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Deputado crítico da “especulação” despeja inquilino em edifício histórico

Arrendatários de espaço cultural dizem que empresa do socialista Hugo Pires quer alojamento local num prédio no centro de Braga, classificado como imóvel de interesse público e património da cidade.
20 Julho 2019, 18h00

O deputado Hugo Pires, do Partido Socialista (PS), coordenador do Grupo de Trabalho – Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades que, na Assembleia da República, delineou a nova Lei de Bases da Habitação, é em simultâneo gerente e sócio (detentor de 50% do capital social) da CRIAT, empresa de investimentos imobiliários que vai despejar os arrendatários de um espaço cultural instalado desde há décadas num edifício histórico do centro de Braga.

Trata-se da antiga livraria Mavy, atualmente com atividade de cafetaria, galeria de arte e concertos. Em 2012, Ana Morgado e Filipe Morgado firmaram um contrato de arrendamento com os proprietários do edifício, válido até 2034. Em 2015, porém, o edifício foi penhorado e submetido a venda judicial. A empresa CRIAT Imobiliária comprou-o por cerca de 285 mil euros.

O processo de aquisição ficou concluído em 2017 e desde então que a empresa de Pires está a tentar despejar os arrendatários do espaço cultural. De acordo com os irmãos Morgado, a CRIAT pretende abrir um negócio de Alojamento Local no edifício que é classificado como imóvel de interesse público e património da cidade de Braga.

Além de ser gerente e sócio da empresa de investimentos imobiliários, o deputado Hugo Pires detém um gabinete de arquitectura e também acumulou (neste caso, até 2017) as funções de vereador da Câmara Municipal de Braga, responsável pela Divisão de Apoio aos Departamentos Técnicos. Segundo os irmãos Morgado, aliás, foi o próprio Pires que, em 2013, “emitiu um parecer técnico positivo de alteração de uso comercial do espaço” no edifício que viria a adquirir. O mesmo espaço que agora pretende despejar, apesar do contrato de arrendamento válido até 2034 e que foi reconhecido pelo agente de execução do edifício (aquando do processo de penhora) como tendo sido “outorgado em data anterior à do registo de penhora”.

Questionado sobre se é verdade que, através da empresa CRIAT Imobiliária, está em vias de despejar os arrendatários de um espaço cultural instalado no edifício que adquiriu recentemente, o deputado respondeu da seguinte forma: “As informações de que dispõe estão incorretas. A CRIAT Imobiliária, de que sou sócio minoritário e não gerente, adquiriu há cerca de dois anos o imóvel em causa por venda judicial, em processo de execução. Não há, nem nunca houve, nenhuma ação de despejo. O que está previsto acontecer é a entrega desse espaço por ordem do tribunal”. Importa salientar que, no seu registo de interesses, Hugo Pires declara ser gerente e detentor de 50% do capital social da empresa em causa.

É verdade que pretende abrir um hotel ou alojamento local no edifício e daí a intenção de despejar os atuais arrendatários? “A informação de que dispõem é incorreta. O projeto de arquitetura já deu entrada na Câmara Municipal de Braga e destina-se a habitação permanente e comércio”, assegura Pires, em contradição com a versão dos irmãos Morgado que garantem ter sido informados por um técnico da Câmara Municipal de Braga que o projeto se destina a um hotel ou negócio de alojamento local.

Esta atuação da sua parte não é contraditória com as posições políticas que tem tomado no que respeita à especulação imobiliária? E não configura uma situação de incompatibilidade com o exercício das funções de coordenador do Grupo da Habitação? “Não. Nem a minha prática empresarial, nem a minha prática política configuram algum tipo de incompatibilidade nem com a lei, nem com as posições políticas que venho defendendo”, considera Pires.

Na rede social Facebook, o deputado socialista tem publicado vários textos em que critica a especulação imobiliária e os despejos de arrendatários.

A 27 de julho de 2018, por exemplo, escreveu o seguinte: “Ai Robles, ai Robles… Não havia necessidade! (…) Agora, o BE faz um ‘tempo de antena’ denunciando a especulação imobiliária incentivada pela ‘lei Cristas’ facilitando os despejos e, pelo caminho, ainda denunciou a inércia do Governo e do PS relativamente a estas matérias. Pois bem, hoje o BE deu-nos certeza de que aquela frase – ‘Faz o que eu digo, não faças o que eu faço’ – lhe assenta como uma luva”.

Artigo publicado na edição nº 1996, de 5 de julho, do Jornal Económico

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