Num contexto de recuperação económica e de crescente preocupação ambiental por parte dos cidadãos, a pressão para acelerar a transformação da Administração Pública através de soluções inteligentes é cada vez maior. A dotação financeira de mais de 550 milhões de euros definida no Plano de Recuperação e Resiliência português comprova a centralidade da modernização administrativa para o horizonte 2021-2027, embora sem deixar evidente qual virá a ser o papel da administração local como beneficiária destes fundos.

A modernização administrativa caminha lado a lado com a desmaterialização dos processos internos dos organismos públicos. Segundo cálculos da Agência para a Transição Ecológica francesa (ADEME), um departamento de 100 pessoas gasta em média 10.000 € a 25.000 € em papel anualmente. Torna-se imperativo capacitar as estruturas públicas para a supressão de procedimentos ineficientes e equipamentos desatualizados e para a reestruturação dos processos internos considerando as potencialidades tecnológicas atuais, conferindo-lhes validade legal e assegurando uma capacidade permanente de atualização e de controlo, quer da qualidade do serviço prestado ao cidadão quer do nível de eficiência na articulação com a restante administração pública.

O processo da descentralização de competências em curso é uma oportunidade ímpar para as autarquias desencadearem processos de modernização administrativa e, em paralelo, de desmaterialização de processos.

A administração local tem de assumir como missão prioritária a qualidade do serviço público prestado, para o que a desmaterialização de processos pode aportar vantagens significativas, nomeadamente a racionalização de recursos da despesa pública, a diminuição do nível de resíduos e a consequente promoção de soluções amigas do ambiente, bem como uma aproximação às pessoas fruto da simplificação de processos. Além destas, a digitalização pensada de forma estrutural (como solução de raiz que possibilita uma verdadeira informatização de dados e procedimentos, e não como mero repositório digital dos antigos procedimentos realizados em papel) e a redução do papel utilizado permitem uma reorganização administrativa que potencia a automatização das tarefas mais repetitivas e sujeitas a erro, que facilita a libertação de recursos para tarefas de maior valor acrescentado, reduzindo o erro e alcançando ganhos de eficiência que beneficiam todos os stakeholders do município.

A promoção da desmaterialização implica a transformação da cultura organizacional da administração local e inevitavelmente o desenvolvimento de soluções digitais. A integração das tecnologias da informação e comunicação para a gestão documental eletrónica deve ser percecionada como instrumento para agilizar os procedimentos administrativos, e não como um complemento aos processos existentes. Importa ter consciência que a dimensão das autarquias e o figurino da sua estrutura orgânica podem recomendar diferentes soluções que, por sua vez, terão de ser equacionadas do ponto de vista de uma adequada capacitação institucional, por forma a equilibrar o tendencial desajuste existente entre o nível médio de habilitações dos recursos humanos das autarquias e as novas exigências técnicas e tecnológicas, atualmente amplificado pela transferência de competências em curso. Neste tema da cultura organizacional importa ainda desenvolver uma comunicação eficaz acerca da pertinência da desmaterialização para a melhoria dos indicadores de desempenho da autarquia, da redução dos tempos de espera exigidos ao cidadão e da própria eficácia com que o município se articula com as restantes estruturas públicas, seja em termos de articulação formal, de reporte ou de prestação de contas.

A modernização administrativa por via da desmaterialização é ainda um caminho a desbravar. A dianteira das iniciativas desenvolvidas neste domínio tem sido assumida pelos departamentos urbanísticos e é impulsionada por questões muito concretas, como as dificuldades de manipulação e conservação de grandes quantidades de papel. Não obstante, a proximidade da EY-Parthenon a organismos públicos permite identificar o surgimento de reflexões mais estruturadas sobre esta matéria, nas quais as reflexões sobre a otimização dos procedimentos já começam a fazer-se previamente à identificação ou adoção da solução tecnológica. Esta nova reflexão sobre a própria orgânica municipal terá de ser acompanhada da definição de metas quantificáveis que permitam monitorizar os progressos realizados.