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“É inconcebível que em Portugal se implementem medidas extemporâneas e penalizadoras”, afirma Reis Campos

O licenciamento de obras de reabilitação urbana em Portugal caiu 7,8% em 2020, mas nos primeiros cinco meses deste ano já cresceu 17% face ao período homólogo, recuperando para níveis pré-pandemia.
31 Julho 2021, 15h00

O investimento imobiliário em Portugal sofreu uma quebra de 8,5% no no passado, num mercado em que os investidores estrangeiros representaram cerca de 20%. Em entrevista ao Jornal Económico, Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) dá-nos um retrato de um sector afetado de formas diferentes pela pandemia e critica as indecisões e incertezas criadas pelo Governo em relação aos regimes do Visto Gold e nas rendas fixas por parte dos inquilinos de centros comerciais. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), diz, é uma “oportunidade” que tem de ser aproveitada.

 

Quais são os últimos dados disponíveis sobre o mercado imobiliário em Portugal e como tem sido a sua evolução nos últimos anos, nomeadamente investimento, empregos e área edificada colocada no mercado?
O investimento imobiliário ascendeu a 24,9 mil milhões de euros, em 2020, o que corresponde a uma diminuição de 8,5% face ao realizado no ano anterior. Os investidores estrangeiros terão representado cerca de 20% do total, com um investimento em imobiliário nacional de 4,7 mil milhões de euros.

Quanto à evolução do emprego no conjunto das empresas da fileira da construção e imobiliário, e aqui incluem-se atividades muito diversas e que foram afetadas de forma diferente pela pandemia, verifica-se que, apesar dos constrangimentos resultantes das medidas de confinamento e do problema que é apontado pelas empresas, relativamente à falta de mão-de-obra qualificada, o sector registou, no primeiro trimestre de 2021, uma variação positiva de 0,2% no emprego total, e de 3,1% face ao trimestre anterior.

Não dispomos de informação atualizada relativa a área edificada colocada no mercado, mas os dados relativos ao licenciamento de obras revelam que, após uma queda de 1,4% em 2020, os números mais recentes, relativamente ao total de obras licenciadas nos primeiros cinco meses de 2021, apresentam uma recuperação de 18,7% em termos homólogos. Complementarmente, e em concreto no que diz respeito às vendas de alojamentos familiares, em 2020 registou-se um total de 171 mil transações, menos 5,3% que o verificado no ano anterior e, no primeiro trimestre de 2021, a variação face ao trimestre homólogo do ano passado foi positiva, de 0,5%.

 

Como é que a pandemia afetou o sector?
A construção e imobiliário é uma das mais longas e complexas cadeias de valor da economia, pelo que, consequentemente, o impacto da pandemia foi muito diferenciado nos segmentos de atividade e nas empresas do sector. A exemplo do que aconteceu na Europa, as sucessivas medidas de confinamento não determinaram a suspensão das obras, o que foi muito importante para que as empresas pudessem assegurar tanto a continuidade dos projetos em curso, como a disponibilização de toda a capacidade operacional que permite mantermos os nossos edifícios e infraestruturas seguros e a funcionar normalmente. No entanto, o sector teve de realizar um grande esforço para ultrapassar os constrangimentos e as dificuldades impostas no âmbito da pandemia, e recordo que se trata de uma atividade com presença alargada no território nacional e uma elevada mobilidade dos seus recursos humanos, pelo que foi necessária uma reorganização de todo o trabalho, de forma a garantir o cumprimento das normas e a segurança e a saúde, e esta nova realidade representou um significativo aumento de custos e redução da produtividade. Ainda é necessário evidenciar os efeitos de um anormal e imprevisível custo das matérias-primas e dos materiais de construção e dos problemas que estão a afetar as cadeias globais de produção e distribuição e que já são reconhecidos como uma das mais sérias ameaças à recuperação económica e que, naturalmente, estão a exercer um impacto muito significativo e para o qual temos vindo a defender a adoção de medidas.

Adicionalmente, podemos enumerar diversos exemplos concretos em segmentos da fileira, como a mediação imobiliária, particularmente afetada pelas limitações impostas pelas medidas de confinamento e pelas restrições à mobilidade.

 

E quanto ao sector da reabilitação urbana?
O impacto no sector da reabilitação foi similar ao ocorrido para a generalidade do sector. As medidas de confinamento não determinaram a interrupção das obras, mas houve muitas circunstâncias em que ocorreram disrupções, ainda que transitórias, porque estamos a falar de intervenções que, em muitos casos, ocorrem em casas habitadas. Se olharmos para o licenciamento de obras de reabilitação, verificamos que, em 2020, se registou um decréscimo de 7,8% face ao apurado no ano anterior. Mas, se compararmos a evolução dos primeiros cinco meses de 2021 com o período homólogo de 2020, observa-se um crescimento de 17%, ou seja, estamos a recuperar para os níveis de atividade pré-pandemia.

 

Quais as perspetivas dos sectores do imobiliário e da reabilitação urbana para 2021 e para os anos seguintes?
As atuais previsões macroeconómicas apontam para uma recuperação do PIB [Produto Interno Bruto] e do investimento e, em especial, do investimento em construção, e estima-se uma taxa de crescimento real de 2,2% para a produção do sector em 2021, com o segmento de construção de edifícios residenciais a registar uma variação de -1%; o segmento de construção de edifícios não residenciais -1,1%; e o segmento de obras de engenharia civil a apresentar um crescimento de 6%. No que diz respeito à reabilitação urbana, recordo que este é um vector estratégico para a retoma económica e tem-se mantido um nível de elevada procura nacional e internacional, bem como enquadramento macroeconómico marcado por taxas de juro historicamente baixas, que favorecem este mercado. O surto pandémico e a crise económica e social daí resultantes representam um contexto de incerteza, mas, numa perspetiva de médio-longo prazo, a diversidade do nosso território e o seu património edificado mantêm-se enquanto fatores de competitividade e a reabilitação urbana, que se encontra num momento de consolidação e estabilização, tem todas as condições manter uma trajetória crescente e dar um significativo contributo para a economia e o emprego.

 

Além dos constrangimentos provocados pela pandemia, quais os outros grandes obstáculos e desafios que se colocam ao imobiliário e à reabilitação urbana?
Os grandes desafios para o imobiliário e a reabilitação urbana nos próximos anos, são também desafios determinantes para todo o País. O posicionamento competitivo à escala internacional e a capacidade de captação de investimento e de promover a coesão territorial são questões essenciais, bem como o desafio que é largamente consensual na sociedade portuguesa e assumido pelo Governo que é a habitação para todos.

A melhoria das condições de acesso à habitação e, pensando, em particular, nos mais jovens, a criação de um verdadeiro mercado do arrendamento ou a necessidade de promover o alargamento da reabilitação urbana à generalidade do território, em especial aos designados territórios de baixa densidade e ou de assegurar a atratividade e competitividade do investimento em reabilitação, são matérias que continuam e continuarão a ser prioritárias nos próximos anos. Já no que diz respeito aos obstáculos, medidas como a manutenção do AIMI [Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis], o IMI que reverte para o Estado ou a tributação dos stocks de casas detidas para venda por parte das empresas do sector continuam a penalizar excessivamente os investidores e, consequentemente, o investimento no imobiliário e na reabilitação são exemplos claros. Também é necessário eliminar o ambiente de incerteza e promover a confiança dos investidores, assegurando um posicionamento competitivo do mercado imobiliário português e a introdução de limitações ao Programa dos Vistos Gold, o qual deixará de abranger todo o território nacional e, assim, perder terreno face a iniciativas similares noutros países europeus é mais um exemplo.

 

De que forma é que o PRRvai fomentar estes dois sectores de atividade?
A aposta da Comissão Europeia no sector e, muito concretamente, na reabilitação e na eficiência energética está inscrita na matriz do Mecanismo de Recuperação e Resiliência e, consequentemente, tem de integrar todos os planos de recuperação nacionais, mas, recordo, era uma estratégia que é prévia à pandemia. A estratégia da Comissão ‘Uma Vaga de Renovação para a Europa – Tornar os nossos Edifícios Mais Verdes, Criar Emprego, Melhorar as condições de Vida’ assumiu metas ambiciosas à escala europeia, pretendendo-se duplicar as taxas atuais de reabilitação energética dos edifícios residenciais e não residenciais, cuja média europeia se situa em cerca de 1%, melhorar o desempenho energético de 35 milhões de edifícios e criar 160 mil empregos ‘verdes’ adicionais no sector da construção.

No PRR estão previstos, muito concretamente, dois componentes, o Componente 2 – Habitação, que representa um total de 1.583 milhões de euros em subvenções, aos quais se somam mais 1.150 milhões em empréstimos e é aquele com maior dimensão em todo o PRR, pelo que se materializa uma prioridade estratégica há muito reconhecida em Portugal, e o Componente 13 – Eficiência Energética em Edifícios, para o qual estão previstos 610 milhões de euros em subvenções. Estes recursos estão especificamente orientados para fomentar o investimento público e privado em habitação, são valores importantes que terão de ser executados num horizonte temporal curto, como todos sabemos e constituem uma oportunidade para o País. Porém, o impacto esperado do PRR é mais alargado. Estamos a falar de um plano que tem três dimensões estruturantes, a resiliência onde se inserem a habitação, a transição climática, onde está incluída a eficiência energética em edifícios e a transição digital, onde encontramos a capacitação das empresas e o sector tem uma presença transversal em todo o plano.

 

No seu entender, o que é que devia estar inscrito no PRR e não está, e o que é que está e não devia estar?
Portugal não pode ficar à margem da restante Europa e este é um Plano que vai exigir um acompanhamento permanente e capacidade para ir concretizando as medidas e ajustando as soluções, pelo que o debate, neste momento, mais do que incidir sobre o que não está no PRR, tem de estar focado na sua correta e integral execução, nos termos aprovados pelas instâncias comunitárias, desafio que tem de mobilizar toda a sociedade. Tivemos oportunidade de referir, aquando da definição do PRR, que era essencial mobilizar, por um lado, o investimento privado e, por outro, desenvolver uma forte aposta na capacitação das empresas portuguesas e no reforço da sua competitividade perante a crescente concorrência externa. É reconhecido que estes são domínios que não têm a expressão que se considera necessária, mas julgo que haverá abertura para ir ajustando os instrumentos existentes e para equacionar outros apoios com recurso, por exemplo, à componente de empréstimos que está amplamente subutilizada e introduzir melhorias, sem colocar em causa a execução do Plano.

 

De que forma as indecisões sobre a questão dos Vistos Gold estão a prejudicar o desenvolvimento do sector imobiliário e, eventualmente, da reabilitação urbana?
Prejudicam, desde logo, porque introduzem incerteza, geram desconfiança por parte dos investidores estrangeiros e colocam Portugal em desvantagem perante outros países europeus que, para além de disporem de regimes similares ao português, estão precisamente a fazer o inverso, ou seja, a melhorar a atratividade dos seus programas, como é o caso da Grécia. Quando toda a Europa prepara estratégias de combate à crise que, colocam o investimento e a construção e imobiliário num papel central, é inconcebível que, em Portugal, se implementem medidas extemporâneas e penalizadoras. O Programa de Vistos Gold registou, desde 2012, um investimento em imobiliário nacional de 5,3 mil milhões de euros, 90,5% do total e 9.230 investidores (94% do total). Em 2020, e ainda no que diz respeito ao investimento em imobiliário, foram captados 588 milhões de euros e, no primeiro semestre do ano atual, 220 milhões de euros. O País tem de procurar formas de assegurar a competitividade de todo o território nacional e introduzir as melhorias e incentivos ao investimento nos territórios de baixa densidade, ao invés de criar barreiras ao investimento.

 

E em relação ao impacto da medida, aprovada pelo Governo em julho de 2020, de suspender o pagamento de rendas fixas por parte dos inquilinos de espaços em centros comerciais, uma vez que há grandes players do sector a reclamar que essa decisão foi uma intromissão do Governo e está a afastar investidores nacionais e internacionais?
Os pressupostos são precisamente os mesmos que referi. Introduzir incerteza e gerar desconfiança junto dos investidores tem consequências negativas incontornáveis, que são ainda mais agravadas quando, à escala internacional, os países procuram aumentar a sua competitividade.

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