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Margarida Gaspar de Matos: “É preciso ajudar os professores a sair da inércia”

Na atualidade, a carreira de docente deixou de ser apetecível. De competitiva e prestigiada passou a desvalorizada. Quer no secundário, quer no superior. O futuro continua a passar pelos professores.
11 Janeiro 2020, 12h00

A perda de estatuto socioeconómico da profissão, que atingiu num primeiro momento os professores do secundário e que entretanto também alastrou ao ensino superior, é uma das razões pelas quais os jovens vêm a preterir a carreira de docente como saída profissional. Mas isto não explica tudo. Não explica os principais motivos da perda de prestígio da profissão nos 40 anos de democracia. Em conversa com o Educação Internacional, Margarida Gaspar de Matos, psicóloga, professora catedrática de Educação na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, revela as suas preocupações e sugere alguns caminhos.

 

Leciona há cerca de quatro décadas. Quais as maiores diferenças entre ‘ontem e hoje’?
Havia um filtro maior na entrada de alunos na escola, nomeadamente um filtro socioeconómico. Só uma elite frequentava a escola, e só uma elite saía com um curso. Antigamente o professor era pois visto de outra forma: pertencia a uma elite. Neste momento vivemos num país onde o acesso à Educação é para todos, o que é excelente, mas haveria de contrariar este “efeito secundário” indesejável da sua “ desvalorização”, da desvalorização do conhecimento e das profissões associadas.

 

O professor fazia a diferença?
Recordo um artigo muito polémico escrito por um investigador nos anos 80 do século passado, intitulado “Os Professores, o elemento neutro no processo de ensino e aprendizagem”, que dizia que os professores não fazem a diferença. Os alunos que aprendem, aprendem sempre. Os que não aprendem, não aprendem. Rapidamente apareceram várias investigações a explicar a diferença e a provar que o professor faz sempre a diferença. Apareceu, então, um professor chamado Kounin que fez o perfil do “effective teacher”, que é aquele que tem sucesso com os alunos e consegue galvanizá-los. E isso é que deve ser estudado.

 

Qual é o perfil do professor que realmente tem apetência e vocação? E qual é o perfil das escolas onde estes professores conseguem existir? É mais importante que o professor domine a matéria ou que saiba transmiti-la?
É muito importante que o professor brinque facilmente e com muito à-vontade com as componentes críticas da matéria que ensina. Se um professor está a dar aulas e não é capaz de brincar com a matéria e explicá-la, mesmo a crianças de cinco anos, o professor estará sempre muito inseguro e com medo de ser apanhado por não saber a matéria. O professor tem de ser um profundo conhecedor da matéria que ensina, e depois claro, ser um profundo conhecedor da maneira como se transmite a matéria. Não é o aluno que vai ser capaz de dizer como é que quer saber sobre a matéria – essa é a tarefa do professor que é o especialista. Mas os alunos podem ter muito a dizer sobre os métodos, ou os estilos de ensino que os fazem estar mais atentos, mais empenhados, mais motivados, enfim aprender mais e melhor.

 

Hoje em dia, como é que os alunos veem o professor?
Em muitas circunstâncias, os alunos não têm consideração pelos professores. Isso é um mau sinal. É um desvalorizar do estatuto sociocultural e económico do professor. E o mesmo vai acontecer com os professores do ensino superior, considerando que desde há seis ou sete anos começámos a ter problemas de disciplina nas aulas, quando antigamente o professor do ensino superior era muito respeitado. Isto está a relacionado com as carreiras. Aliás, ainda no outro dia alguém me dizia: “vai lá para o superior dar aulas, não conseguiu arranjar outra coisa”. Estas coisas são importantes de salientar, porque quando desvalorizamos a profissão significa que estamos a destruir a imagem de quem a exerce.

 

Isso quer dizer que ser professor não é uma carreira apetecível?
A verdade é que a confiança das pessoas nas instituições está muito abalada: agora vou para a faculdade tirar um curso de três anos terríveis para depois o quê? Para depois “nada”? Depois há a hipótese de lá ficar a dar aulas, mas essa ideia para a generalidade das pessoas é ‘ai que horror, não, dar aulas não!’. Mudou muito nos últimos anos para o professor. O estatuto sociocultural e económico de um professor universitário está pela rua da amargura. Qualquer dia o senhor aluno vai dizer que o professor universitário é alguém que “não arranjou trabalho em mais lado nenhum”. Antigamente era uma carreira competitiva e prestigiada muito ligada à investigação, também à docência e à inovação na comunidade.

 

No futuro, quem vai ensinar quem?
Não sei. Quem é que vem a seguir? Teria de ter ocorrido uma entrada de novos professores para renovar os da minha geração. Por exemplo, os investigadores e investigadoras de pós-doutoramento com bolsa da Faculdade de Ciência e Tecnologia não têm garantia de contrato permanente, com sorte têm dois contratos de três anos e depois vão parar à rua por não serem funcionárias da faculdade. As pessoas mais novas aqui da faculdade, das que entraram por concurso público, têm agora cerca de 50 anos. Daí para baixo, não há ninguém que tenha entrado por concurso público.

 

O que mais pode fazer a tutela?
Deve investir seriamente na mobilização e no reconhecimento dos professores. Um professor motivado faz toda a diferença e é preciso que os professores recuperem a capacidade de galvanizar os alunos. Depois, como está a ser tentado, é preciso dar alguma autonomia aos professores para serem resolvidos alguns problemas nas escolas, localmente. Isso podia estar organizado, por exemplo, numa “plataforma”. Uma escola expunha alguns dos problemas que enfrentou e quais as soluções que utilizou. Depois uma outra escola poderia consultar o trabalho desenvolvido e perceber se este poderia ser aplicado também na sua. Poderia ainda haver um repositório com estudos de casos de escolas. Enfim, é preciso ajudar os professores a sair desta inércia, desta desvalorização, desta apatia, desta exaustão e restaurar neles a capacidade de se sentirem reconhecidos na sua profissão.

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