O deputado Hugo Pires, do Partido Socialista (PS), coordenador do Grupo de Trabalho – Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades que, na Assembleia da República, delineou a nova Lei de Bases da Habitação, é em simultâneo gerente e sócio (detentor de 50% do capital social) da CRIAT, empresa de investimentos imobiliários que vai despejar os arrendatários de um espaço cultural instalado desde há décadas num edifício histórico do centro de Braga.
Trata-se da antiga livraria Mavy, atualmente com atividade de cafetaria, galeria de arte e concertos. Em 2012, Ana Morgado e Filipe Morgado firmaram um contrato de arrendamento com os proprietários do edifício, válido até 2034. Em 2015, porém, o edifício foi penhorado e submetido a venda judicial. A empresa CRIAT Imobiliária comprou-o por cerca de 285 mil euros.
O processo de aquisição ficou concluído em 2017 e desde então que a empresa de Pires está a tentar despejar os arrendatários do espaço cultural. De acordo com os irmãos Morgado, a CRIAT pretende abrir um negócio de Alojamento Local no edifício que é classificado como imóvel de interesse público e património da cidade de Braga.
Além de ser gerente e sócio da empresa de investimentos imobiliários, o deputado Hugo Pires detém um gabinete de arquitectura e também acumulou (neste caso, até 2017) as funções de vereador da Câmara Municipal de Braga, responsável pela Divisão de Apoio aos Departamentos Técnicos. Segundo os irmãos Morgado, aliás, foi o próprio Pires que, em 2013, “emitiu um parecer técnico positivo de alteração de uso comercial do espaço” no edifício que viria a adquirir. O mesmo espaço que agora pretende despejar, apesar do contrato de arrendamento válido até 2034 e que foi reconhecido pelo agente de execução do edifício (aquando do processo de penhora) como tendo sido “outorgado em data anterior à do registo de penhora”.
Questionado sobre se é verdade que, através da empresa CRIAT Imobiliária, está em vias de despejar os arrendatários de um espaço cultural instalado no edifício que adquiriu recentemente, o deputado respondeu da seguinte forma: “As informações de que dispõe estão incorretas. A CRIAT Imobiliária, de que sou sócio minoritário e não gerente, adquiriu há cerca de dois anos o imóvel em causa por venda judicial, em processo de execução. Não há, nem nunca houve, nenhuma ação de despejo. O que está previsto acontecer é a entrega desse espaço por ordem do tribunal”. Importa salientar que, no seu registo de interesses, Hugo Pires declara ser gerente e detentor de 50% do capital social da empresa em causa.
É verdade que pretende abrir um hotel ou alojamento local no edifício e daí a intenção de despejar os atuais arrendatários? “A informação de que dispõem é incorreta. O projeto de arquitetura já deu entrada na Câmara Municipal de Braga e destina-se a habitação permanente e comércio”, assegura Pires, em contradição com a versão dos irmãos Morgado que garantem ter sido informados por um técnico da Câmara Municipal de Braga que o projeto se destina a um hotel ou negócio de alojamento local.
Esta atuação da sua parte não é contraditória com as posições políticas que tem tomado no que respeita à especulação imobiliária? E não configura uma situação de incompatibilidade com o exercício das funções de coordenador do Grupo da Habitação? “Não. Nem a minha prática empresarial, nem a minha prática política configuram algum tipo de incompatibilidade nem com a lei, nem com as posições políticas que venho defendendo”, considera Pires.
Na rede social Facebook, o deputado socialista tem publicado vários textos em que critica a especulação imobiliária e os despejos de arrendatários.
A 27 de julho de 2018, por exemplo, escreveu o seguinte: “Ai Robles, ai Robles… Não havia necessidade! (…) Agora, o BE faz um ‘tempo de antena’ denunciando a especulação imobiliária incentivada pela ‘lei Cristas’ facilitando os despejos e, pelo caminho, ainda denunciou a inércia do Governo e do PS relativamente a estas matérias. Pois bem, hoje o BE deu-nos certeza de que aquela frase – ‘Faz o que eu digo, não faças o que eu faço’ – lhe assenta como uma luva”.
Artigo publicado na edição nº 1996, de 5 de julho, do Jornal Económico
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