No final da última década, e apesar de estarmos num ciclo de crescimento económico e no pós-crise financeira decorrente da intervenção externa, já se sentia em Portugal um contínuo empobrecimento da população, em especial a mais idosa, e o agravamento do fosso com outros patamares etários, tendo a taxa de pobreza entre aquele grupo atingido 17,2%, num máximo de nove anos. Só em 2010 houve uma percentagem maior de reformados na pobreza, então de 19%.
Se muito antes do início da pandemia já estávamos numa situação crónica e preocupante em matéria de coesão social, o atual momento é absolutamente alarmante, uma vez que esta crise de saúde pública fez disparar as desigualdades de longo prazo, sobretudo junto dos trabalhadores menos qualificados e dos mais jovens, dado o carácter assimétrico da crise.
Segundo dados de 2019, a taxa de pobreza era de 16,2%, e se somarmos a da pobreza e exclusão social, 19,8%, i.e., temos mais de dois milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza. Mas, com a questão do nível das pensões e prestações sociais, a taxa de pobreza em Portugal fica acima dos 42%. Ou seja, em 2019 mais de 4,2 milhões de portugueses vivia na pobreza, com menos rendimento que o salário mínimo nacional.
O panorama social é catastrófico pois o apoio do Estado é indireto, visto que os valores têm sido pagos às empresas e não diretamente aos portugueses e quase nada tem chegado às famílias e ao setor social. O Governo, tendo até uma lei aprovada na Assembleia da República e promulgada, não o quer fazer e mandou-a para o Tribunal Constitucional.
O principal drama reside no efeito da Covid-19 ser maior em áreas de atividade que requerem contacto humano ou mobilidade, onde se incluem o turismo, a hotelaria e a restauração, mas também o retalho e a atividade imobiliária. Em Portugal, estes sectores representam cerca de 40% da atividade económica e, como tal, os trabalhadores destas áreas estão especialmente vulneráveis. Acresce que também são sectores onde mais frequentemente trabalham jovens, sendo empregos com menos qualificações, o que significa uma maior incidência em emprego precário e contratos temporários.
Neste quadro, e num momento em que estamos a tentar desconfinar depois de o país ter parado pela segunda vez, não haverá melhorias no imediato, pois ainda é baixa a probabilidade de retoma das atividades presenciais num futuro próximo, face a um programa de vacinação lento e ineficiente, o que pode ainda levar a mais um efeito nefasto de insolvências, que limitará os salários e a duração dos contratos por muito mais tempo.
Se a cura está na imunidade coletiva, então importa lembrar que 87% da população portuguesa ainda não foi vacinada. Apenas 579.069 pessoas já tomaram as duas doses, o que equivale a 6% da população. Faltam ainda 64% para atingirmos o número mágico dos 70%.
Pois se, na verdade, a pandemia não afeta todos por igual, a Covid-19 está a contribuir para aumentar o fosso das desigualdades. E de forma dramática. É urgente sensibilizar o Governo, as Regiões, as Comunidades Intermunicipais e as Câmaras Municipais para olhar para este problema e tentar resolvê-lo ou, pelo menos, mitigar os seus danos. É urgente focarmo-nos nas pessoas com baixos rendimentos e baixa escolaridade, pois são as mais vulneráveis. É urgente repensar toda a estratégia para combater este Portugal desigual que persiste.