Era uma vez um país fictício. Dizem alguns observadores que este país não existe e que, a existir, é fruto de um acaso histórico, algo que a globalização resolverá, apesar de vários séculos de história não o terem feito até agora. Este país fictício, plantado à beira-mar, tem um povo que parece andar alheado da realidade. Será verdade?

Dois acontecimentos fictícios, imaginados por este escriba, marcaram os últimos dias.

O primeiro é o elevado nível das audiências nos debates televisivos entre os diversos líderes partidários. Talvez para surpresa de alguns, o povo escuta com interesse os candidatos às próximas eleições legislativas. Apesar dos interesses comerciais das televisões tentarem reduzir tudo ao folclore da tagarelice sobre futebol, o povo, esse eterno desprezado pelas elites, mostra genuíno interesse e segue os debates com atenção. Nos seus locais de trabalho, nos cafés e nos seus momentos de convívio, o povo discute as intervenções dos líderes partidários, formula opinião e revela  a sua resiliência. E, imaginem, vai votar nas eleições, tomando nas suas mãos o destino colectivo.

O segundo acontecimento imaginado envolve a administração de um grande banco. Depois de meses de teimosia e de recusa em proceder a aumentos de vencimentos e de reformas dos seus trabalhadores, relativamente a 2018, e de o ter anunciado publicamente aos sindicatos e à comissão de trabalhadores; depois de ter enfrentado a maior manifestação bancária dos últimos 40 anos; depois de uma interpelação na assembleia-geral de accionistas e de interpelações subsequentes nas conferências de imprensa; depois de uma comissão parlamentar de trabalho que, de forma esmagadora, apoiou as exigências de três sindicatos; depois de ter sentido a força da opinião livre e da comunicação social; depois de ter enfrentado, sob a alçada do Ministério do Trabalho, um processo de conciliação e, depois, um processo de mediação…

Dizia, depois de tudo isto, na iminência de um processo negocial que traria um novo e mais ruidoso protesto e seguiria para a fase de arbitragem, a tal administração de um grande banco resolveu lançar poeira para os olhos dos trabalhadores, activos e reformados. Numa manobra que não vou qualificar, essa dita administração fez um acordo com os dois sindicatos que tinham abdicado de discutir os aumentos de 2018 e fechou com estes um aumento para 2019 inferior ao que tinha proposto aos três sindicatos que não desistiram.

Muito interessante, pensará o leitor. Curiosamente, esta administração desse tal grande banco parece querer continuar a desvalorizar o trabalho em benefício do capital. A acontecer tal acontecimento imaginado, é claro que cá estaremos para impedir tanta imaginação.

Moral da história? Menos ficção e mais bom senso. Destes populistas estamos todos fartos. Fartos de quem procura distrair os cidadãos e os trabalhadores dos verdadeiros temas. Fartos de quem procura diminuir e dividir. De infirmis non tradit historia, i.e. dos fracos não reza a história!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.