Enquanto sociedade com um nível de desenvolvimento médio-alto temos enraizada, entre nós, a crença de que o trabalho, o estudo, o cumprimento zeloso dos nossos deveres profissionais, é uma condição muito importante para o desenvolvimento das nossas carreiras, para o crescimento das instituições onde trabalhamos e para o bem-estar geral da comunidade e sociedade onde nos inserimos.

Sem cair na idolatria do mérito – ignorando o ambiente, a estrutura social, a sorte, entre outras variáveis – que tende a produzir as sociedades mais desiguais, acreditamos que a ascensão social, pela via profissional, deve resultar da competência, do saber, do esforço e da seriedade que cada trabalhador coloca naquilo que faz. E queremos que cada vez mais seja assim. Que não seja o berço, o compadrio político, a pertença a organizações discretas, ou os laços familiares, a determinar o sucesso ou insucesso de cada um.

Uma sociedade que se quer justa e equilibrada, onde temos gosto de viver, é feita de valores que procuram, na medida do possível e em liberdade, proporcionar igualdade de oportunidades.

Durante grande parte da minha vida profissional, tive o privilégio de ter como chefes e superiores hierárquicos aqueles que eram os melhores, os mais experientes, fruto de uma seleção natural, onde uma variedade de factores contaram, mas onde saber mais, fazer mais e liderar pelo exemplo foram o mote. Eram tempos em que os bancos serviam a economia nacional de forma eficaz, cumprindo o seu papel de multiplicadores monetários, propiciando crédito às empresas, verdadeiras criadoras de emprego e riqueza.

Depois, na viragem do milénio, com a complacência de um regulador impreparado, displicente e desprevenido, surgiu uma nova geração de dirigentes superiores da banca: berço, compadrio político, organizações secretas e discretas, tudo em conjunto, produziram uma sub-casta de gente sem preparação técnica, sem nenhuma lealdade ou sentimento de pertença para com os colaboradores ou os clientes. Que num misto de impreparação e ganância quase destruíram a honorabilidade e o prestígio da profissão e da actividade bancárias.

Aprendemos ou relembrámos todos, amiúde com o suporte dos contribuintes, que um banco é uma empresa estratégica na economia. Tanto ou mais que as infraestruturas de saúde, aeroportuárias, comunicações ou outras.

Por isso, pelo seu efeito multiplicador positivo na economia, ou pela socialização de perdas, esperamos todos mais rigor no recrutamento e seleção dos altos dirigentes bancários. Queremos pessoas de ética irrepreensível. Com carreira feita na banca, desde os escalões técnicos, passando por cargos de direção, antes de serem alcandorados a membros dos conselhos de administração. Que percebam do negócio bancário acima de tudo. As competências técnicas e funcionais, ganhas noutros locais, são importantes, mas nunca poderão ser decisivas na hora da escolha.

É intolerável, e perigoso para a sociedade, que os amadores possam dirigir empresas de natureza tão sistémica. Jamais toleraríamos que um amador brincasse às cirurgias ou pilotasse um avião comercial. Os respectivos reguladores seguramente não o permitiriam. Por isso, tem a palavra o Banco de Portugal. Uma administração bancária não pode ser lugar de refúgio, para pagar favores, ou para uma reciclagem de carreira. Não pode.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.