os outros cargos de comissário (em relação aos quais vários países já começaram nos bastidores a solicitar determinados portfolios – Portugal já disse abertamente querer o dossier dos fundos estruturais) e até o futuro Presidente do Banco Central Europeu.

Caso o Conselho Europeu opte por respeitar o mecanismo do spitzenkandidat, e proponha um nome de entre os que se apresentaram a votos como candidatos, é mais provável que os grupos parlamentares europeus, após as tradicionais negociações de bastidores e as necessárias ponderações de equilíbrios entre o norte e o sul, o este e o oeste, grandes e pequenos países e até considerações de género, acabem por chegar a acordo e apoiem o nome escolhido pelo Conselho. Se, pelo contrário, o Conselho apresentar outro nome, é esperada resistência por parte do Parlamento, e poderemos assistir a um processo negocial mais demorado e que atrase a tomada de posse da nova Comissão e dos outros cargos já mencionados. De qualquer modo, as eleições europeias foram apenas o princípio deste processo de transição da liderança europeia, e muitas negociações e trocas de apoios se farão até que todas as peças desde xadrez estejam nos seus lugares e as instituições europeias prontas para um novo mandato de 5 anos.