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Dividendo, a difícil arte de remunerar o acionista

Numa altura de taxas de juro ultra-baixas, as cotadas usam os dividendos para atrair e cativar os investidores. A fórmula não é, no entanto, linear pois nem sempre a manutenção ou subida dos valores é sinal positivo. Leia aqui o artigo do diretor-adjunto do Jornal Económico, Shrikesh Laxmidas, que venceu esta terça-feira o prémio da Euronext – Lisbon Awards 2019 para ‘Best Media Article on Capital Markets’.
19 Fevereiro 2019, 17h53

“Em termos de dividendos futuros, só digo o que está escrito, precisamente para não permitir interpretações”. A frase de Francisco Lacerda, CEO dos CTT, na apresentação de resultados da empresa, mostra a sensibilidade com que os gestores lidam com a questão da remuneração acionista.

Na época de contas no PSI 20, o caso do operador postal foi o que mais se destacou. Após anunciar um tombo de 56% no resultado do ano passado, Lacerda confirmou o corte de 21% no dividendo, que tinha sido admitido em novembro e levado as ações a afundar mais de um quinto numa só sessão. Para evitar que a situação se repita, os CTT vão passar a pagar um dividendo em função do resultado, ou seja de um rácio de payout, deixando de prometer um valor absoluto.

Lacerda não está sozinho, pois a decisão de manter, aumentar ou cortar o dividendo não é linear.

“As empresas tentam assegurar a mensagem de estabilidade no pagamento de dividendos ao longo do tempo”, explica Filipe Garcia, presidente da IMF-Informação de Mercados Financeiros.

“Tem sido feito mesmo em casos de exercícios negativos ou com uma variação do rácio de payout. Tem-se preferido manter estabilidade no dividend yield [rácio do dividendo face à cotação da ação], mesmo que à custa de esforço financeiro, nomeadamente de endividamento”, adianta.

Do ponto de vista dos investidores, os dividendos constituem uma fonte de retorno, a par de eventuais mais valias, sobre o investimento em ações, ativos de risco.

João Queiroz, diretor de negociação do Banco Carregosa, salienta que “mesmo assim, e considerando que têm de ter um prémio de risco face às obrigações, nas actuais condições de elevada oferta monetária e baixíssimas taxas de juro, com yields to maturity baixas ou negativas para riscos comparáveis, de facto, os dividendos estão atrativos”.

Queiroz destaca que este é o cenário para empresas com capacidade de gerar fluxos de caixa “Historicamente e nos casos de empresas com um corpo acionista estável e duradouro, estas remunerações tendem a corresponder entre 2% a 3% do valor da acção”. Das 13 cotadas no PSI 20 que já anunciaram a política de dividendos em relação ao exercício do ano passado, 10 ultrapassaram esse intervalo.

Outro sinal do esforço para atrair e manter investidores, no atual contexto favorável nas bolsas, é que a maioria das cotadas (nove em 13) vai aumentar o valor do dividendo a pagar face ao do ano anterior. Em termos de rácio de payout, o quadro é mais equilibrado: quatro subiram de forma clara a percentagem do lucro que vão pagar aos acionistas, três mantiveram o rácio do ano anterior e seis diminuíram a proporção.

A empresa que vai oferecer o maior aumento do dividendo é a F.Ramada, recém chegada ao PSI 20 com um quadruplicar dos lucros como cartão de visita e a explicar o disparo de quase 700% na remuneração aos investidores. A operadora de telecom NOS acrescentou 50% ao dividendo, citando a confiança na capacidade de continuar a gerar elevados níveis de free cash flow, enquanto a retalhista Sonae aumentou em 9% após um forte desempenho operacional.

Entre os pesos-pesados do índice a tendência foi, no entanto, de manutenção dos dividendos, embora com nuances diferentes no três casos. A Jerónimo Martins deixou o valor do dividendo praticamente inalterado, mas aumentou o rácio para 100%, ou seja, vai pagar a totalidade dos lucros em dividendos. As quebras no resultado e na rentabilidade castigaram as ações, mas não impediram o aumento do rácio para bastante acima do limite de 40% a 50% que consta na política da empresa. A solidez do balanço e da liquidez foram os fatores a favor.

No caso da EDP, o foco esteve nos sinais sobre o que a empresa irá fazer sobre os dividendos no futuro, após ter mantido inalterado o dividendo (em termos absolutos), em 2017. Segundo alguns analistas, a energética enfrenta pressões regulatórias que tornam a estrutura financeira desequilibrada e deveria, portanto, cortar o dividendo a pagar sobre o exercício de 2018.  O CEO, António Mexia afastou, no entanto, esta hipótese e referiu que o plano é manter e até aumentar “quando fizer sentido”.

O tema das perspetivas futuras também tem estado em destaque no caso do BCP. O banco liderado por Nuno Amado esteve impedido de remunerar os acionistas após 2014, pois estava dependente da ajuda estatal (os CoCos), mas apesar de ter reembolsado essa dívida optou por não pagar um dividendo relativo a 2017. Liberto desse peso e de regresso aos lucros, o CEO já menciona “um potencial regresso” aos dividendos em 2018.

Além dos CTT, também a Sonae Capital diminuiu o dividendo face a 2016, em consequência de ter passado de um lucro de 17,6 milhões euros para um prejuízo de 6,5 milhões no ano passado.

“O corte de dividendo pode acontecer por uma série de razões. A mais frequente é uma queda  nos lucros. As empresas podem conseguir manter os dividendos por algum tempo, mas se os lucros continuarem a cair, eventualmente a capacidade de pagar esses dividendos vais ser restringida”, explica Emma Stevenson, investment writer da gestora de ativos Schroders.

Adianta que a diminuição dos dividendos não tem necessariamente de ser negativa, pois pode ser vista como um primeiro passo para tentar regressar à estabilidade financeira. Noutros casos, o corte pode permitir à empresa investir no crescimento, por exemplo via uma aquisição.

“Pode parecer contrassensual, mas empresas que cortaram dividendos podem ser boas fontes de rendimento futuro”, diz Stevenson, concluindo que “os gestores têm de tomar decisões difíceis”, pois “cortar os dividendos representam uma ameaça, mas ao mesmo tempo uma oportunidade”.

Artigo publicado originalmente a 23-03-2018 na edição nº 1929 do Jornal Económico

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