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“Direito de desconexão poderá ser um mecanismo interessante”, defende coordenador da área laboral da PLMJ

As refeições e o trabalho são feitos no mesmo espaço físico, mas é necessário existir uma separação e equilíbrio entre a vida pessoal e profissional para evitar um burnout. A advogada Carmo Sousa Machado defende que no futuro se vão verificar “consequências inevitáveis” do teletrabalho.
4 Março 2021, 16h18

No modelo do teletrabalho o espaço entre a vida pessoal e profissional pode ser visto como um só, e isso tem afetado algumas famílias que não estão a conseguir o equilíbrio desejado. O sócio co-coordenador da área laboral da PLMJ, Nuno Ferreira Morgado, explicou que o direito a desligar já se iniciou antes do teletrabalho mas que o “direito de desconexão poderá ser um mecanismo interessante se chegarmos a um ponto de fiscalização suficiente para evitar um padrão de abuso da parte das empresas”.

“A tentação de chegar ao trabalhador além do período de trabalho sempre existiu”, adiantou o sócio da PLMJ durante a conferência digital “O Futuro do Emprego em Portugal”, organizada pelo Jornal Económico em parceria com a Multipessoal. “O que temos é um padrão de comportamento que se tem vindo a tornar frequente ao longo dos anos e que gera preocupação de introduzir mecanismo adicional àquele que já existe, que é o trabalhador ter um horário de trabalho e estar disponível para trabalhar nesse horário”, explicou, acrescentando que quando termina o horário de trabalho, o trabalhador “não tem obrigação de permanecer contactável e de realizar trabalhos em momento posterior”.

Apesar de verificar que o direito à desconexão poder ser interessante para evitar abusos permanentes por parte das empresas, Nuno Ferreira Morgado sustenta que “não temos condições para definir se o direito é absolutamente necessário”.

Na opinião de Carmo Sousa Machado, sócia e co-responsável pelo área de prática do direito laboral da Abreu Advogados, é preciso bom senso, tanto da parte dos trabalhadores como das empresas, em perceber onde reside o equilíbrio entre o pessoal e o profissional. “Acho que o bom senso aqui vai ser determinante para se conseguir regular, trabalhar e assimilar esta nova forma de trabalhar”.

“Em regime de teletrabalho, estarmos presos num regime das 9h às 18h, com uma hora de almoço, não faz qualquer sentido. Para mim o teletrabalho tem de casar muito com a própria flexibilidade na gestão do tempo de trabalho e com as obrigações que o trabalhador tem de cumprir com as suas tarefas”, defende a sócia da Abreu Advogados, acrescentando que o teletrabalho também está relacionado “com a confiança que deve existir sempre numa relação de trabalho”.

“Existindo confiança mútua, neste caso mais do empregador perante o trabalhador, a coisa vai funcionar. Naturalmente que, em termos de limites do tempo de trabalho, é muito importante acautelar que a pessoa não trabalha muito mais horas do que aquilo que é suposto, porque desde logo essa fatura vamos pagá-la mais à frente”, disse Carmo Sousa Machado na conferência.

“As empresas vão sofrer de um absentismo maior por parte dos seus trabalhadores, o Estado, ou seja, nós contribuintes vamos pagar porque vai haver custos muito maiores com as questões relacionadas com a saúde mental que já se estão a verificar, e vão ter consequências inevitáveis mais à frente”, sustentou a advogada.

“Todos passámos e estamos a passar por esta realidade de trabalhar em casa, e como já não perdemos tempo com as deslocações para os escritórios estamos a trabalhar mais horas do que trabalharíamos se estivéssemos no escritório, inclusivamente porque nos cruzávamos com alguém e havia dois dedos de conversa, o que é absolutamente saudável e desejável”, analisou.

Relativamente à gestão entre a família e o trabalho, a advogada garante existir uma confusão de espaços. “As realidades são muito diferentes, e temos muitas famílias a viverem em 100 m2, e onde trabalham numa mesa onde tomam as suas refeições, que não têm nada a ver com as condições ergonómicas de uma secretária”, disse.

“Estes aspetos vão ter de ser regulados com bom senso, e sei que é difícil mesurar o que é o bom senso, para que tudo funcione e para tentar minimizar o que vai ceder à frente em termos de doenças profissionais e doença mental dos trabalhadores”, acrescentando que é “muito importante analisar o que se tem passado, ouvir partes envolvidas, tentar perceber e com ponderação regular”.

“Não pode haver a tendência – que não é permitida – do controlo de rede para verificar a que horas um trabalhador se ligou e desligou. Não é isso que interessa. Houve uma evolução dos tempos e nós temos de nos focar no resultado, na produtividade e na melhor conciliação da vida profissional com a pessoal”, defende Carmo Sousa Machado, acrescentando que se houver um “bom equilíbrio entre a vida profissional e pessoal vamos ser pessoas mais felizes e, inevitavelmente, vamos ter trabalhadores mais produtivos”.

João Guedes, sócio da DLA Piper, partilha a mesma opinião que Nuno Morgado, apontando não existir a necessidade dos serviços se desligarem a uma determinada hora e de não permitirem enviar comunicações fora dessa hora. “Não acho que seja necessário porque o trabalhador tem um período normal de trabalho, e pode não ter o rigoroso 9 às 17 horas, mas tem de ter tempo para prestar ao trabalho”, disse na parte final da conferência digital.

Outro ponto de vista do sócio da DLA Piper, que desta vez partilha com Carmo Sousa Machado, é que os trabalhadores não podem ajustar o seu horário para “passar a trabalhar à noite quando o resto da equipa trabalha de dia”, optando pelo modelo notívago. “Cumprindo o seu período normal de trabalho, tempo que ajustou com a empresa, tendo cumprido as tarefas, não vejo necessidade de se impor o desligar automático e obrigatório”, defendeu João Guedes.

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