[weglot_switcher]

Luís Filipe Reis, administrador da Sonae: “É mais desafiante dar aulas hoje”

Médico, com MBA, o gestor e professor universitário diz que Portugal tem uma boa formação e os alunos vão preparados para o mercado de trabalho.
24 Março 2019, 17h00

Começou a sua formação na medicina e terminou-a em 1989 com um Master of Business Administration (MBA) em gestão de empresas. Antes disso recebeu um convite de Belmiro de Azevedo, para integrar a sua holding pessoal. Luís Filipe Reis, administrador da Sonae, confessa ao Jornal Económico que o MBA lhe transformou a vida de várias maneiras.

Como se dá a mudança de medicina para gestão?

Foi uma mudança que não foi abrupta, mas gradual e na qual o MBA acaba por vir a ter um papel absolutamente decisivo. Estava muito bem na minha profissão original de medicina, mas às páginas tantas respondi a anúncios de empresas farmacêuticas, que precisavam de médicos para começar a trabalhar na indústria como gestores de produtos. Não deixei de gostar do que fazia na área médica, mas comecei a interessar-me por outras áreas e pensei que tinha de estudar algo virado para a gestão. Entendi que um MBA poderia ser uma ‘janela’ para uma compreensão do que era toda a área de gestão.Tive a felicidade de fazer um MBA muito exigente, com professores muito exigentes do ponto de vista dos conteúdos e que abrangia todas as áreas de gestão. Isso deu-me as ferramentas que vim a precisar ao longo da minha vida e de compreensão do que é a gestão.

Comecei a minha carreira não exatamente na Sonae, mas na holding pessoal do engenheiro Belmiro de Azevedo, que foi o meu primeiro chefe e o convite surgiu ainda durante o MBA. Por isso, quando se diz que os MBA transformam vidas, este, de facto, transformou a minha, de muitas maneiras.

Quais são as principais vantagens de ter um MBA?

Temos de trazer a minha história para o presente, porque o que era um MBA na altura, não é um MBA hoje. Na altura em que fiz (1989-90) era um programa diferenciador, sobretudo em Portugal havia poucas pessoas com formação avançada em gestão. Hoje, o número de pessoas que tem um MBA é muito superior. Também é possível obter um MBA em boas escolas em Portugal, que tem três das melhores do mundo a fazer MBA: a Porto Business School, a Universidade Católica e a Universidade Nova de Lisboa.

Na prática, o MBA é crítico. Em primeiro lugar, é um selo de qualidade no currículo de qualquer pessoa, sobretudo os MBA feitos nas escolas de topo e que estão acreditadas, como estas que referi. Não é qualquer pessoa ou aluno que acaba um curso de economia, de gestão ou engenharia, que consegue fazer um MBA e ser certificado por estas escolas. Aliás, já não é qualquer aluno que entra nestas escolas, porque todas elas têm um processo de seleção bastante exigente. Um MBA é também uma identificação de que aquela pessoa está, pelo menos, preparada para começar a assumir funções mais complexas do ponto de vista de gestão. O MBA é algo que identifica que aquele indivíduo irá ter capacidade para fazer progressivamente ao longo da sua carreira (assim tenha outras competências) experiências e funções cada vez mais complexas e mais interligadas.

Que diferenças encontra no MBA que tirou há 30 anos para hoje?

Hoje, os melhores MBA do mundo introduziram, do ponto de vista das competências mais hard, competências absolutamente críticas, no domínio das tecnologias e do digital, que eram menos relevantes. Por outro lado, há uma dimensão de soft skills, de liderança, autocompreensão, autoconhecimento e também a capacidade de influência sobre os outros, que vieram a ganhar relevo ao longo dos últimos anos e que hoje estão presentes nos melhores MBA.

Há uma terceira dimensão que é muito importante quer para as organizações, quer para as pessoas, que são competências à volta do empreendedorismo, que são muitas vezes utilizadas para fundar empresas. Há muita gente hoje que vai fazer um MBA e a seguir não sai para o percurso tradicional nas grandes empresas, mas, sim, para fundar os seus próprios negócios.

Quem opta por tirar um MBA deve ter um determinado perfil com características de gestão e liderança?

No essencial, as pessoas devem candidatar-se a um MBA se tiverem uma ambição positiva de vir a progredir na carreira e ter funções cada vez mais complexas. As pessoas não têm de ser todas iguais e uma pessoa com um MBA, não é necessariamente melhor do que uma que não o tem. Depende é das funções a que queiram candidatar-se e o que queiram vir a fazer. Por outro lado, as pessoas que querem fazer um MBA devem fazer previamente um exercício de autoconhecimento. Um MBA é um exercício difícil, de sacrifício e exigente do ponto de vista da aplicação, do estudo, da capacidade de trabalhar em equipa e de superação.

Há hoje mais jovens a tirar MBA do que há 30 anos?

Vejo, até porque, em primeiro lugar, as pessoas, e bem, hoje são mais sedentas de educação, de conhecimento e compreendem a tal questão do fator de diferenciação. Para se conseguir evoluir na carreira, atualmente, é quase uma questão sine qua non, por isso é natural que exista mais procura por MBA do que na altura em que fiz o meu. A quantidade de instituições que oferecem MBA, a que chamaria de ‘neo’ MBA, é hoje muito grande. Na escolha de um MBA deve ter-se cuidado, porque não são todos iguais. Os rankings ajudam a fazer uma parte da seleção, mas não são tudo. É preciso muito cuidado na escolha e seleção das escolas para onde se vai.

O MBA em Portugal é melhor do que se prática lá fora?

Nós, em Portugal, temos dois MBA com mais tempo, com mais sedimentação. São os dois verdadeiros MBA que existem no país. Como é que eles se comparam com os MBA que existem fora de Portugal? Comparam-se na competência dos docentes, na qualidade do ensino e na preparação do que, no final, as pessoas acabam por retirar desse MBA. Comparam-se ainda muito bem do ponto de vista da relação preço/qualidade. As pessoas estão dispostas a pagar por um MBA em Portugal, seja no The Lisbon MBA seja na Porto Business School, estou a falar do MBA de base, que prepara as pessoas para o mundo e que é muito bom e melhor do que conheço lá fora.

O que comparam menos bem é a dimensão da criação de rede, sobretudo da rede Alumni internacional, porque as escolas em Portugal são menos centrais no que diz respeito às grandes redes de circulação de pessoas no mundo.

Quem faz um MBA em Portugal vai bem preparado para o mercado de trabalho?

Não tenho a mais pequena dúvida. Do ponto de vista das competências adquiridas, das capacidades desenvolvidas, não são substanciais as diferenças [com o estrangeiro]. A rede de alunos e de antigos alunos está muito mais bem desenvolvida nas escolas internacionais versus as escolas portuguesas. Esta é uma dimensão que ainda temos de trabalhar.

E o que falta para atingir essa dimensão?

É preciso trabalhar. Quer o The Lisbon MBA, quer o The Magellan são MBA internacionais, com programas em inglês, com professores e alunos estrangeiros, diria que há cerca de uma década. Volto a insistir no tema, ao escolher um MBA, o número de anos da rede de alunos é um fator a considerar. Qualquer aluno que não opte por escolas com alguma tradição e sustentabilidade está potencialmente a escolher mal.

O mercado de trabalho é mais acessível para quem tem um MBA?

Basta ver as taxas de emprego pós-MBA ao fim de três, seis ou nove meses, praticamente o emprego é pleno para os alunos que acabam o The Magellan ou o The Lisbon MBA. Portugal sempre optou por ter os MBA muito ligado às empresas e ao mercado de trabalho, para que o mercado de trabalho ajude a formatar e a influenciar os programas dos MBA, de forma a torná-los mais próximos. Essa capacidade de ter próximo da escola médias e grandes empresas capazes de intervir e influenciar o desenho dos programas é absolutamente crítico e a posteriori para facilitar o acesso dos alunos ao mercado de trabalho.

Ser professor atualmente ainda é ser formador ou também é ser líder?

Costumo dizer aos meus alunos que trabalho por obrigação e dou aulas por hobby. A grande mudança nos professores – pelo menos, é isso que tento praticar – é que o professor deixou de ser um transmissor de conhecimentos e deve ser um provocador, no sentido de pôr as pessoas a pensar sobre as coisas.

Nas minhas aulas de estratégia digo que estou lá, mas o meu objetivo não é ensinar estratégia. O meu objetivo se possível é tentar ajudar os alunos a que consigam pensar estrategicamente. Nos tempos que correm, não faz muito sentido estar a passar as ferramentas base. Essa capacidade de nos deslocarmos do ensino, do que é a base, para pôr as pessoas a pensar sobre as coisas é o grande desafio dos professores hoje.

Nota diferença na mentalidade dos alunos?

Os alunos hoje são mais informados, mais vivos e desafiam mais os professores, são irreverentes no bom sentido. Não aceitam facilmente sem discutir uma afirmação de um professor e também por isso é mais desafiante e interessante dar aulas hoje em dia.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.