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Desafios económicos avolumam-se, mas fundos ajudam

Fundos europeus serão determinantes para a recuperação das finanças públicas nacionais, que apesar da dimensão da crise deverão aguentar o embate, defendem os economistas contactados pelo JE.
12 Setembro 2020, 18h00

O Jornal Económico celebra no dia 16 de setembro o seu quarto aniversário. Nos quatro anos, todos eles de crescimento, o jornal visou sempre noticiar os principais acontecimentos na economia, na política, e no mundo. O olhar mais importante foi sempre, no entanto, para a frente – o que é que vai acontecer a seguir?  Numa altura de incertezas devido à pandemia, decidimos marcar o aniversário com trabalhos sobre o futuro. Oferecemos aos nossos leitores análises sobre as perspetivas da economia, dos mercados e da política (nacional e externa). Temos uma grande entrevista com o presidente da AICEP e também um Forum no qual 33 líderes sugerem as receitas para ajudar Portugal sair de uma crise inesperada. Obrigado pela preferência!

 

Crentes de que as finanças públicas portuguesas aguentarão o embate da crise económica mais profunda da história da democracia – mas que atinge todos os países -, os economistas consultados pelo Jornal Económico apontam, entre os principais desafios de Portugal nos próximos anos, para a necessidade de um aumento da produtividade e a alocação dos fundos que chegarão da União Europeia aos setores que potenciem a transformação da economia.

”Aumento da produtividade, incentivo da poupança e luta contra a corrupção”, enumera António Bagão Félix, antigo ministro das Finanças, questionado sobre os desafios económicos que o país irá enfrentar. Essa assertividade é partilhada por João Duque, catedrático do ISEG, que a par da necessidade de um “crescimento com produtividade”, diz que o caminho deve passar pelos “setores de elevado valor acrescentado e dirigido a uma economia digital, verde e sustentável, com elevado investimento direcionado para aí, de modo a promover o que se deseja”.

O bastonário da Ordem dos Economistas, Rui Leão Martinho, identifica, no entanto, diferentes desafios no futuro próximo e a longo termo. “No curto prazo, o principal desafio que se põe a Portugal, após este período de confinamento e a um longo período de estagnação económica, é conseguir relançar a economia enfrentando toda a incerteza ainda existente”, aponta, considerando que “num plano de médio/longo prazo, permanecem os desafios ao nível da qualificação e retenção do talento dos portugueses, a natalidade e a tendência de alteração da pirâmide etária e os desafios que dela advêm [Segurança Social]”.

“As desigualdades, quer a nível social ou territorial, terão de ser minimizadas, mantendo a coesão social e a solidariedade que têm caracterizado o regime em que vivemos”, sublinha.

Para Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, ao desafio de “sair da recessão associada à pandemia actual e realizar as transformações que esta suscita”, associa-se “o desafio ignorado nas duas últimas décadas”: a “estagnação económica relativa, sobretudo visível no confronto com a Europa de Leste”.

 

Fraca tesouraria das PME continua a ser desafio  
As fragilidades de tesouraria das pequenas e médias empresas, que constituem a maior parte do tecido empresarial português, continua a ser um dos desafios económicos identificados por Pedro Brinca, professor da Nova School of Business and Economics. “Têm tipicamente poucas disponibilidades de tesouraria e estão especialmente vulneráveis a quebras de fluxos de caixa”, assinala, alertando que as moratórias fiscais e de crédito, bem como programas de lay-off “podem permitir a muitas destas empresas que sobrevivam no curto prazo”, no entanto, “a dúvida subsiste se o atraso na implementação de alguns programas de apoio bem como o eventual phase-out de muitas destas medidas não irão pôr em causa a sobrevivência de muitas destas empresas”.

“Há que lembrar também que a predominância de pequenas e médias empresas com poucas disponibilidades de tesouraria pode levar a um fenómeno de falências em cadeia de muitas empresas, por atrasos nos prazos de pagamento que, em Portugal, são tradicionalmente muito elevados e onde o Estado é dos maiores prevaricadores”, assinala. É neste sentido que diz que conseguir “evitar a destruição de emprego e empresas neste segmento será sem dúvida dos maiores desafios da economia portuguesa para os próximos tempos”.

 

Fundos europeus ajudarão finanças públicas a sobreviver
Os economistas não têm dúvidas que o impacto da crise será forte, com Rui Leão Martinho a classificá-los mesmo como “abissais”, mas consideram que as finanças públicas deverão recuperar, com os fundos europeus a permitirem esbater alguns dos efeitos.

“A Covid-19 veio assim interromper o recente período positivo que a economia portuguesa atravessara. Todavia, esse mesmo caminho deverá ser recuperado após a resolução da atual situação”, vinca o bastonário da Ordem dos Economistas. “Com base na génese da atual crise, o caminho de resolução deverá passar pelo relançar das economias. Para tal vão ser disponibilizados recursos, a fundo perdido ou através de empréstimos que deverão ser contabilizados à parte das despesas e receitas dos orçamentos de cada país”, acrescenta, afirmando que ao se evitar “desperdícios” e privilegiar “o que pode contribuir para o desenvolvimento e crescimento”, as finanças dos vários países “poderão enfrentar este longo período que se avizinha com confiança e expectativa de virem a criar uma economia sustentada”.

Para Pedro Brinca, a estabilidade das finanças públicas irá estar dependente “necessariamente” do apoio das instituições europeias, quer através de “garantias explicitas ou implícitas”.

“Não creio que isto se vá constituir num problema fundamental num futuro próximo, dado que Portugal estava numa situação de orçamento equilibrado antes da epidemia e, portanto, é relativamente fácil mostrar que défices que necessariamente virão serão essencialmente conjunturais e associados à crise, não tanto estruturais”, refere.
O professor universitário defende ainda a existência de outras economias europeias “que terão problemas de finanças públicas mais graves”, como Itália. “Haverá condições políticas de apoio à estabilização das finanças públicas, bem como uma política ativa de apoio do Banco Central Europeu. Aliás, uma pequena hesitação de Lagarde por parte do BCE nesses mesmos apoios a 12 de março levou os juros da dívida soberana de países como França, Espanha, Portugal e Itália a disparar e “obrigou” Lagarde apenas quatro dias depois a lançar um programa de apoio cerca de sete vezes maior”, frisa.

João Duque, que se revela especialmente crítico da gestão do Governo nos últimos anos, a quem acusa de “desprezar a dívida e só se focar no défice”, considera que as finanças públicas aguentarão “se a crise for suportada pelos portugueses com menos apoio do que necessitariam”.

É também neste sentido que Braz Texieira defende que “o ponto não é se as finanças públicas vão aguentar, mas sim se a sociedade vai aguentar”.

“Chegámos à crise com finanças frágeis (dívida muito elevada) e muito rígidas (mais despesa corrente e menos investimento público). Isto significa que a margem para as finanças públicas ajudarem a sociedade é muito limitada”, diz, vincando que a dívida continuará a subir significativamente, “mas as perspetivas sobre as taxas de juro são tão baixas que não é provável que haja problemas de sustentabilidade, pelo menos no curto prazo”.
Bagão Félix mostra-se ligeiramente mais reticente e assinala que tudo dependerá da evolução da pandemia, uma vez que “os défices vão ainda permanecer e a dívida pública vai aumentar”, mas defende que Portugal deverá potenciar a utilização dos fundos europeus para criar “condições para o aumento da produtividade (a montante)”, assim como “para a intensificação tecnológica e digital da economia, para o desenvolvimento agroalimentar, para a prioridade da ferrovia e para a eficiência energética”.

 

Costa quer reindustrialização. Ainda é possível?
Esta semana, o primeiro-ministro António Costa defendeu que a recuperação do país terá que ser feita através da reindustrialização, mas os economistas mostram-se divididos sobre o processo.
Rui Leão Martinho mostra-se especialmente expectante com esta possibilidade, considerando que a reindustrialização deve ser executada de forma a aproveitar a onda da digitalização. “Poderá começar pela aposta em setores de alto valor acrescentado e onde dispomos de vantagens competitivas, setores bem definidos no Plano de Recuperação Económica 2020-2030”, assinala. Para o bastonário da Ordem dos Economistas a reindustrialização “será o processo que não nos tornará dependentes de países terceiros no caminho da inovação, da criatividade e da digitalização, dentro das áreas em que nos escolhemos especializar”.

“Esperamos que, mais do que nunca, a próxima década seja um período de forte investimento, no sentido de otimizar os fundos europeus, de ficarmos mais competitivos e visando o progresso económico e social, sendo esta a oportunidade (derradeira?) de podermos deveras progredir”, vinca.
Porém, Bagão Félix acredita que já “é tarde”. “Verdadeiramente nem devemos falar de reindustrialização, pois que nunca houve verdadeira industrialização. A globalização não nos favorece neste domínio e quase todos os setores vitais estão na posse de capital estrangeiro”, vaticina, sublinhando que “é melhor diversificar as áreas de exportação (ou diminuição das importações), de modo a não ficar quase monodependente deste ou daquele setor (por exemplo, o turismo)”.

Se para o ex-ministro Portugal peca especialmente pelo timing, para João Duque a dúvida reside na estratégia escolhida. ”Para já, a única coisa que nos apresentam é o hidrogénio, uma energia que depende de tecnologia experimental ainda ineficiente e onde parece que querem apostar todas as fichas. Olhe para o Governo e ouça o que eles dizem sobre isto… É um silêncio ensurdecedor. Além disto, o que é que está em ebulição? Apenas o Plano do António Costa e Silva”, diz.

“Ao fim de cinco anos de Governo, este primeiro-ministro ainda não sabe estruturalmente para onde quer levar Portugal? Assim vamos ficar na mão de uns voluntaristas desgarrados e sem estratégia global como os ministros setoriais mais desenvoltos. Temo perder outra oportunidade de mudança significativa”, acrescenta o professor universitário.

Já para Pedro Braz Teixeira não há dúvidas que o país deveria aproveitar a crise para esta transformação, mas “se o fará é mais incerto, porque as autoridades têm mostrado alguma ambivalência”.
“Por um lado, assumem o desígnio de aumentar o peso das exportações no PIB, mas, por outro, fazem pouco para criar as condições para que isso efetivamente ocorra”, sustenta.

Também Pedro Brinca, que se assume “relativamente cético ao conceito da reindustrialização” por considerar que “será uma espécie de protecionismo encapotado” – “uma espécie de Política Agrícola Comum aplicada à indústria”- revela dúvidas sobre os efeitos para a produção e para os rendimentos.

“Se estas estruturas produtivas voltarem para a Europa, produzir sairá necessariamente mais caro, pelo que se pagará o preço em termos de perda de rendimentos. Por outro lado, dado o crescimento real dos salários mais baixos, ano após ano, também tenho sérias dúvidas do impacto que isso terá ao nível do emprego. Muita dessa deslocalização terá atrasado a adoção de tecnologias de automação de tarefas e processos por competição direta de trabalho barato”, sustenta.

Ainda assim, admite que “a pandemia veio por a nu alguns riscos das cadeias de abastecimento globais que antes não eram considerados”. Contudo, frisa que “nove meses depois do inicio da pandemia não só o real impacto foi muito menor do que o esperado, como a propagação do vírus se mostrou muito difícil de conter e evitar a pandemia”.
“Não é seguro que mesmo as estratégias de relocalização da produção não poderão ser menos eficazes que uma maior coordenação internacional nas políticas de confinamento e procedimentos sanitários”, conclui.

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