Os serviços financeiros já se encontravam num processo de mudança quando surgiu o SARS-CoV-2 e a pandemia de Covid-19 só veio aprofundar tendências de evolução que já eram marcantes. “Os consumidores já demonstravam uma necessidade de inovação por parte da banca tradicional. Com a pandemia, surgiram novos comportamentos e hábitos do consumidor, nomeadamente uma necessidade acrescida de realizar as operações à distância, aumento dos pagamentos contactless, e a necessidade do serviço ao cliente ser realizado de forma remota”, afirma ao Jornal Económico (JE) Inês Pereira da Costa, country manager da Lydia em Portugal.
Porque mudam os serviços financeiros, a banca é obrigada a mudar com eles, mas vai mais longe e se não consegue limitar a entrada de novos protagonistas no seu terreno de jogo, com produtos e serviços renovados, pode avançar sobre novos mercados, com toda a experiência e informação que detém. “O futuro vai trazer uma oferta agregada da banca tradicional com produtos e serviços não financeiros, nomeadamente através de parcerias entre bancos e empresas de outros sectores”, como os seguros, a saúde, o retalho, o comércio eletrónico, a logística, as telecomunicações, o ensino, mas também a restauração ou o entretenimento, diz João Fonseca, partner da consultora Deloitte.
Vamos “assistir a uma omnipresença dos serviços financeiros no dia a dia das pessoas e das empresas, através da integração com os canais de consumo e os pontos de interação com os consumidores, nas cadeias de valor de empresas não financeiras”, aponta.
A base deste mundo em que a banca se entrelaça com outras atividades é a partilha de dados. Estamos a falar de “open banking, com diversidade de acesso a soluções e livre transação, com acesso e compartilhamento de dados”, diz Luís Rasquilha, CEO da Inova Trendsinnovation Ecosystem, em declarações ao JE. Trata-se da utilização de dados para melhor conhecer clientes e ajustar ofertas, mas também de “big data para intelligent data”, acrescenta.
Segundo o estudo “Voice of the customer: retail banking experience”, da Deloitte, mais de 50% dos clientes bancários entre os 18 e os 44 anos estão dispostos a partilharem a sua informação financeira com plataformas externas aos bancos para receberem ofertas agregadas mais direcionadas às suas necessidades.
“Podemos esperar a crescente utilização dos dados como uma base transformadora da relação com o cliente e do próprio negócio bancário e um mercado cada vez mais global, com players com ofertas diversificadas e sofisticadas, nomeadamente nas áreas de pagamentos, corretagem, originem de crédito, entre outras”, aponta Fonseca.
“Atualmente, existe uma grande diversidade de canais de acesso a serviços financeiros, nomeadamente através de apps digitais e plataformas de homebanking, que vai ser complementada pela crescente utilização inteligente dos dados, com recurso à aplicação de técnicas analíticas avançadas (Machine Learning; Explainable AI) e a obtenção de dados através de novas fontes (smartphones, wearables, IoT). Para além, prevê-se ainda uma maior facilidade de combinação entre produtos e serviços de diferentes entidades financeiros, segundo a melhor conveniência e interesse do cliente, tirando partido de emergência do Open Banking e Open Finance”, acrescenta.
Business as usual?
Esta perspetiva de evolução não surge como uma como uma completa novidade, porque se anteviam os trilhos para a evolução que, entretanto, se tornou mais rápida.
No relatório que fez sobre o futuro dos serviços financeiros, já em plena pandemia, a consultora PwC refere sete grandes macrotendências que vão impactar o sector financeiro e todas elas constituem motivo de preocupação para a banca tradicional. Estamos a falar de um período continua de baixas taxas de juro, de reduzida capacidade de acomodar risco (porque a crise pandémica erodiu balanços), de maiores restrições regulatórias, mas também de crescimento de “fornecedores de capital” alternativos, que passam a ser mais importantes, isto tudo, num quadro em que os serviços financeiros passam a ser oferecidos através de plataformas, de uma forma mais desintermediada, como tentam fazer as chamadas fintech.
“A inovação tecnológica e digital faz com que todo o mercado, de uma forma ou de outra, tenha que evoluir e acompanhar essa transformação”, refere Inês Pereira da Costa. “Esta evolução pode refletir-se em novas ferramentas e features ou pelo tipo de serviço prestado aos clientes”, acrescenta a responsável pela plataforma francesa de pagamentos digitais que escolheu Portugal como o primeiro país para a sua expansão internacional. Promete menos burocracia, mais meios de comunicação, novas ferramentas e uma resposta imediata.
No que se refere ao acesso ao mercado e à relação com os clientes, tudo passa pela evolução tecnológica.
Luís Rasquilha identifica temas que são centrais para a banca e para os consumidores e que têm a tecnologia como ponto central: a afirmação as criptomoedas; a utilização da tecnologia blockchain; os serviços financeiros descentralizados – “decentralized finance” –, “que permitem o acesso a fundos e financiamentos sem passar pela cadeia de valor tradicional de bancos e órgãos reguladores centrais”; e as plataformas digitais financeiras como agregadoras de serviços assegurados por diferentes agentes de mercado, muitas vezes concorrentes entre si. “Muitos dos conceitos misturam-se entre si e são um game changer de todo o sector, muitas vezes até tentando tirar ou mudar radicalmente a influência dos players financeiros ditos tradicionais”, diz Rasquilha. “Os principais serviços do futuro/presente estão muito alinhados com as ideias de contactless e digitalização real time de soluções, para otimizar a velocidade e a intensidade do relacionamento em transações com clientes. Isto significa uma mudança enorme na lógica do negócio e na cultura dos players atuais. Novos negócios e novas soluções estão aí já para mudar a lógica de mercado e até a própria regulamentação”, acrescenta.
Sem grande surpresa, para João Fonseca, “vai continuar a haver uma aposta forte no desenvolvimento digital, focado: na qualidade do serviço e da experiência; na diversificação da oferta aos clientes de retalho; na criação e sofisticação de ofertas e serviços dirigidos a segmentos de clientes específicos, até agora menos trabalhados”, como affluent, private, PME, grandes empresas.
No entanto, ainda que a tecnologia esteja a potenciar a oferta de novos serviços financeiros, o partner da Deloitte assegura que “a relevância dos produtos bancários tradicionais (crédito, poupança/investimento e pagamentos) deverá manter-se, uma vez que estão no cerne das necessidades do ciclo de vida das pessoas e das empresas”. A forma como estes produtos são disponibilizados é que continuará a evoluir significativamente, muito por força dos avanços tecnológicos, refere. Ou seja, como escreveram Kander e Ebb, “money makes the world go around, the world go around”, mesmo que, nos novos tempos, “the clinking, clanking, clunking sound” seja substituído por silenciosos bits.
Taguspark
Ed. Tecnologia IV
Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, 71
2740-257 Porto Salvo
online@medianove.com