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‘Dotcom’ 2.0? Disparo das tecnológicas norte-americanas evoca traumas

Excesso de liquidez no mercado é a “mão” que suporta o valor “insustentável” das ações das tecnológicas norte-americanas, alertam analistas. Não são os castelos no ar do final do século XX, mas arrefecimento económico pode fazer rebentar a bolha.
26 Fevereiro 2020, 09h30

Representam 48% do valor do Nasdaq 100, com uma capitalização bolsista próxima dos seis biliões de dólares (cerca de 5,56 biliões de euros). Depois do rally das ações que se iniciou em 2019, é este o peso atual das FAANG – Facebook, Apple, Amazon, Google (Alphabet) e Netflix – a que se juntam a Tesla e a Microsoft.

Só em 2020, os títulos destas sete tecnológicas acumulam ganhos na ordem dos dois dígitos – à execeção da Facebook –, onde se destaca a subida astronómica da construtora de carros elétricos de Elon Musk. Desde o primeiro dia de negociação de 2020, a Tesla valorizou 119%, passando dos 430 dólares para os 917,42, registados na quarta-feira.

A valorização destas big cap não é imune a riscos e há quem defenda que é uma casa com telhados de vidro. “Os riscos são de uma valorização sem qualquer tipo de fundamentos, nomeadamente ao nível dos lucros prováveis de futuro”, alertou Marco Silva, estratega e consultor de investimentos, referindo ainda que estas tecnológicas “puxam pelo mercado”.

Pedro Lino, presidente do conselho de administração da corretora DiF Broker, explicou que “as empresas tecnológicas têm registado ganhos muito expressivos e apresentam indicadores muito elevados”, o que justifica a sua valorização. “Seja ao nível de price-earnings ratio, capitalização/vendas ou capitalização/lucros”, referiu. Os principais riscos? “Uma forte correção, casos as empresas não consigam surpreender os investidores. Atingir os objetivos [propostos pelas cotadas] não será suficiente”, avisou Pedro Lino.

“Existe ainda outro risco de que ninguém fala”, alertou Marco Silva. “O investimento na queda das ações (short positions) está em mínimos desde a crise financeira de 2008. Isto quer dizer que existe demasiada complacência do mercado e, quando assim é, geralmente o mercado dá a volta e entala os investidores”, explicou.

Tecnologia premiada
Para Pedro Lino, “os investidores estão a pagar o prémio pela tecnologia e pela visão destas empresas”, lembrando o caso da Amazon, que, embora os prejuízos registados durante anos, atraía os investidores com o seu projeto de longo-prazo. “O que as cotações mostram é que quando os investidores acreditam, não têm problema em pagar prémios substanciais tendo em conta que as alternativas são escassas e a liquidez é abundante”, explicou o presidente da DiF Broker.

Marco Silva foi mais longe ao ponto de referir que “existe uma sobrevalorização geral do mercado”. “No caso das empresas de alto crescimento, não é preocupante. Mas depois há outliers como a Tesla, que passou dos 90 dólares por ação para os quase mil dólares em cerca de meio ano, depois de a empresa ter estado perto de falir”, lembrou.

Estamos a assistir a uma concentração de capitalização nas tecnológicas onde cabem diversos perfis de investidores.

“Nos Estados Unidos, as dez maiores capitalizações bolsistas representam cerca de 22% do mercado”, disse Carlos Almeida, diretor de investimentos do Banco Best. “A concentração a que estamos a assistir, para lá da forte valorização da última década, decorre da redução do número de ações listadas nos Estados Unidos, que representa cerca de 60% do mercado de ações mundial”, explicou.

“O problema é que não está ninguém de fora do mercado devido à liquidez que existe no mercado”, alertou Marco Silva. “Temos investidores de curtíssimo, curto, médio e longo-prazo”.

Indústria 4.0, a nova bolha dotcom?
A viragem para o novo milénio trouxe um crash da bolsa, em que muitos ‘castelos no ar’ – nome que se dá às empresas sem fundamentais financeiros que suportem elevadas avaliações – desapareceram de cena. Em 2001, em plena bolha das dot.com, à qual a Amazon ou o eBay sobreviveram, o Nasdaq 100 afunfou mais de 32%. Duas décadas volvidas, o setor da tecnologia é encarado pelo chairman da DiF Broker como “uma bolha diferente”.

“É impulsionada pelos bancos centrais, ao contrário de outras bolhas. Vivemos num ambiente de taxas de juro quase zero, enquanto nas bolhas anteriores tínhamos taxas de 4% e 5%. Ou seja, a liquidez era um refúgio, algo que os bancos centrais fizeram questão de acabar”, referiu Pedro Lino.

Marco Silva vincou que “existe uma tendência de valorização que poderá não ser sustentável”, frisando ainda que “o mercado todo não está sustentável”.

“É meramente uma mão que está por baixo disto, que é a mão dos bancos centrais. Há excessiva liquidez e não há ativos para investir. As obrigações estão completamente desvirtuadas porque se funcionam como ações – já não se investe para receber a taxa de juro, mas sim por causa da valorização da ação”, explicou o consultor de investimentos.

Neste ponto, Carlos Almeida referiu que a indústria 4.0 é diferente da era dotcom, desde logo ao nível na capacidade de estas empresas “apresentarem resultados”.

“A Apple tem um nível de liquidez (cash) de 200 mil milhões de dólares. A posição de cash da Microsoft ascende a 130 mil milhões. Nos dias de hoje, as grandes empresas têm uma estrutura de balanço muito mais forte do que tinham as dot.com”, frisou o diretor de investimentos do Banco Best.

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