Em Portugal, o número de pessoas com duplo emprego continua a aumentar. Os dados, revelados há poucos dias pelo Instituto Nacional de Estatística nas estatísticas de fluxos entre estados do mercado de trabalho, assim o confirmam: 287,5 mil pessoas acumulam dois ou mais trabalhos.

O problema do duplo emprego é o de não ser uma opção, ou seja, não resulta duma escolha. Pode-se optar por pluriatividade, mas esta realidade advém, basicamente, por necessidade. Por não haver vínculo estável ou pelos rendimentos auferidos no primeiro trabalho não serem suficientes. É aqui que reside o problema.

Na conjuntura atual facilmente se entende esta subida consistente. Desde logo, a deterioração do rendimento disponível. Os salários reais, embora estejam a voltar a trajetória positiva, vêm de uma trajetória inversa e já com baixos rendimentos. Os juros na habitação, uma fiscalidade opressiva e uma recente vaga de inflação alta, faz desta uma conjuntura onde facilmente se explica esta realidade do duplo emprego. E não nos esqueçamos que Portugal é um país com baixo poder de compra e onde quase um terço das pessoas em situação de pobreza, trabalham.

Outras dinâmicas também explicam estes números. Uma é a crescente necessidade de mão de obra nas empresas e recrutamento recorrentemente com pouca oferta, o que induz uma maior apetência para complemento com trabalho parcial.

Os jovens adultos são tipicamente mais afetados, algo recorrente noutras estatísticas, como no desemprego ou no trabalho temporário. Isto ocorre por motivos que custam a aceitar em muitos meios: o mercado de trabalho rígido, com despedimento difícil e caro, crescimento económico baixo e custos de contexto elevados, faz com que os jovens sejam os mais vulneráveis nas oportunidades e na estabilidade de emprego. Com um crescimento anémico e esta legislação laboral, esta distorção agrava-se e não se avança no tão ambicionado “emprego de qualidade”.

A criação de riqueza, tantas vezes diabolizada, é uma necessidade imperativa para aumentar os salários. Tal como outras vertentes, como o crescimento da produtividade.

Pouco se fala de a necessidade do mercado de trabalho ser menos dual, mais vocacionada para proteger a pessoa e não o emprego, e onde haja incentivos a que o empregador arrisque na criação de mais emprego. O duplo emprego tem vindo a aumentar, de facto, mas, atentando na realidade em que vivemos, não podemos ficar surpreendidos.