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Desmaterialização dos serviços financeiros permite estar em todo o lado

Digitalização de operações, concorrência e utilização de dados vai transformar a banca tradicional, que já estava sob pressão das fintech. No futuro, promete aparecer ao consumidor em parceria com agentes de muitos outros sectores e serviços à medida.
4 Julho 2021, 17h00

Os serviços financeiros já se encontravam num processo de mudança quando surgiu o SARS-CoV-2 e a pandemia de Covid-19 só veio aprofundar tendências de evolução que já eram marcantes. “Os consumidores já demonstravam uma necessidade de inovação por parte da banca tradicional. Com a pandemia, surgiram novos comportamentos e hábitos do consumidor, nomeadamente uma necessidade acrescida de realizar as operações à distância, aumento dos pagamentos contactless, e a necessidade do serviço ao cliente ser realizado de forma remota”, afirma ao Jornal Económico (JE) Inês Pereira da Costa, country manager da Lydia em Portugal.

Porque mudam os serviços financeiros, a banca é obrigada a mudar com eles, mas vai mais longe e se não consegue limitar a entrada de novos protagonistas no seu terreno de jogo, com produtos e serviços renovados, pode avançar sobre novos mercados, com toda a experiência e informação que detém. “O futuro vai trazer uma oferta agregada da banca tradicional com produtos e serviços não financeiros, nomeadamente através de parcerias entre bancos e empresas de outros sectores”, como os seguros, a saúde, o retalho, o comércio eletrónico, a logística, as telecomunicações, o ensino, mas também a restauração ou o entretenimento, diz João Fonseca, partner da consultora Deloitte.

Vamos “assistir a uma omnipresença dos serviços financeiros no dia a dia das pessoas e das empresas, através da integração com os canais de consumo e os pontos de interação com os consumidores, nas cadeias de valor de empresas não financeiras”, aponta.
A base deste mundo em que a banca se entrelaça com outras atividades é a partilha de dados. Estamos a falar de “open banking, com diversidade de acesso a soluções e livre transação, com acesso e compartilhamento de dados”, diz Luís Rasquilha, CEO da Inova Trendsinnovation Ecosystem, em declarações ao JE. Trata-se da utilização de dados para melhor conhecer clientes e ajustar ofertas, mas também de “big data para intelligent data”, acrescenta.

Segundo o estudo “Voice of the customer: retail banking experience”, da Deloitte, mais de 50% dos clientes bancários entre os 18 e os 44 anos estão dispostos a partilharem a sua informação financeira com plataformas externas aos bancos para receberem ofertas agregadas mais direcionadas às suas necessidades.

“Podemos esperar a crescente utilização dos dados como uma base transformadora da relação com o cliente e do próprio negócio bancário e um mercado cada vez mais global, com players com ofertas diversificadas e sofisticadas, nomeadamente nas áreas de pagamentos, corretagem, originem de crédito, entre outras”, aponta Fonseca.

“Atualmente, existe uma grande diversidade de canais de acesso a serviços financeiros, nomeadamente através de apps digitais e plataformas de homebanking, que vai ser complementada pela crescente utilização inteligente dos dados, com recurso à aplicação de técnicas analíticas avançadas (Machine Learning; Explainable AI) e a obtenção de dados através de novas fontes (smartphones, wearables, IoT). Para além, prevê-se ainda uma maior facilidade de combinação entre produtos e serviços de diferentes entidades financeiros, segundo a melhor conveniência e interesse do cliente, tirando partido de emergência do Open Banking e Open Finance”, acrescenta.

 

Business as usual?
Esta perspetiva de evolução não surge como uma como uma completa novidade, porque se anteviam os trilhos para a evolução que, entretanto, se tornou mais rápida.

No relatório que fez sobre o futuro dos serviços financeiros, já em plena pandemia, a consultora PwC refere sete grandes macrotendências que vão impactar o sector financeiro e todas elas constituem motivo de preocupação para a banca tradicional. Estamos a falar de um período continua de baixas taxas de juro, de reduzida capacidade de acomodar risco (porque a crise pandémica erodiu balanços), de maiores restrições regulatórias, mas também de crescimento de “fornecedores de capital” alternativos, que passam a ser mais importantes, isto tudo, num quadro em que os serviços financeiros passam a ser oferecidos através de plataformas, de uma forma mais desintermediada, como tentam fazer as chamadas fintech.

“A inovação tecnológica e digital faz com que todo o mercado, de uma forma ou de outra, tenha que evoluir e acompanhar essa transformação”, refere Inês Pereira da Costa. “Esta evolução pode refletir-se em novas ferramentas e features ou pelo tipo de serviço prestado aos clientes”, acrescenta a responsável pela plataforma francesa de pagamentos digitais que escolheu Portugal como o primeiro país para a sua expansão internacional. Promete menos burocracia, mais meios de comunicação, novas ferramentas e uma resposta imediata.

No que se refere ao acesso ao mercado e à relação com os clientes, tudo passa pela evolução tecnológica.

Luís Rasquilha identifica temas que são centrais para a banca e para os consumidores e que têm a tecnologia como ponto central: a afirmação as criptomoedas; a utilização da tecnologia blockchain; os serviços financeiros descentralizados – “decentralized finance” –, “que permitem o acesso a fundos e financiamentos sem passar pela cadeia de valor tradicional de bancos e órgãos reguladores centrais”; e as plataformas digitais financeiras como agregadoras de serviços assegurados por diferentes agentes de mercado, muitas vezes concorrentes entre si. “Muitos dos conceitos misturam-se entre si e são um game changer de todo o sector, muitas vezes até tentando tirar ou mudar radicalmente a influência dos players financeiros ditos tradicionais”, diz Rasquilha. “Os principais serviços do futuro/presente estão muito alinhados com as ideias de contactless e digitalização real time de soluções, para otimizar a velocidade e a intensidade do relacionamento em transações com clientes. Isto significa uma mudança enorme na lógica do negócio e na cultura dos players atuais. Novos negócios e novas soluções estão aí já para mudar a lógica de mercado e até a própria regulamentação”, acrescenta.

Sem grande surpresa, para João Fonseca, “vai continuar a haver uma aposta forte no desenvolvimento digital, focado: na qualidade do serviço e da experiência; na diversificação da oferta aos clientes de retalho; na criação e sofisticação de ofertas e serviços dirigidos a segmentos de clientes específicos, até agora menos trabalhados”, como affluent, private, PME, grandes empresas.

No entanto, ainda que a tecnologia esteja a potenciar a oferta de novos serviços financeiros, o partner da Deloitte assegura que “a relevância dos produtos bancários tradicionais (crédito, poupança/investimento e pagamentos) deverá manter-se, uma vez que estão no cerne das necessidades do ciclo de vida das pessoas e das empresas”. A forma como estes produtos são disponibilizados é que continuará a evoluir significativamente, muito por força dos avanços tecnológicos, refere. Ou seja, como escreveram Kander e Ebb, “money makes the world go around, the world go around”, mesmo que, nos novos tempos, “the clinking, clanking, clunking sound” seja substituído por silenciosos bits.

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