[weglot_switcher]

Bruxelas está a “monitorizar cumprimento” dos contratos da venda do Novo Banco

Ao Jornal Económico, a Direcção-Geral da Concorrência europeia garante que está “a monitorizar o cumprimento” dos compromissos assumidos pelo Estado português em 2017 no âmbito da venda de 75% do Novo Banco ao acionista norte-americano Lone Star.
27 Novembro 2020, 11h51

A Direção-Geral da Concorrência europeia (DGComp) está atenta ao cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado português perante Bruxelas no âmbito dos contratos de venda do Novo Banco, em 2017.

Esta quinta-feira, o Parlamento, com o voto a favor do PSD, aprovou a proposta do BE para travar a transferência de 476 milhões do Fundo de Resolução para capitalizar o Novo Banco em 2021, o que poderá levar ao incumprimento de vários contratos que obrigam o Estado português.

Ao JE, porta-voz da Comissão Europeia diz expressamente que “a Comissão está a monitorizar o cumprimento desses compromissos”.

Um dos contratos assinados no âmbito da venda do Novo Banco foi o acordo entre o Estado português e a Comissão Europeia e que fundamenta a autorização de Bruxelas à venda de 75% do Novo Banco à Lone Star. O acordo com a DGComp decorreu do facto de a venda do então banco de transição manter uma entidade pública no seu capital (25%) — o FdR — e de isso remeter o processo para as regras relativas aos auxílios estatais, que a entidade europeia reconheceu esta manhã ao JE.

“Em 2017, a Comissão aprovou, no âmbito das ajudas estatais, a ajuda notificada por Portugal para a venda do Novo Banco com base em determinados compromissos assumidos por Portugal”, sinalizou o porta-voz.

Sucede que, com o ‘veto’ parlamentar ontem aprovado em São Bento, o contrato assinado entre Portugal e a Comissão Europeia em 2017 corre também o risco de entrar em incumprimento por causa da proibição de capitalizar o banco, que poderá fica impedido de concluir o processo de reestruturação este ano e atingir os lucros em 2021, tal como está previsto no acordo com a DG Comp.

Este acordo — entre o Estado português e a DGComp — prevê ainda a cláusula de emergência (capital backstop) numa situação extrema, que agora fica mais perto de acontecer. Tal como consta do acordo com Bruxelas, na medida em que surjam necessidades de capital em circunstâncias adversas que não possam ser resolvidas pela Lone Star ou por outros operadores de mercado, Portugal disponibilizará capital adicional limitado.

No entanto, para que seja acionada esta cláusula capital backstop, que dará origem a uma injeção de capital no Novo Banco, é necessária aprovação parlamentar porque teria de ser inscrita num Orçamento do Estado.

Outro acordo em risco de incumprimento pela proibição de injeção de capital no Novo Banco é o Acordo de Capitalização Contingente, que criou o mecanismo de capital contingente.

É ao abrigo deste acordo que o FdR, liderado por Luís Máximo dos Santos, tem sido chamado a capitalizar o banco por perdas com um determinado grupo de ativos. O FdR, que está na dependência do Banco de Portugal, capitaliza a instituição de crédito consoante o menor de dois valores: o valor das perdas líquidas acumuladas com ativos cobertos pelo mecanismo de capital contingente ou pelo valor necessário para repor o rácio de capital CET1 acima de 12%.

Ora, desautorizando-se o FdR a fazer qualquer transferência para o Novo Banco em 2021, este contrato também entra em incumprimento.

Além deste contrato, o travão da Assembleia da República à injeção de capital no Novo Banco viola ainda o contrato de venda do banco assinado entre a Nani Holdings ( Lone Star) e o FdR, e que prevê a capitalização do banco através de um mecanismo de capitalização contingente, que tem ainda uma folga de cerca de 912 milhões de euros.

Os incumprimento desses contratos [contrato de venda e Acordo de Capitalização Contingente] pode acabar num processo de litigância movido pela Lone Star. É ainda de salientar que o Acordo-Quadro celebrado entre as Finanças (assinado pelo então ministro Mário Centeno) e o FdR, que permite os empréstimos anuais ao FdR até um limite de 850 milhões de euros, enquanto durar um outro acordo (o de Capitalização Contingente), fica também comprometido com esta proibição decretada pelo Parlamento se ela se mantiver em maio.

Perante uma situação de incumprimento, Portugal poderia ficar, perante autoridades internacionais, com o rótulo de ser um Estado que não cumpre contratos, o que é especialmente grave numa altura em que espera por fundos de Bruxelas para estimular a debilitada economia e se prepara para assumir a presidência da União Europeia.

O primeiro ministro, António Costa, assegurou ontem à presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, o “escrupuloso” cumprimento dos compromissos do Estado. O país, disse chefe de Governo, “é um Estado de Direito que cumpre as suas obrigações contratuais”.

“Falei com a presidente do BCE, Christine Lagarde, a quem garanti o escrupuloso cumprimento dos compromissos assumidos no quadro da venda do Novo Banco”, rematou o primeiro ministro.

Nos últimos anos, o FdR tem contraído um empréstimo junto do Estado de até 850 milhões de euros para capitalizar o Novo Banco. No entanto, perante o finca-pé do BE, que recusou aprovar um Orçamento do Estado com este empréstimo inscrito, o Governo criou um mecanismo que permitisse em simultâneo capitalizar o banco e agradar ao BE.

Desta forma, seria o próprio FdR a contrair um empréstimo de 275 milhões de euros junto da banca privada para repor o capital do Novo Banco em 476 milhões, verba inscrita no Orçamento do Estado para 2021, que não previu o empréstimo do Estado à instituição liderada por Máximo dos Santos, como aconteceu em anos anteriores.

Foi esta transferência que o Parlamento chumbou e não o empréstimo do Estado ao FdR porque não este não estava inscrito na proposta do Orçamento do Estado para 2021, tal como explicou o ministro das Finanças, João Leão.

Brecha nos rácios de capital do Novo Banco

Há outra consequência do travão do Parlamento. Impossibilitado de ser capitalizado em 2021, abre-se uma brecha no rácio de capital do banco liderado por António Ramalho que caberá ao BCE avaliar.

O BCE é o supervisor máximo das instituições de crédito europeias e está hierarquicamente acima do Banco de Portugal.

Como se sabe o Novo Banco tem de operar com capitais acima dos mínimos regulatórios, por um lado e, por outro, está obrigado a operar com o rácio de capital core (CET1) de no mínimo 12%, tal como previsto no Acordo de Capitalização Contingente, que com a decisão do Parlamento poderá agravar-se.

Fontes do setor financeiro explicam que, como o BCE flexibilizou os rácios mínimos de capital regulatório por causa da pandemia Covid-19, e permitiu temporariamente que os bancos operem com capital abaixo do mínimo estipulado no âmbito do SREP (processo de análise e avaliação para fins de supervisão), isso dá alguma margem ao Novo Banco para se aguentar temporariamente e suportar os riscos da sua carteira.

No entanto, tudo vai depender do impacto que os prejuízos vão ter no rácio de capital do Novo Banco que no fim de 2019 estava em 13,5% de CET1 (12,8% na versão fully loaded), acima do requisito inicialmente previsto para este ano no âmbito dos testes do BCE e que era de 10,01% (o que inclui as almofadas de capital que agora estão dispensadas por causa da pandemia).

Em junho, o Novo Banco atingiu um rácio de capital phased-in CET1 de 12%, acima dos requisitos SREP de 8,7%. Por causa dos alívios regulatórios atribuídos pelo BCE, o banco pode operar com rácio de capital CET1 mínimo de 6,2%. Em setembro o Novo Banco reportou um prejuízo de 853 milhões de euros e em junho o banco antecipava pedir ao FdR 176 milhões de euros ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente.

O alívio dos rácios regulamentares também dá tempo ao Governo de preparar um orçamento retificativo que evite incumprir o acordo que instituiu o mecanismo de capital contingente.

https://jornaleconomico.pt/noticias/tribunal-de-contas-diz-que-esta-a-trabalhar-na-auditoria-ao-novo-banco-e-nao-avanca-com-prazos-669585

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.